Líbia: A primeira revolta da Al Jazeera?

Por David D. Kirkpatrick e Rod Nordland
No The New York Times, no Vi o Mundo

Guerreiros da cidade montanhosa de Zintan, no Oeste da Líbia, controlam o aeroporto. Guerreiros de Misurata guardam o banco central, o porto e o escritório do primeiro-ministro, onde as pichações rebatizaram a praça principal de “Praça Misurata”. Os berberes da cidade montanhosa de Yafran controlam a praça central da cidade, onde picharam “Revolucionários de Yafran”.
Uma semana depois de os rebeldes ocuparem o território antes controlado pelo coronel Muammar el-Qaddafi, boa parte dele permenece dividido em feudos, cada um controlado por brigadas semi-independentes de diferentes regiões geográficas do país. E a tinta spray que elas usam para marcar o território conta a história de uma possível futura crise de liderança na capital, Trípoli.

As principais autoridades civis do Conselho Nacional de Transição dos rebeldes líbios — que agora se definem como governo provisório a ser baseado na capital — ainda não chegaram, alegando preocupação com a segurança pessoal, ainda que tenham declarado oficialmente que a cidade está completamente segura.
Existem crescentes sinais de rivalidade entre as várias brigadas sobre quem merece o crédito por liberar a capital, com a influência que podem derivar disso. Tentativas de nomear um líder militar para unir os bandos de guerreiros acabaram expondo divisões na liderança rebelde, por origem regional mas também entre secularistas e islâmicos.
São todos sinais, segundo um influente membro do conselho, de que existe um “vácuo de poder” na liderança civil da capital líbia. Mas a disputa também ilustra os desafios que um novo governo provisório vai enfrentar quando tentar unificar o fracionado campo político da Líbia.
O país era pouco mais que uma federação de regiões e tribos antes do coronel Qaddafi chegar ao poder. A dependência dele do favorecimento e da repressão para manter controle fez pouco para atenuar as divisões regionais, étnicas e ideológicas. Nem os rebeldes que derrubaram o coronel Qaddafi conseguiram se organizar em uma força unificada. Os rebeldes das montanhas do Oeste, os da cidade costeira de Misurata e os da cidade de Benghazi lutaram de forma independente, muitas vezes demonstrando condescendência uns em relação aos outros.
E embora a transição até agora tenha sido surpreendentemente ordeira — quase sem saques e com pouca violência — Trípoli se tornou um teste para a capacidade da revolução de construir pontes porque, em contraste com outras cidades líbias liberadas pelos seus próprios residentes, o coronel Qaddafi foi expulso de Trípoli pelas brigadas de outras regiões — e a maioria permanece nas ruas.
Os primeiros passos em busca de unificar as brigadas sob um comando único deixaram claras as divisões latentes entre os líderes rebeldes. Algumas se tornaram aparentes quando um guerreiro chamado Abdel Hakim al-Hasadi, conhecido como AbdelHakim Belhaj, foi nomeado comandante do recém-formado Conselho Militar de Trípoli.
Vários liberais da liderança do conselho rebelde reclamaram privadamente que o sr. Hasadi tinha sido líder do extinto Grupo de Luta Islâmico Líbio, que se rebelou contra Qaddafi nos anos 90.
Alguns disseram que temiam que o primeiro passo dele seria tentar um golpe religioso. Notaram que o sr. Hasadi foi nomeado comandante por cinco batalhões da assim chamada Brigada de Trípoli, não por uma autoridade civil. E reclamaram da suposta influência do [emirado do] Qatar, que ajudou a treinar e equipar a Brigada de Trípoli e que também financia a Al Jazeera.
“O cara é uma criação dos qataris e do dinheiro deles. Estão patrocinando um elemento do extremismo islâmico aqui”, disse outro membro do conselho, da região ocidental. “Os guerreiros revolucionários estão extremamente surpresos e descontentes. Ele não é comandante de nada!”.
Junto com as preocupações ideológicas, no entanto, também existe uma igual medida de rivalidade provinciana sobre quem fez mais para liberar Trípoli. O sr. Hasadi não é apenas islâmico, o membro do conselho que se opõe a ele argumentou, mas fez muitos menos que os guerreiros ocidentais na luta pela capital.
“As pessoas do ocidente estão dizendo, umas para as outras, ‘O que, este cara? É lixo. E os nossos comandantes?’”, ele disse.
O sr. Hasadi não foi encontrado para dar entrevista, em parte porque estava participando de reuniões em Doha, no Qatar. Mustafa Abdel Jalil, presidente do Conselho Nacional de Transição, disse que decidiu levar o sr. Hasadi a um encontro com os aliados da OTAN em Doha para demonstrar que, apesar de seu passado, ele não representa “perigo para a paz e a estabilidade internacionais”.
Sinais de outra divisão apareceram esta semana depois de notícias de que o primeiro-ministro do conselho, Mahmoud Jibril — que, como o sr. Jalil, não está em Trípoli — estava nomeando um ex-general do Exército líbio,  Albarrani Shkal, como chefe de segurança da capital.
Os guerreiros de Misurata, considerados a força mais formidável dos rebeldes, se negaram a aceitar a nomeação, argumentando que ele era cúmplice da violenta repressão do coronel Qaddafi. Em Misurata, cerca de 500 manifestantes foram protestar na praça central gritando que a nomeação trairia “o sangue dos mártires”, segundo um correspondente do [jornal britânico] Guardian escreveu, notando que o conselho local registrou um protesto formal com a liderança nacional.
Na terça-feira à noite o sr. Jabril tinha voltado atrás em sua decisão, disse Alamin Belhaj, um membro do conselho de transição que é de Trípoli.
Os dois conflitos sobre a seleção de líderes militares fazem relembrar o escândalo iniciado com o assassinato do principal comandante militar de Benghazi, general Abdul Fattah Younes. O assassinato, ainda não esclarecido, levou a acusações de alguns líderes rebeldes de que ele teria sido morto por uma brigada de islâmicos, que buscavam vingança pelo papel que o general teve como alto assessor do coronel Qaddafi. Ninguém foi acusado formalmente pelo assassinato.
Os islamistas líbios dizem que querem apenas a oportunidade de competir abertamente em uma democracia e argumentam que estão melhor qualificados que os liberais para desarmar os rebeldes nas ruas.
“Eles acreditam mais em nós”, disse o sr. Belhaj, membro do conselho e líder da Irmandade Muçulmana aqui, argumentando que muitos líbios temem que a revolução seja “roubada” pelos líderes liberais, ricos e ocidentalizados do conselho.
Todos concordam, no entanto, que a conquista de Trípoli tornou a cidade central para as rivalidades regionais. Embora o início da luta tenha sido no Leste da cidade, o assalto final foi liderado por grupos do Oeste e encerrado com os guerreiros experientes de Misurata.
Agora os membros de todas as brigadas presentes em Trípoli dizem que seus grupos tiveram o papel mais heróico na conquista, ou na tomada do quartel-general de Qaddafi ou na ocupação da praça central.
“Temos gravado em vídeo”, insiste Mahdi al-Harati, o vice-líder do Conselho Militar de Trípoli, defendendo que sua brigada foi a primeira a chegar à praça central.
Mais que orgulho pode estar em jogo, diz Anwar Fekini, um advogado franco-líbio com ligações ancestrais nas montanhas, que é membro do conselho de líderes nacionais. “As pessoas do Ocidente dizem, ‘pagamos um preço alto e queremos o controle’ e os de Misurata dizem o mesmo”, ele afirmou, acrescentando que os líbios deveriam selecionar seus líderes com base na competência, independentemente da região de origem.
O sr. Belhaj tem outra ideia. Ele disse ter pedido a outros integrantes dos conselhos locais que retirassem suas brigadas da capital, deixando a capital para os tripolitanos.

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