Por Vladimir Safatle, na Folha de hoje:
Há 60 anos, os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer forneceram uma das mais instigantes leituras do nazismo, do fascismo e de sua lógica de segregação. Consistia em mostrar como estávamos, na verdade, diante de um tipo de patologia social.
Isso não significava dizer que os fascistas seriam "monstros patológicos", "perversos" e coisas do gênero. É alentador acreditar que apenas monstros são capazes de produzir monstruosidades.
Tratava-se, na verdade, de mostrar como o fascismo conseguira se colocar como um modelo de forma de vida. No caso, uma forma de vida constituída através da transformação de comportamentos patológicos em norma social, de temáticas que normalmente aparecem em delírios paranoicos no conteúdo de discursos políticos tacitamente aceitos.
Assim, delírios de perseguição se normalizavam por meio da crença de que um elemento estranho estava infectando a bela totalidade de nosso corpo social. Elemento que destruiria, com o beneplácito de cosmopolitas ingênuos, nosso caráter nacional naquilo que ele teria de mais especial.
Força e disciplina eram convocadas para restaurar esse corpo quase moribundo separado de seu solo, mesmo que tal solo seja hoje uma fazenda de produtos orgânicos.
Por sua vez, delírios de grandeza animavam discursos que pregavam a amplidão redentora da nação. A identidade era, assim, elevada à condição de sistema defensivo ameaçado, e, por isso, compulsivamente afirmado.
Não por acaso, palavras como "limite", "fronteira", "território" tornavam-se os significantes centrais do discurso político. A defesa da identidade se tornava uma patologia.
Lembrar isso, após o massacre em que um norueguês islamófobo, cristão conservador e simpatizante de partidos de extrema-direita matou dezenas de jovens do Partido Trabalhista, é só uma forma de insistir como alguns não aprendem nada com a história.
Tal como o direitista americano que, meses atrás, atirou contra uma deputada democrata em Tucson contrária a leis mais duras contra a imigração, o que temos aqui é simplesmente alguém que quer realizar tal forma de vida fascista com as próprias mãos.
Eles não querem esperar os partidos xenófobos ganharem para "eliminar" os imigrantes. Preferem passar ao ato, literalizando o discurso que ouvem todos os dias.
De nada adianta lembrar que estudos recentes da OCDE mostram que os imigrantes contribuem mais para a seguridade social do que usam tais serviços, ou seja, geram mais riquezas do que consomem.
De nada adianta lembrar isso, porque não estamos no domínio do argumento, mas no dos afetos patológicos cada vez mais naturalizados como discurso no jogo político.
Há 60 anos, os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer forneceram uma das mais instigantes leituras do nazismo, do fascismo e de sua lógica de segregação. Consistia em mostrar como estávamos, na verdade, diante de um tipo de patologia social.
Isso não significava dizer que os fascistas seriam "monstros patológicos", "perversos" e coisas do gênero. É alentador acreditar que apenas monstros são capazes de produzir monstruosidades.
Tratava-se, na verdade, de mostrar como o fascismo conseguira se colocar como um modelo de forma de vida. No caso, uma forma de vida constituída através da transformação de comportamentos patológicos em norma social, de temáticas que normalmente aparecem em delírios paranoicos no conteúdo de discursos políticos tacitamente aceitos.
Assim, delírios de perseguição se normalizavam por meio da crença de que um elemento estranho estava infectando a bela totalidade de nosso corpo social. Elemento que destruiria, com o beneplácito de cosmopolitas ingênuos, nosso caráter nacional naquilo que ele teria de mais especial.
Força e disciplina eram convocadas para restaurar esse corpo quase moribundo separado de seu solo, mesmo que tal solo seja hoje uma fazenda de produtos orgânicos.
Por sua vez, delírios de grandeza animavam discursos que pregavam a amplidão redentora da nação. A identidade era, assim, elevada à condição de sistema defensivo ameaçado, e, por isso, compulsivamente afirmado.
Não por acaso, palavras como "limite", "fronteira", "território" tornavam-se os significantes centrais do discurso político. A defesa da identidade se tornava uma patologia.
Lembrar isso, após o massacre em que um norueguês islamófobo, cristão conservador e simpatizante de partidos de extrema-direita matou dezenas de jovens do Partido Trabalhista, é só uma forma de insistir como alguns não aprendem nada com a história.
Tal como o direitista americano que, meses atrás, atirou contra uma deputada democrata em Tucson contrária a leis mais duras contra a imigração, o que temos aqui é simplesmente alguém que quer realizar tal forma de vida fascista com as próprias mãos.
Eles não querem esperar os partidos xenófobos ganharem para "eliminar" os imigrantes. Preferem passar ao ato, literalizando o discurso que ouvem todos os dias.
De nada adianta lembrar que estudos recentes da OCDE mostram que os imigrantes contribuem mais para a seguridade social do que usam tais serviços, ou seja, geram mais riquezas do que consomem.
De nada adianta lembrar isso, porque não estamos no domínio do argumento, mas no dos afetos patológicos cada vez mais naturalizados como discurso no jogo político.
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