Juíza assassinada dispensou escolta, diz TJ-RJ e AMB; família nega


A juíza criminal Patrícia Acioli, 47, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, assassinada com ao menos 21 tiros na noite dessa quinta-feira (11), em Niterói (RJ), dispensou há mais de três anos uma escolta policial que cuidava de sua segurança. A informação é do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).  A família da juíza diz que a escolta foi negada.
Patrícia era um dos 12 nomes de uma “lista negra” marcada para morrer, encontrada com um suspeito de tráfico de drogas detido no Espírito Santo. A magistrada era conhecida pelo combate ao narcotráfico e também pela condenação de policiais criminosos.Segundo os órgãos, a magistrada teria dispensando a escolta por escolha própria. Já a família da vítima tem outra versão: ela teria relatado ao TJ que recebia ameaças e teria tentado, sem sucesso, retomar uma equipe para fazer sua segurança.
Segundo o presidente da AMB, Henrique Nelson Calandra, o pedido de dispensa da escolta aconteceu depois que a magistrada passou a ter um relacionamento com um dos policiais militares que participava do grupo que fazia sua segurança.
O companheiro da juíza foi interrogado hoje, após o crime, por cerca de seis horas na Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil na Barra da Tijuca, na zona oeste da cidade, mas saiu sem falar com a imprensa. A polícia ainda não divulgou o conteúdo do depoimento.
O Tribunal de Justiça do Rio confirma que a escolta foi dispensada, mas não se manifesta sobre o motivo do pedido de dispensa.
Segundo Calandra, magistrados submetidos à proteção por meio de escolta também acabam solicitando a dispensa sob alegação do estresse gerado pela medida.
“A Patrícia --minha colega e amiga-- vivia escoltada, mas acabou dispensando a escolta depois que casou com o escoltador. Mas a autoridade que determina essa medida é que tem de ver se deve ou não dispensar”, afirmou.
De acordo com o presidente da AMB, porém, o mais comum é que haja “um esgotamento, um estresse muito forte” do magistrado submetido a escolta, a ponto de se requerer a dispensa.
“O juiz [Antonio José] Machado Dias, por exemplo, também era escoltado e pediu dispensa dessa proteção devido ao estresse de ter o tempo todo quatro, cinco homens da polícia monitorando os passos dele --e morreu dias depois."

Local do assassinato

Machado Dias era juiz da Vara das Execuções Criminais e corregedor do presídio de Presidente Prudente (interior de São Paulo). Também juiz de casos ligados ao crime organizado, ele foi morto em uma emboscada em março de 2003 quando deixava o fórum onde trabalhava. Os autor dos disparos, ligado ao PCC (Primeiro Comando da Capital), foi condenado em fevereiro de 2007 a 19 anos de prisão.
“Mas é fato: o caso dela [Patrícia] foi possivelmente uma fatalidade, mas deve haver mais intensidade nessas escoltas --não podemos deixar isso a critério do escoltado”, concluiu Calandra.

Família tem outra versão

O primo da magistrada Humberto Nascimento disse ao UOL Notíciasque há pelo menos dois anos Patrícia pedia ao TJ-RJ, sem sucesso, o retorno da escolta oficial do Estado. Segundo Nascimento, a juíza de fato se relacionava com um policial militar que cuidava de sua proteção.
“Há vários anos, quando ela enfrentava a máfia das vans, ela teve a escolta --mas como o caso deu uma esfriada, ela e o então presidente do tribunal, por consenso, definiram que era melhor terminar. Mas sei de relatos dela, pela minha tia, que tentava há dois anos voltar com essa escolta porque sabia que as penas que dava eram muito duras, eram penas máximas”, disse.
Durante o velório, o ex-marido da juíza confirmou que ela era ameaçada. “Ela recebia ameaças e informava ao TJ. Não posso falar da atuação do tribunal, mas ela tinha seis seguranças que foram reduzidos para quatro, depois para três, até nenhum”, disse o ex-marido.

TJ-RJ se manifesta

O TJ-RJ informou que, por uma resolução interna em vigência desde 1998, o juiz que sentir ameaçado deve, ele próprio, requisitar a proteção ao tribunal. Conforme a assessoria da instituição, Patrícia teve três policiais a escoltando entre 2002 e 2007, após determinação da diretoria de segurança do tribunal.
Em 2007, informou a assessoria, foi apresentada proposta de redução para apenas um policial, momento em que Patrícia teria aberto mão da guarda. Desde então, segundo o TJ, a magistrada não mais solicitou a medida.

O assassinato

Ao volante de um Fiat Idea prata, a magistrada foi surpreendida por homens utilizando toucas ninja e ocupando duas motos, segundo informações preliminares da polícia. Foram feitos pelo menos 21 disparos de pistolas calibres 40 e 45 contra a vítima, que morreu no local.
O carro foi periciado na Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil na Barra da Tijuca, na zona oeste da cidade. Apesar de Niterói também contar com uma DH, o caso foi transferido para a capital fluminense a pedido da chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha.
O titular do caso, delegado Felipe Ettore, colheu cerca de dez depoimentos hoje. O corpo dela foi enterrado no cemitério de Niterói.
governador do Rio se manifestou sobre o caso e prometeu apuração rigorosa sobre a real motivação da morte. A pedido do Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal também vai investigar o caso.

Decisões judiciais

A magistrada tinha várias decisões judiciais contra policiais militares em seu currículo. Ela era responsável por julgar casos de homicídio no segundo município mais populoso do Estado do Rio, inclusive os casos de autos de resistência --mortes provocadas pela polícia supostamente em confronto com o suspeito.
Segundo o presidente do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), Manoel Alberto Rebelo dos Santos, ela havia recebido várias ameaças de morte.
Entre algumas decisões de Patrícia, está a prisão de policiais militares de São Gonçalo que sequestravam traficantes e, mesmo depois de matá-los, entravam em contato com familiares e comparsas exigindo dinheiro para soltura.
Em setembro de 2010, a magistrada determinou a prisão de quatro policiais militares de Niterói e São Gonçalo, acusados de integrar um grupo de extermínio na região. Em janeiro deste ano, ela também decretou a prisão de seis policiais acusados de forjar autos de resistência.
Na última terça-feira (9), a juíza condenou o oficial da Polícia Militar Carlos Henrique Figueiredo Pereira a um ano e quatro meses de detenção, em regime aberto, pela morte do jovem Oldemar Pablo Escola Faria, de 17 anos, em setembro de 2008.
O nome da magistrada também estava em uma "lista negra" feita pelo criminoso Wanderson Silva Tavares, o "Gordinho", preso no Espírito Santo em janeiro deste ano e chefe da quadrilha de extermínio que agia em São Gonçalo e teria assassinado pelo menos 15 pessoas em três anos.

"Não tenho medo de ameaça"

Em setembro do ano passado, em entrevista ao jornal "O Globo", a juíza afirmou que não tinha medo de decretar prisões.
"Não tenho medo de ameaça. Quem quer fazer algo vai e faz, não fica ameaçando. Ninguém morre antes da hora. Sei que, no imaginário popular, a juíza é quem faz tudo, mas é a polícia que investiga, são os promotores que fazem a denúncia e é o júri que julga", afirmou na época, tentando explicar a fama de durona que tinha na cidade.
*Com reportagem de Rodrigo Teixeira e Julio Reis, do Rio de Janeiro, e informações das agências Estado e Brasil

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