MPE pede cassação de João Maia por uso de Caixa 2 na campanha

As evidências são muito semelhantes àquelas do #Caixa2doDEMnoRN, mas que a Procuradoria Geral da República não seguiu e, por isso, não denunciou os envolvidos - Rosalba Ciarlini, José Agripino, Carlos Augusto Rosado, Betinho Rosado e Galbi Saldanha.
Flávio Pisca, citado como assessor de João Maia, é filho do ex-vereador de Natal Assis Oliveira e irmão do blogueiro Bruno Giovanni.

No Jornal de Hoje

Deputado federal. Presidente do Partido da República no Rio Grande do Norte. Um dos principais aliados políticos da governadora Rosalba Ciarlini. Cotado para ser candidato a vice-governador na próxima eleição. Acusado de praticar Caixa 2 no pleito eleitoral de 2010. Essas são algumas das definições possíveis, neste momento, quando se trata do potiguar João Maia. E a última característica é resultante de uma ação do Ministério Público Eleitoral (MPE), que afirma ter certeza das práticas irregulares do parlamentar na última disputa por vagas na Câmara Federal e, por isso, pede na Justiça Eleitoral a cassação do mandato dele.

A ação está na fase das alegações finais e O Jornal de Hoje teve acesso com exclusividade a parte do processo. Nele, o Ministério Público Eleitoral, por meio do procurador regional eleitoral Ronaldo Pinheiro de Queiroz, que assinou a ação, pede a cassação de João Maia baseado na “presença de indícios de que ele teria arrecadado recursos, bem como realizado gastos, em prol de sua campanha de forma irregular e clandestina”.

O procurador, porém, é bem mais direto do que isso durante a construção de sua acusação. Segundo ele, “não há dúvida”, é “inquestionável” a prática irregular durante a campanha. E, para essa análise, considera duas conversas (transcritas ao lado) entre João Maia e Flávio Giorgi Medeiros Oliveira, conhecido como “Flávio Pisca”, assessor dele na campanha eleitoral de 2010.

As conversas foram extraídas, segundo o MPE, do notebook pertencente a “Flávio Pisca” após busca e apreensão realizada em sua residência e consequente perícia técnica empreendida pela Polícia Federal. A primeira conversa foi registrada, conforme revelou o Ministério Público Eleitoral, no dia 18 de outubro de 2010, e a outra, no dia 29 de outubro do mesmo ano.



PRIMEIRA CONVERSA

Após a primeira conversa, como o MPE afirmou ver, João Maia “e seu assessor ‘Flávio Pisca’, no dia 18/10/2010, procuram solucionar pendências relativas a locação de veículos utilizados na campanha de João Maia. Contudo, àquele época, conforme o próprio representado afirma em sua defesa, os gastos com locação de veículos já estavam devidamente quitados perante a empresa que segundo ele foi contratada para centralizar todo o serviço de locação de veículos de sua campanha, qual seja, a ‘HA Locação e Fretamento de Veículos Ltda’”.

Segundo o procurador regional eleitoral, “não restam dúvidas que os R$ 100.000,00 referidos por Flávio Giorgi, que precisavam para ‘resolver a questão das locações’ não era destinado a efetuar o pagamento da empresa ‘HA’, mas sim saldar pendências como os veículos contratados clandestinamente, ou seja, sem o registro dos respectivos gastos. Ainda neste ponto, registre-se que o próprio ‘Flávio Pisca’ registra o caráter irregular/ilegal desta dívida ao afirmar que o pagamento seria efetuado ‘por fora’”.

O procurador Ronaldo Pinheiro de Queiroz coloca que essa constatação do MPE “vem de encontro” a planilha encontrada no computador de Flávio Giorgi, “na qual consta o nome de várias pessoas, relacionados a números de CPF/CNPJ, tipos/marcas e placas de veículos, bem com elevados valores e forma de pagamento, além de números de contas correntes, agências bancárias e outros”.
Segundo Ronaldo Pinheiro de Queiroz, “não há dúvida que o candidato ou o comitê financeiro de seu partido político contratou a empresa ‘HA locação de veículos Ltda’ para proceder a locação de veículos que seriam usados em sua campanha, tendo efetuado, para tanto, o pagamento àquela empresa no valor de R$ 205.127,00, pagamento este devidamente registrado nas respectivas prestações de contas”.

O procurador regional eleitoral ressalta também que além disso, “o candidato realizou a contratação, de forma clandestina, sem declarar em sua prestação de contas, vários outros veículos que de igual forma, foram utilizados na sua campanha eleitoral, tendo, para tanto dispendido a vultosa quantia de R$ 430.456,67, conforme evidencia a multicitada planilha, ou seja, os gastos ilícitos com locação de veículos (R$ 430.456,67) foram mais do que o dobro dos gastos lícitos com aquela despesa (R$ 205.127,00)”.



SEGUNDA CONVERSA

Na segunda conversa telefônica entre João Maia e Flávio Giorgi, segundo o procurador, a presença de ilicitude na arrecadação/gastos da campanha “ganha contornos inquestionáveis”, colocando que o deputado federal, “de fato, arrecadou e efetuou gastos de recursos de forma clandestina”.

“E não é só, deixando ainda mais evidente a existência de realização de gastos não declarados na sua prestação de contas, quase no fim do diálogo o candidato/representado registra que primeiro quer resolver a prestação de contas e somente depois resolveria as outras pendências, ou seja, primeiro resolveria os gastos declarados e depois os gastos não declarados. Induvidosa, portanto, a prática de ‘caixa 2’ no presente caso”, afirma Ronaldo Pinheiro de Queiroz.

O procurador regional eleitoral ressalta na alegação final que “as irregularidades comprovadas nos autos não podem ser tidas como insignificantes para fins de aplicação da sanção prevista no artigo 30-A da Lei número 9.504/97, pois só os valores dispendidos de forma ilícita/clandestina, mais de R$ 400.000,00 – conforme se vê da planilha, evidencia gravidade suficiente para ensejar a sanção de cassação do diploma do representado”.

“Da mesma forma,o fato da prestação de contas do representado em relação às eleições de 2010 terem sido aprovadas não repercute na presente ação, tendo em vista que ambas (prestação de contas e a representação por gasto ilícito de campanha) são autônomas, não interferindo o julgamento de uma no destino da outra, conforme entendimento pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça”.

Dessa forma, segundo o procurador regional eleitoral, “diante da comprovada e induvidosa omissão de gastos de campanha com veículos, cujo financiamento se deu com recursos, repise-se, de considerável monta, que não transitaram pela conta bancária específica do candidato, configura-se a toda evidência a prática de captação e gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, em razão do que ao parque eleitoral não resta outra alternativa senão ratificar a pretensão inicial, requerendo, assim, a condenação do representado”.



João Maia: “Arrume (o doador) e eu entrego o dinheiro”

O processo que pede a cassação de João Maia na Justiça Eleitoral não é recente. Já passou por toda a fase de instrução, inclusive com a apresentação da defesa de João Maia. E, conforme o procurador ressalta em sua alegação final, o deputado já está ciente do assunto. Foi notificado e, até já apresentou sua defesa por meio de documentos. Sustentou que incorreu a alegada arrecadação, bem como gastos clandestinos, pois os valores relativos à locação de veículos em prol de sua campanha eleitoral foram adimplidos pelo Comitê Financeiro do partido pelo qual concorreu nas últimas eleições, que é o PR (partido que ele preside).

Porém, concluída essa fase de instrução processual, segundo o MPE, “constata-se, extreme de dúvidas, que a pretensão inicialmente formulada foi ratificada pelas provas coligidas ao presente feito”. Com relação à primeira conversa, a defesa do deputado federal colocou que a mencionada planilha foi confeccionada pela empresa “HA” e posteriormente enviada a Flávio Giorgi, como forma de prestação de contas, pois, ainda, segundo o representado, todas as contratações, bem como os respectivos pagamentos com locação de veículos foram realizadas pela própria empresa e não pelo candidato.

“Tal afirmação não passa pelo crivo de um mínimo juízo crítico”, coloca o procurador, questionando a informação: “Se era a própria empresa contratada quem efetuava os pagamentos, então porque na planilha apreendida no computador do principal assessor do representado constava os dados bancários dos locadores dos veículos?”. Ele responde em seguida que “a resposta que se impõe é que em relação aos veículos constantes na mencionada planilha não era a ‘HA’ quem realizava os pagamentos, mas sim o próprio candidato, e o pior, sem a tramitação daqueles gastos na conta bancária específica”.

“Naquela planilha consta, também um campo denominado ‘contato’, ou seja, o nome da pessoa que intermediava a contratação dos locadores dos veículos em questão. Ora, mais uma vez impõe questionar, se era a empresa ‘HA’ quem centralizou o serviço de locação de veículos em favor da candidatura do representado, porque então ele ter o nome dos ‘contatos’ que intermediavam as locações?”, questiona.

O procurador ressalta também que após acesso à movimentação bancária de algumas das pessoas constantes naquela planilha, após autorização judicial neste sentido, constata-se que, de fato, os valores lá especificados foram depositados na conta dos locadores. Cita-se o caso de Gilcelly Adriano da Silva, que teria recebido R$ 3 mil na data do dia 10 de outubro de 2010, como constava na planilha encontrada. “Apesar de não ter sido possível identificar quem teria realizado aquela transferência, o fato do valor e a data do depósito baterem com aqueles constantes na planilha elaborada por Flávio Giorgi demonstra que, de fato, quem realizou aquele depósito foi o representado ou alguém de seu mando”.

Além disso, segundo a alegação final do MPE, “não causa estranheza” o fato das testemunhas, dentre elas Flávio Giorgi, o proprietário da empresa “HA” e alguns donos de veículos cujos nomes constam na planilha, terem corroborado a versão da defesa de João Maia. “Os mesmos, ao que se vê dos autos, tiram o seu sustento, ou grande parte dele, da política, ou seja, um é assessor do representado e os demais veículos locam para campanhas eleitorais”, apontou, acrescentando que se tivessem “testemunhado ‘contra’ o candidato/representado, não resta dúvida que eles estariam alijados, nas eleições posteriores, de participar da campanha de qualquer candidato, pois, como se diz no popular, estariam ‘queimados’”.

Conforme citou o procurador regional, vale lembrar que a peça inicial do processo movido pelo MPE apontava as irregularidades. “Considerando todas as circunstâncias que permearam os gastos ilícitos de campanha objeto da presente representação – realizados de forma absolutamente clandestina, somente vindo à tona graças ao cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência de um assessor direto do representado -, bem como o fato de que os recursos empregados para seu financiamento não transitaram na conta bancária específica de campanha, é evidente que nenhum recibo eleitoral foi emitido em função de tal arrecadação, o que se confirma quando da análise da prestação de contas do candidato/representado João da Silva Maia, cujos recursos oficialmente arrecadados foram quase que em sua totalidade para financiamento de outros gastos eleitorais”.

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