Quem é o “especialista em terrorismo” que atribuiu os ataques na Noruega a árabes/muçulmanos

Da Revista Forum:


Por Benjamin Doherty 
Tradução de Idelber Avelar e Ana Maria Gonçalves 

Imediatamente depois da notícia do bombardeio do prédio do governo em Oslo, capital da Noruega, a internet ferveu com especulações acerca de quem o teria feito e por quê. A maioria das especulações falava de muçulmanos e da chamada militância islâmica. A ânsia de se especular depois de acontecimentos graves é compreensível, mas o foco da especulação, sua amplificação através das redes sociais, sua legitimação na mídia tradicional e o privilégio concedido aos chamados especialistas é um padrão comum.

O perigo de tais especulações é que elas acrescentam pouco conhecimento, mas provocam danos reais, ao disseminar medo e ódio em relação a muçulmanos, imigrantes e outras populações vulneráveis e rotineiramente demonizadas. Intencionalmente ou não, essas especulações atribuem culpa coletiva a esses grupos.

“Especialistas” que supostamente estudam esse tema – quase sempre homens brancos e muito frequentemente com história governamental ou militar – direcionam suspeitas aos muçulmanos ao apontar reivindicações de responsabilidade em páginas web da “jihad” às quais só eles têm acesso. Ataques infames invariavelmente inspiram reivindicações falsas de responsabilidade ou falsos relatos de reivindicações, mas isso, pelo jeito, não impede que a mídia e os especialistas lhes dêem atenção indevida.

Dos “especialistas” para o New York Times para o mundo

O New York Times originalmente noticiou:

Um grupo terrorista, Ansar Al-Jihad Al-Alami, ou os Auxiliares da Jihad Global, lançaram uma declaração reclamando responsabilidade pelo ataque, de acordo com Will McCants, um analista de terrorismo na CNA, um instituto de pesquisa que estuda o terrorismo.

Em edições posteriores, a história foi reescrita assim:

Relatos iniciais destacavam a possibilidade de militantes islâmicos, em particular a Ansar Al-Jihad Al-Alami, ou os Auxiliares da Jihad Global, citada por alguns analistas como tendo reclamado responsabilidade pelos ataques. Autoridades estadunidenses disseram que o grupo era previamente desconhecido e talvez nem sequer exista.

A fonte é Will McCants, professor temporário na Universidade John Hopkins. Em sua página web, ele se descreve como ex- "Conselheiro Sênior no Combate ao Extremismo Violento no Departamento de Estado dos EUA, diretor do programa da Iniciativa Minerva no Departamento de Defesa e residente no Centro de Combate ao Terrorismo de West Point”. Ontem pela manhã, ele postou “suposta reivindicação pelos ataques de Oslo”, em seu blog Jihadica:

Isso foi postado por Abu Sulayman Al-Nasir no fórum da Jihad árabe, Shmukh, por volta de 10:30, horário da Costa Leste.(assunto 118187). Shmukh é o principal fórum dos jihadistas de língua árabe que apoiam a Al-qaeda. Posto que o assunto agora está inacessível (trancado ou retirado), eu vou postá-lo aqui. Não tenho tempo no momento de traduzir tudo, mas traduzi os pedaços mais importantes no Twitter.

A página web Shmukh nãoé acessível para qualquer pessoa, portanto ele é a fonte primária. McCants afirmou desde o começo que a reivindicação havia sido removida ou escondida, e no Twitter ele até mesmo lançou dúvidas sobre se havia sido mesmo sido uma reivindicação de responsabilidade.

@will_mccants: não é necessariamente uma reivindicação de responsabilidade. Pode ser algum usuário do fórum arrotando bobagens. Membros do fórum também confusos sobre quem é o cara.

@will_mccants: para os que perguntam: a “reivindincação” dos Auxiliares da Jihad Global foi postada no Shmukh, o fórum jihadista mais de elite (está em árabe)

@will_mccants: resposta a @leialya é um fórum protegido por senha. Você não poderá acessá-lo sem a senha. Www.shamikh1.info
  
Depois, McCants relatou que a reivindicação de responsabilidade havia sido retirada pelo autor “Abu Sulayman Al-Nasir”. Ainda por cima, de acordo com Mccants, o moderador desse fórum declarara que seriam proibidas as especulações sobre o ataque, porque os conteúdos do fórum estavam aparecendo na mídia tradicional. Parece bastante estranho que “ jihadistas” genuínos fossem postar num fórum fechado que um ex-oficial dos EUA e “especialista em contra-terrorismo” se gaba abertamente de estar infiltrando.

@will_mccants: o administrador do fórum Shmukh avisando membros para não especularem sobre quem está por trás dos ataques de Oslo disse que vai cortar os threads onde haja especulação

@will_mccants: membros do Shmukh especulam que a razão pela qual o administrador está proibindo a especulação é o fato de que a mídia está pegando suas informações direto do fórum

É uma pena que McCants não tenha tido o cuidado e a cautela que ele diz que o moderador do fórum teve.

Tudo isso veio somente de Will McCants. Em seu post original, ele nomeou a fonte e identificou a organização (em árabe), mas não forneceu qualquer contexto. Ele sabia quem era o autor Abu Sulayman Al-Nasir? Ele já tinha ouvido falar desse grupo Ansar Al-Jihad Al-Alami? Estas são as respostas que um “especialista em terrorismo” deveria dar conta de fornecer.

Como a mídia amplificou uma falsa reivindicação

A mídia também foi um fracasso. Ela noticiou as reivindicações disseminadas por McCants porque sua posição e suposta especialização conferiam credibilidade. O New York Times teria exigido múltiplas fontes e confirmação da existência da postagem e de seus conteúdos se ela não tivesse vindo de alguém com as credenciais supostamente sólidas de McCants?

Durante horas depois que McCants publicara a atualização de que a reivindicação havia sido retirada, a BCC, o New York Times, o Guardian e o Washington Post ainda promoviam informação cuja única fonte original era o próprio McCants. A notícia foi levada ao redor do mundo e se tornou a principal história em grande parte da cobertura inicial.

Os requisitos para um especialista em terrorismo devem mesmo ser bem baixos. Toda a correria para disseminar uma reivindicação falsa, não verificável e de fonte precária me parece um caso de um garotão de elite querendo ser o primeiro a dar o furo de alguma especulação sobre uma nova maquininha.

Na verdade, boa parte da discussão na internet ontem girou em torno da noção de especialização em terrorismo, o que isso significa e quem a possui.

Coincidentemente, Andrew Exum, do Centro para uma Nova Segurança Americana, postou os seus top 5 especialistas em terrorismo, e McCants estava lá em cima: 

@abumuqawama: Ok, você pediu e aqui está. Minha lista dos cinco especialistas em terrorismo em quem você pode confiar: http://bit.ly/r1zK9u @bungdan. 

Especulações ferem pessoas reais

Uma ausência crucial no conceito de “especialista em terrorismo” é a percepção do funcionamento desse conhecimento num ambiente político e midiático sensacionalista e irresponsável, no qual a islamofobia é a norma. Até mesmo o presidente cristão dos Estados Unidos é rotineiramente objeto da suspeita de ser muçulmano, como se isso fosse crime, e acusado de simpatia por “terroristas”e “radicais” islamistas.

Ter disseminado informação falsa e não verificável deveria ser uma mancha na credibilidade de McCants, mas o mais provável é que seu fracasso cause danos a outras comunidades, em outros lugares, antes que ela prejudique sua carreira.

@runehak Há tuítes narrando hostilidades contra muçulmanos em Oslo -- detenha isso se você o vir acontecendo. 

@arnfinnhs está impressionado com o apoio à Noruega vindo de muçulmanos em todo o mundo, apesar de que a imprensa argumentou, ao princípio, que era um ato de terrorismo islâmico. Obrigado. 

Enquanto se revelava a escala da catástrofe que atingiu a Noruega, também ficamos sabendo que Anders Behring Breivik, o único suspeito preso pelo ataque, tinha uma história de disseminar ideias xenofóbicas e anti-muçulmanas na internet, e citava elogiosamente ninguém menos que Daniel Pipes, um notório islamófobo, nomeado por Bush para o Instituto da Paz do EUA e auto-intitulado “especialista em terrorismo”. 

Comentários