NICAR 2013, geeks e o futuro do jornalismo

Por Marco Túlio Pires
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Terminou no último domingo (3) em Louisville, Kentucky, a NICAR 2013, a maior conferência de “reportagem com o auxílio do computador” (“CAR” em inglês, ou “RAC” em português) do mundo. Mais de 600 jornalistas se reuniram na terra do bourbon para trocar ideias sobre jornalismo guiado por dados, programação e melhores formas de colocar a tecnologia à serviço do jornalismo. E beber muito whisky. O Brasil teve apenas dois representantes, Roberto Rocha, jornalista digital do Montreal Gazette, e eu.

NICAR significa “National Institute for Computer Assisted Reporting”, criado no meio da década de 1990. Tem sede na Universidade de Missouri, nos EUA, e está sob a chancela doIRE, Investigative Reporters and Editors, a “ABRAJI” dos EUA.

Muitas lições aprendidas. A primeira delas é que uma das únicas áreas do jornalismo que estão crescendo, se não for a única, é a de jornalismo guiado por dados. A demanda por “jornalistas de dados” só cresce. Em meio a grandes demissões voluntárias em diversos jornais americanos, inclusive o The New York Times, mais de 30 vagas foram anunciadas na conferência para jornalistas com experiência trabalhando com bancos de dados, programação e mapas.

Jeremy Kohler, há 15 anos repórter investigativo do St. Louis Post-Dispatch foi um dos mais de 30 que pregou um anúncio de emprego no quadro da NICAR 2013. “Minha missão aqui é encontrar um repórter que saiba trabalhar com dados”, disse em uma das noites que saímos para provar a infinidade de bourbons disponíveis nos bares de Louisville.

Apesar da demanda altíssima, não tem sido fácil encontrar esses profissionais. “Estou há uma semana tuitando sobre essa vaga, fazendo contatos na conferência e entrevistando pessoas, mas não consegui encontrar ninguém”, confessou. Não vai demorar muito até que a demanda em outros países, Brasil incluso, cresça. Hoje, apenas o jornal Estado de São Paulo possui umaequipe formalmente designada para trabalhar com dados. São liderados pelo José Roberto de Toledo, um dos gurus de RAC no Brasil.

A segunda lição aprendida é que a cultura de compartilhamento aberto herdada da comunidade open source faz muito bem para o jornalismo. Na NICAR não existem profissionais desse ou aquele jornal, não há a sensação de que as pessoas estão competindo entre si. Jornalistas do The New York Times unem forças com outros do Washington Post num mesmo painel, trocam experiências, compartilham projetos e disponibilizam várias das receitas de sucesso. “Nunca vi algo parecido em outro lugar do mundo”, me disse Aron Pilhofer, diretor de Interatividade do The New York Times. “É por isso que essa comunidade é tão forte.”

A terceira lição é que nunca foi tão fácil uma redação tirar máxima vantagem dos computadores para fazer melhor jornalismo. O que antes era de domínio apenas de cientistas da computação, hoje estão a poucos cliques de distância na forma de plugins de navegadores e aplicativos online. Um dos exemplos é o OpenRefine, ferramenta criada pelo Google para organizar, unir e refinar bancos de dados, tudo dentro do navegador sem a necessidade de saber qualquer linguagem de programação. Há também uma infinidade de truques para baixar dados e tabelas da internet e manipulá-los no Excel ou qualquer outro lugar.

Os mais interessados também podem aprender linguagens de programação mais modernas e de simples escrita, como Python, para escrever programas curtos e extrair informações automaticamente da internet. É possível por exemplo programar um robô para verificar as ocorrências policiais de São Paulo e enviar um aviso sempre que a palavra “cocaína” aparecer. Ou então, escrever um programa que baixa a agenda do governador do estado e faz estatísticas de como ele passa o tempo dele trabalhando. Ou ainda, quantos restaurantes na sua cidade já foram multados pela Anvisa e por quê? Qual é a causa mais comum? Aqueles que receberam ordem de fechamento continuam funcionando? As possibilidades são muitas.

E agora ficou ainda melhor porque o Brasil já entra no primeiro ano de Lei de Acesso à Informação. Isso cria uma nova camada de exploração para jornalistas e cidadãos que queiram cobrar respostas do governo ou simplesmente acompanhar seu funcionamento.

Mas como e por onde começar? Nos próximos posts farei uma compilação rápida das melhores apresentações da NICAR 2013 e mostrar como qualquer pessoa pode começar a trabalhar com dados e informações públicas e, quem sabe, ajudar a escrever o futuro do jornalismo.

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