Publicado originalmente no No Minuto.
Tenho lido muita coisa sobre a emergência de protestos de rua mobilizados pelas redes sociais no Brasil.
Coisas importantes estão sendo ditas, mas muita afirmação superficial tem sido feita.
Não faz sentido atribuir os protestos desta semana a uma suposta pressão social resultado de uma falsa imagem do país no que se refere às condições sócio-econômicas. Isso porque, efetivamente, as condições de emprego, saúde, educação melhoraram nos últimos dez anos no Brasil - ainda que não sejam ainda dignas de um país desenvolvido.
Não faz sentido demonizar os movimentos - assim como eu apoiei e participei em todos os protestos de Natal desde 2011 e reflito desde então sobre os protestos da Primavera Árabe e do #ForaMicarla, não posso simplesmente dizer que esses movimentos atuais são sem causa ou sem razão.
É preciso também deixar claro que o movimento visível hoje em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília resulta do pioneirismo de lugares como Natal - que ocupou sua câmara municipal em junho de 2011 depois de uma série de manifestações de rua nascidas principalmente do aumento da tarifa de ônibus. E nisso falamos sobre o transporte público.
A pauta da Copa, sim, pode ser apontada como resultado de uma demanda reprimida. As remoções e as afrontas aos direitos humanos mais básicos dos atingidos pelas obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas foram basicamente omitidas pelo poder público e do noticiário desde o início.
Lembro que quando a Associação Potiguar dos Atingidos pelas obras da Copa em Natal se organizou, muitos colegas jornalistas ironizaram. Quando as ações do Comitê Popular da Copa se efetivavam, muitos criticavam.
A invisibilidade desse movimento explodiu agora durante a Copa das Confederações. Ninguém pode ser feliz sem falar.
Mas há três outras coisas que podem ser ditas sobre os recentes movimentos.
A primeira é que sempre ouvi de amigos da esquerda, inclusive do PT, a constatação de que na disputa política dentro do governo Lula um dos graves problemas para que não conseguíssemos os avanços que se desejava era que os movimentos sociais e os partidos se deixaram confundir com o governo e saíram das ruas. É preciso o povo na rua para conseguir avanços que os poderosos não cederão com facilidade.
Agora o povo está na rua. E é a hora de PT, PCdoB e outros partidos de esquerda que apoiam o governo federal estarem na rua ao lado dele. É um movimento horizontal e a pauta da esquerda combina com essa disputa política.
A segunda coisa que pode ser dita é que protestos assim só nascem quando se toca um ponto muito concreto na vida das pessoas. Não adianta convocar as pessoas para irem à rua lutar por ideias abstratas. Saúde, educação, corrupção são ideias por demais abstratas. O aumento da passagem de ônibus toca diretamente a vida do cidadão - assim como a moradia no Pinheirinho ou a presença da PM dentro do campus da USP.
Na Tunísia, as coisas começaram quando um verdureiro se matou em protesto contra o governo - e ali nasceu a Primavera Árabe. Em Natal, no ano de 2011, os protestos cunharam o #ForaMicarla a partir do aumento das passagens em janeiro. De lá, às ruas, em maio, e à Câmara em junho. Na Turquia, o protesto atual começou por causa de um parque. E a Turquia aponta a terceira coisa: a repressão só aumenta a força dos protestos. Na Turquia o protesto deixou de ser pelo parque e passou a ser pelo direito de protestar.
Foi assim em Natal durante a #RevoltadoBusao em 2012. O primeiro grande protesto, ainda em agosto, foi barbaramente reprimido pela PM. A ação policial ainda chegou a ser defendida por parte da imprensa e pelo comandante da PM numa inacreditável entrevista à InterTV Cabugi - que, não à toa, é afilhada da Globo. O novo protesto, dois dias depois, foi maior.
O fenômeno que vemos hoje envolvendo o movimento em São Paulo aconteceu exatamente da mesma forma, mas em menor escala, em Natal: os estudantes sendo chamados de vândalos e/ou desocupados pela Polícia e pela imprensa, com apoio de boa parte da sociedade. Depois, a partir da força das redes sociais o enquadramento muda, ao menos parcialmente.
No protesto em Natal do último dia 15 de maio a PM inclusive apreendeu câmeras de quem estava na rua para filmar a ação policial. Tudo muito parecido.
As inteligências da polícia e dos governos não entenderam que no mundo contemporâneo as batalhas e as guerras são perdidas quando a repressão avança. Além de angariar novos apoios aos movimentos de rua (em São Paulo foi confirmada a presença de mais de 180 mil pessoas no protesto de amanhã), a repressão reverte-se em desgaste político a quem deu a ordem.
Tenho lido muita coisa sobre a emergência de protestos de rua mobilizados pelas redes sociais no Brasil.
Coisas importantes estão sendo ditas, mas muita afirmação superficial tem sido feita.
Não faz sentido atribuir os protestos desta semana a uma suposta pressão social resultado de uma falsa imagem do país no que se refere às condições sócio-econômicas. Isso porque, efetivamente, as condições de emprego, saúde, educação melhoraram nos últimos dez anos no Brasil - ainda que não sejam ainda dignas de um país desenvolvido.
Não faz sentido demonizar os movimentos - assim como eu apoiei e participei em todos os protestos de Natal desde 2011 e reflito desde então sobre os protestos da Primavera Árabe e do #ForaMicarla, não posso simplesmente dizer que esses movimentos atuais são sem causa ou sem razão.
É preciso também deixar claro que o movimento visível hoje em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília resulta do pioneirismo de lugares como Natal - que ocupou sua câmara municipal em junho de 2011 depois de uma série de manifestações de rua nascidas principalmente do aumento da tarifa de ônibus. E nisso falamos sobre o transporte público.
A pauta da Copa, sim, pode ser apontada como resultado de uma demanda reprimida. As remoções e as afrontas aos direitos humanos mais básicos dos atingidos pelas obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas foram basicamente omitidas pelo poder público e do noticiário desde o início.
Lembro que quando a Associação Potiguar dos Atingidos pelas obras da Copa em Natal se organizou, muitos colegas jornalistas ironizaram. Quando as ações do Comitê Popular da Copa se efetivavam, muitos criticavam.
A invisibilidade desse movimento explodiu agora durante a Copa das Confederações. Ninguém pode ser feliz sem falar.
Mas há três outras coisas que podem ser ditas sobre os recentes movimentos.
A primeira é que sempre ouvi de amigos da esquerda, inclusive do PT, a constatação de que na disputa política dentro do governo Lula um dos graves problemas para que não conseguíssemos os avanços que se desejava era que os movimentos sociais e os partidos se deixaram confundir com o governo e saíram das ruas. É preciso o povo na rua para conseguir avanços que os poderosos não cederão com facilidade.
Agora o povo está na rua. E é a hora de PT, PCdoB e outros partidos de esquerda que apoiam o governo federal estarem na rua ao lado dele. É um movimento horizontal e a pauta da esquerda combina com essa disputa política.
A segunda coisa que pode ser dita é que protestos assim só nascem quando se toca um ponto muito concreto na vida das pessoas. Não adianta convocar as pessoas para irem à rua lutar por ideias abstratas. Saúde, educação, corrupção são ideias por demais abstratas. O aumento da passagem de ônibus toca diretamente a vida do cidadão - assim como a moradia no Pinheirinho ou a presença da PM dentro do campus da USP.
Na Tunísia, as coisas começaram quando um verdureiro se matou em protesto contra o governo - e ali nasceu a Primavera Árabe. Em Natal, no ano de 2011, os protestos cunharam o #ForaMicarla a partir do aumento das passagens em janeiro. De lá, às ruas, em maio, e à Câmara em junho. Na Turquia, o protesto atual começou por causa de um parque. E a Turquia aponta a terceira coisa: a repressão só aumenta a força dos protestos. Na Turquia o protesto deixou de ser pelo parque e passou a ser pelo direito de protestar.
Foi assim em Natal durante a #RevoltadoBusao em 2012. O primeiro grande protesto, ainda em agosto, foi barbaramente reprimido pela PM. A ação policial ainda chegou a ser defendida por parte da imprensa e pelo comandante da PM numa inacreditável entrevista à InterTV Cabugi - que, não à toa, é afilhada da Globo. O novo protesto, dois dias depois, foi maior.
O fenômeno que vemos hoje envolvendo o movimento em São Paulo aconteceu exatamente da mesma forma, mas em menor escala, em Natal: os estudantes sendo chamados de vândalos e/ou desocupados pela Polícia e pela imprensa, com apoio de boa parte da sociedade. Depois, a partir da força das redes sociais o enquadramento muda, ao menos parcialmente.
No protesto em Natal do último dia 15 de maio a PM inclusive apreendeu câmeras de quem estava na rua para filmar a ação policial. Tudo muito parecido.
As inteligências da polícia e dos governos não entenderam que no mundo contemporâneo as batalhas e as guerras são perdidas quando a repressão avança. Além de angariar novos apoios aos movimentos de rua (em São Paulo foi confirmada a presença de mais de 180 mil pessoas no protesto de amanhã), a repressão reverte-se em desgaste político a quem deu a ordem.
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