#HomofobiaNao: Os crimes de morte e a morte à estima

Dia desses a área de Recursos Humanos da empresa em que trabalho trouxe a necessidade de criarmos uma campanha abordando o preconceito no nosso ambiente.
De imediato entendi o avanço que representa a ideia no âmbito de nosso escritório local, mas achei que o projeto ia ter pouco espaço para prosperar.  Nacionalmente, a empresa se posiciona como responsável sócio-ambientalmente e promotora das ações de igualdade de gênero, combate às discriminações, defensora dos direitos humanos.  Em nível local, nunca vi intensidade com isso.  Por exemplo, mesmo que tenha como data a ser celebrada o Dia Internacional de Direitos Humanos, em dezembro, jamais consegui realizar um evento referente à data, ainda que esses eventos ocorram em nível corporativo e sejam apoiados em forma de patrocínio ações fora da empresa.
Dia desses sugeri realizar uma mostra de filmes que tivesse como tema a Ditadura Militar na passagem do aniversário do Golpe de 64.  A ideia foi rechaçada de primeira - os militares são nosso público de interesse, logo esse tema é tabu e está interditado.

Outros temas estão.  E aí eu volto à proposta do RH.  Quando fazemos a programação cultural do fim de semana para os empregados, temos que, necessariamente, fazer um recorte: nenhuma programação que seja dirigida ao público LGBT pode ser inserida.  E quando o foi, gerou reclamações e broncas.
Tudo isso aponta que nosso ambiente de trabalho é extremamente preconceituoso.  Qualquer mudança há de ser motivada por estímulo externo e haverá de ter força de lei.
Quando conversava na sala sobre a primeira proposta que criamos com a equipe de criação (que foi completamente modificada, depois), uma colega, visivelmente irritada questionou se a gente ia fazer alguma peça envolvendo homossexualismo, como um casal gay de mãos dadas.  Tínhamos pensado em algo assim - e surpreendi minha colega explicando porque o RH viu a necessidade de trabalhar esses temas: houve reclamações formais de visitantes na empresa que foram discriminados ou alvo de brincadeira por serem gays ou visivelmente "afetados".  Um rapaz estava na fila do banco, em uma das situações, e dois trabalhadores atrás dele fizeram piadas em alto e bom som com o jeito dele.  A reclamação formal vira uma demanda que nos obriga a fazer algo para tratar o assunto.  Ainda assim, como descobri depois, não vamos poder tratar o assunto com a profundidade necessária - o tabu ainda persiste.
Há um falso debate no ar, inclusive no Tendências/Debates da Folha, que republiquei abaixo.  Carlos Apolinário é dos tantos que duvidam da existência da homofobia porque a vinculam unicamente à violência física - e tantos como ele afirmam que os números de mortos e os inúmeros mortos por serem gays são estatísticas não comprovadas.  Como se fossem não comprovadas essas histórias aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.  Ou como se fosse mentira a história que motivou a criação do Projeto #EuSouGay, quando pai e filho mataram a namorada de sua filha/irmã adolescente.  Apolinário e especialmente os evangélicos conservadores acreditam (precisam acreditar) em um ideologia que contorce e distorce os fatos para justificar, sem crises de consciência, sua repulsa ao PLC122.  Eu, como evangélico, tenho vergonha disso.
Mas a homofobia, como toda ideologia, agride não só no físico.  Dizer o contrário é como afirmar que o anti-semitismo que culminou com Aschwitz não tivesse existido antes na forma simbólica, discursiva que provoca a morte à estima do sujeito.  Como se o fato de um amigo meu, negro, negar que o seja e, ao mesmo tempo, considerar-se feio e fracassado, nada tivesse a ver com o racismo impregnado na cultura e no discurso do brasileiro.
A homofobia no país - vinculada bem de perto às várias formas de machismo - não se manifesta apenas em atos de rua ou privados violentos contra gays que, por vezes, lhes tiram a vida física.  A homofobia se manifesta em atos públicos ou privados que, simbólicos, lhes roubam a capacidade de viver.  Porque se não fosse isso - se a violência simbólica presente em brincadeiras ou piadas seculares, ou discursos religiosos ou não discriminatórios - os gays sairiam do armário mais facilmente.
É a violência dos discursos de discriminação que faz amigos meus que são gays terem a maior dificuldade em se assumirem como tais - inclusive achando que perderão amigos, espaços sociais se o fizerem, o que, de fato, deve acontecer.
A homofobia não é uma forma de violência física que tira a vida das pessoas por sua orientação sexual apenas.  É uma forma de violência simbólica, discursiva, em nível da linguagem, que tira das pessoas a capacidade de viver.  É a postura comportamental que fez minha colega, que posa como progressista em vários pontos, levantar-se irritada da sala e dizer que tem coisas que ela não aceita.  Como se a justiça, a liberdade e a democracia tivessem a ver com coisas que a gente gosta ou não, em vez de terem a ver com a nossa necessidade de defender o direito, a liberdade e o espaço do outro.

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