Em favor da ciência?


Parece que o clima se acalma pelos lados do grupo de neurociências da UFRN.  Após insinuar que estava pronto para uma batalha, Sidarta Ribeiro agora diz que tem interesse em uma parceria com o IINN-ELS, dirigido por Miguel Nicolelis.  A reitora Ângela Paiva diz que novos termos para que a parceria necessária seja renovada serão apresentados até o fim do mês.
Sidarta continua tentando junto à Finep que os equipamentos do IINN sejam transferidos para a UFRN - aqueles que a Finep diz custarem R$ 3 mi e ser impossível ser transferidos.  Equipamentos que notícias de duas semanas deram conta que Sidarta já tinha transferido à UFRN.  Na verdade, foram devolvidos à UFRN equipamentos no valor de R$ 232 mil que, segundo Nicolelis, não eram utilizados no IINN, que tem similares mais sofisticados.




Da Tribuna do Norte:

O ambiente é novo. Uma área de 860 metros quadrados, com salas amplas, vários equipamentos ainda empacotados e, alguns, já em funcionamento. O cheiro de mudança - não apenas física, mas de concepção -, ainda está por toda a parte. Quase duas semanas depois da polêmica cisão entre os pesquisados Sidarta Ribeiro e Miguel Nicolelis, o ritmo da pesquisa científica não mudou para os cientistas do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O prédio onde agora estão instalados e vão desenvolver suas pesquisas é novo, mas as pesquisas já existem há, pelo menos, dois anos, no ambiente da UFRN. A maioria, desenvolvida na parceria público-privada com o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN) e outras, em parceria, com Hospital Universitário Onofre Lopes. A diferença, agora, é que esses cientistas - a maioria jovens entre 31 e 45 anos - estão andando com suas próprias pernas.


No momento, explica o diretor do Instituto do Cérebro, Sidarta Ribeiro, o grupo de pesquisadores só tem um objetivo: preservar o projeto e prosperar. Instalado na avenida Nascimento de Castro, o Instituto está focado em três grandes linhas de pesquisa - neurobiologia celular e molecular; neurobiologia de sistemas e cognição; e neurofisiologia computacional, neuroengenharia e neuroproteção. Nessas áreas, são desenvolvidos, pelo menos, dez grandes projetos de pesquisa.

Um guarda-chuva para uma infinidade de projetos menores dos 40 alunos de pós-graduação - 20 deles do doutorado e outros 20 de mestrado, e cinco alunos de pós-doutorado. Uma das pesquisas em andamento - o estudo de células tronco neurais - é coordenada pelo médico e cientista Marcos Romualdo Costa, natural de Petrópolis (Rio de Janeiro). Aos 31 anos, é doutor em fisiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-doutor em neurobiologia.

Depois de três anos, na Universidade de Monique, na Alemanha, resolveu voltar ao Brasil. Foi um dos pesquisadores que ingressou na UFRN pelo programa de repatriação de cientistas brasileiros, aberto em 2009. Para os padrões da ciência, é muito jovem. Herdeiro de uma geração consolidada de cientistas e está ciente de que precisa manter e honrar essa herança.

"Tenho certeza que estamos gerando um centro de Neurociência com pesquisa de alta qualidade e de alto impacto", disse Marcos Romualdo. Ele orienta seis alunos de doutorado, um deles da Tunísia, e é vice-coordenador da Pós-Graduação. Na pesquisa, explica Marcos Costa, são utilizadas várias fontes de células-tronco, em especial, as células-tronco adultas induzidas - ou seja - aquelas que são estimuladas a se comportarem como células-tronco embrionárias.

O trabalho tem duas fases. A primeira, é a cultura de células in vitro, estimulando a geração de novas células-tronco neurais. Os efeitos dessa manipulação gênica são avaliados com uso de várias técnicas, desde a eletrofisiologia à análise comportamental e microscópica, com destaque para a vídeo microscopia de lapso de tempo, que permite o estudo dos diversos fenômenos celulares, em tempo real.

Nos experimentos atuais, explica Marcos Costa, o desafio é aumentar a sobrevivência dessas células e obter o máximo de diferenciação celular. A segunda e mais completa fase é o transplante de células-tronco neurais. O objetivo é, no futuro, usar essas células em pessoas portadores de doenças degenerativas e vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), para recuperar a função perdida.

Inicialmente, os transplantes serão feitos em animais, com AVC provocado, para observar de que forma essas células podem atuar, tanto no cérebro e córtex cerebral, após lesões isquêmicas ou traumáticas. "É uma pesquisa que leva tempo porque lida com a terapia celular. É preciso medidas de controle e cuidados especias, antes que venha a se fazer implante em humanos", explica o neurocientista. A expectativa é de que os transplantes em humanos venham a ser realidade em 20 anos.


Universidade atrai pesquisadores
A UFRN saiu de 236 professores doutores, em 1995, para 1.300, agora em 2011. Ao todo, a UFRN tem 1.500 docentes. Um total de 144 são pesquisadores de altíssima produtividade. São professores que possuem bolsas de pesquisa do CNPq e desenvolvem linhas constantes de pesquisas. "Estamos consolidamos uma massa crítica muito importante", afirmou o vice-coordenador da Pós-Graduação, Marcos Romualdo.

Draúlio Araújo, atuava no campus da USP em Ribeirão Preto, até 2009. O físico se transferiu para a UFRN na leva dos que ingressaram para formar a Pós-graduação em Neurociências, e terminou estreitando a colaboração com a universidade paulista. Ele trouxe para Natal a pesquisa que começou a desenvolver na USP. O cientista quer compreender certos processos neurais, a partir da modulação de drogas diferentes, desde antidepressivos ao chá do Santo Daime.

Desenvolvida em parceria com Sidarta Ribeiro, a pesquisa já foi aceita para publicação na revista científica "Human Brain Mapping". O estudo indica que, no cérebro, a bebida provoca efeitos tão reais quanto os de uma imagem externa natural. Os pesquisadores da UFRN observaram o resultado disso tudo, analisando a atividade cerebral de dez pessoas que usam a bebida, com frequencia.

O título do artigo diz tudo: "Seeing with the eyes shut" (vendo com os olhos fechados). Um dos resultados da pesquisa foi a constatação de que, quando a droga é consumida, ocorre mudanças da rede de interações entre as várias partes do cérebro. Isso explica sua ação alteradora de consciência.

Um segundo trabalho científico, comandando pelo físico tenta entender certos fatores de risco do Acidente Vascular Cerebral, principal causa de morte no país, e propor novas estratégias e terapias de reabilitação para reabilitar pessoas com perda de movimentos, perda cognitiva e da fala, decorrentes de AVC. "Estamos tentando entender como atua, fisiologicamente, a reabilitação no cérebro".

O projeto de pesquisa intitulado (Pordiavc) é desenvolvido no laboratório ICérebro, montando no Hospital Universitário Onofre Lopes. Propõe novas terapias, conjuntamente com os departamentos de Física, Artes, Psicologia e Ciências da Computação. Este último, por exemplo, desenvolveu um jogo "Alice no país das Mãos" que funciona como estratégia de reabilitação. O programa atende 30 pacientes por sessão, que acontecem três vezes por semana.

"Esse é um trabalho gratuito de terapia fisioterápica, que ajuda a aprofundar as pesquisas e trazer à luz da ciência novos entendimentos e conhecimentos", afirmou Draúlio Araújo. Além do HUOL, o projeto tem apoio da Universidade de São Paulo (Campus de Ribeirão Preto) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele ressaltou que o grupo tem tido a felicidade de publicar artigos científicos nas principais científicas do mundo, como Stroke, Neuroimage e Cerebrovascular Diseases.

"Nós temos interesse em manter uma parceria"

O entendimento do grupo de cientistas que acompanhou o neurocientista Sidarta Ribeiro é de que a parceria público-privada com a Aasdap é viável se os papéis estiverem bem claros. "Dá a César o que é de César. Nós temos interesse em manter uma parceria. No nosso entendimento essa parceria pode funcionar muito bem se aquilo que for público tiver gestão pública, e o que é privado ter gestão privada".

Dessa forma, "podemos interagir cientificamente, com colaborações", afirmou Sidarta Ribeiro à reportagem da TRIBUNA DO NORTE, na noite da última terça-feira, antes de sua viagem à Brasília, onde iria tratar de novos financiamentos e do encaminhamento acerca de seu pedido ao Finep para transferência dos equipamentos comprados com recursos públicos, do Instituto Internacional de Neurociências para o Instituto do Cérebro.

Ele afirmou, contudo, que toda essa discussão deve ser feita pela reitora Ângela Paiva e o minsitro da Ciência e Tecnologia, Aloísio Mercadante. "A pós-graduação está conosco. Representamos o braço público nessa parceria". A parceria público-privada com a Aasdap só foi possível, afirmou, pelo apoio do poder público. "O concurso para professores e técnicos foi criado pelo MEC, para dotar o Instituto Safra de um corpo docente e técnico".

No entanto, isso, só podia ser feito através da universidade, então automaticamente se criou uma estrutura na universidade. Ele disse que é fundamental que a estrutura, não apenas do Instituto do Cérebro, mas do campus do Cérebro, em cosntrução em Macaíba, em terreno doado pela UFRN (projeto de R$ 2 bilhões) tenha franco acesso dos pesquisadores, alunos, pós-graduandos, dos visitantes. "No que for público, vamos lutar por amplo e franco acesso aos equipamentos e espaços, e liberdade para que os pesquisadores realizem pesquisas e atividades de extensão. Entendo que ensino, pesquisa e extensão tem que estar contemplados plenamente naquilo que tiver gestão pública. No que tiver gestão privada, são outros pressupostos". Sidarta veio para Natal em 2005, e a partir de 2006 se tornou diretor científico do IINN-ILS. Em 2008, entrou para o quadro da UFRN.

Bolsas de pesquisa mais que dobraram

Geissy Araújo, 22 anos, natural de João Câmara, região do Mato Grande do Rio Grande do Norte, cursa 4º ano de Fisioterapia na UFRN. Há 2 anos, está na iniciação científica no Instituto do Cérebro. Com ela, são 14 alunos nesse aprendizado. "Tem sido muito importante conhecer as metodologias e ter noção das técnicas de pesquisa, tanto na ciência básica, quanto na pesquisa clínica com humanos", afirmou.

Empolgada com as perspectivas de futuro, ela já tomou sua decisão: terá uma carreira científica. E as possibilidades são muitas. "Aqui oferece tudo, até pós-doutorado, e também tem as colaborações que aprofundam o conhecimento". Segundo o vice-coordenador da Pós-Graduação, Marcos Costa, convênios com agências internacionais de intercâmbio, como a BMBF e Dadd, da Alemanha, permitem que alunos da UFRN possam passar temporadas nesse país, com bolsas do CNPq ou Capes.

"É importante que eles conheçam a pesquisa nesses países, onde os institutos de pesquisa já são consolidados, com técnicas estabelecidas. É uma experiência que só vai diversificar e enriquecer a maneira de fazer ciência", diz o cientista. A visão de futuro, acrescentou, será muito melhor. Além disso, quanto mais doutores a UFRN forma, maior será as bases de pesquisa.

Outro indicador importante que mostra o apoio do governo federal é o aumento do número de bolsas, que fazem parte da raiz institucional da pesquisa de iniciação científica e iniciação tecnológica". Em 2000, o número de bolsas chegavam a 507. Hoje, são 1.285. "São recursos que vem do MEC e MCT. Esses programas são fundamentais para o crescimento da atividade de pesquisa da universidade".

Na UFRN, grupo de trabalho estuda parceria

A reitoria da UFRN formou um grupo de trabalho, que reúne os pró-reitores, entre eles, o de Pesquisa, Extensão e Administração, e professores da área de neurociências, para produzir um novo termo de cooperação para a parceria público-privada com a Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (Aasdap). Isso é necessário porque o espaço do Campus do Cérebro terá o Instituto do Cérebro, braço público da UFRN, e o Instituto Internacional de Neurociências, que é privado.

A informação é da reitora da UFRN, Angela Paiva, em entrevista a TRIBUNA DO NORTE. "Os equipamentos terão de ser compartilhados. Então, é preciso ter regras claras para essa convivência. Estamos produzindo esse termo, que será apresentado à Aasdap no final do mês, conforme foi dito ao Miguel Nicolelis". Nos últimos anos, não apenas a área de neurociência, mas a pesquisa científica em todos os campos de conhecimento deu um salto quantitativo e qualitativo na UFRN. Dados apresentados pelo pró-reitor de Pesquisa, Valter José Fernandes Júnior, atestam o avanço dos indicadores. "Na última década, a pesquisa teve um crescimento espetacular em seus vários indicadores", afirmou.

Em dez anos, de 2000 a 2010, houve uma aceleração enorme. Cresceu não apenas a quantidade de grupos de pesquisa, como de projetos em andamento. Em 2000, a UFRN possuía 102 grupos de pesquisa, que desenvolviam 475 projetos. Hoje, são 237 grupos de pesquisa e 1.912 projetos.

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