11 de setembro: Uma abertura precária a um futuro novo

Richard Shaull era um pastor presbiteriano norte-americano, missionário no Brasil e em outras partes da América Latina nos anos 50 e 60.  Contribuiu na elaboração da chamada Teologia da Revolução, precursora da Teologia da Libertação.  Foi professor do Seminário Presbiteriano de Campinas.  Após um descanso sabático nos Estados Unidos, já durante o Regime Militar no Brasil, foi convidado a não retornar.  Suas ideias provocavam muita inquietação entre os protestantes brasileiros e muitos de seus alunos foram perseguidos e expulsos das igrejas no Brasil.  
Em 2001, após os atentados do 11 de setembro, Shaull publicou o texto abaixo.  Morreu, aos 83 anos, em outubro de 2002.

Enquanto buscamos qualquer significado perante os inimagináveis e devastadores atos de 11 de setembro, muitos estão se voltando para a religião querendo consolação e também procurando uma resposta à questão: onde se encontra Deus em tudo isto? Nesta situação, nós, que somos cristãos, confrontamo-nos com um tremendo desafio.No centro de nossa fé está a convicção de que o Deus que criou este mundo deu aos seres humanos uma liberdade extraordinária para criarem condições para uma vida abundante para todos ou para explorar esta liberdade na destruição da vida humana e da sociedade. Deus nos deu esta escolha. Ele não viola esta liberdade nem a tira de nós, mesmo que seja explorada por gente desesperada.

Nossa herança de fé declara também que Deus está presente neste mundo de forma ativa. Deus está presente como aquele que ouve os clamores dos povos pobres e abandonados da terra. Deus os acompanha em sofrimento, convoca-nos a que os acompanhemos e oferece vida, a nós e a eles, enquanto respondemos ao seu choro.

Se nós confiamos na presença deste Deus, nossa percepção acerca da situação em que nós nos encontramos, pode mudar gradualmente. Nós repudiamos a destruição de vidas inocentes e nos solidarizamos com nossa nação em sua determinação de encontrar os perpetradores desta destruição e de que sejam julgados. Mas podemos também nos descobrir indo para mais além disto em nossa compreensão tanto do que aconteceu como de nossa resposta a isto.

Não podemos deixar de nos perguntar: Como poderia isto nos ter acontecido? Ou como Claude Lewis, colunista do The Philadelphia Inquirer o fez: “Que agravo teria sido tão sério que haja levado homens em terras estrangeiras a planejar o seu próprio suicídio com dois ou três anos de antecipação – apenas para assassinar americanos?”

Depois de passar a maior parte de minha vida adulta vivendo e trabalhando em países do “Terceiro Mundo” penso que não precisamos procurar muito longe para descobrir uma resposta.

Nós, na América do Norte, temos nos contentado em desenvolver em nosso benefício e até os seus limites um sistema econômico que produz riqueza para nós – que somos uma mui pequena proporção dos povos criados por Deus – e que desenvolve as mais avançadas tecnologias para nos enriquecer ainda mais a nós mesmos e aumentar o nosso poder. Temos feito muito para pouco transformar esta ordem e servir às mais urgentes necessidades de centenas de milhões de povos pobres e excluídos.

Temos nos permitido apoiar uma política externa que pouco tem feito para contrapor a agressão dos poderosos contra suas vítimas. Muito freqüentemente usamos também nosso poderio militar e econômico para sustentar aqueles que exploram o seu povo e solapam os esforços dos que lutam em prol da justiça.

Precisamos reconhecer que nossos tremendos desenvolvimentos tecnológicos nos trouxeram a um ponto tal em que uns poucos homens, prontos a morrer por sua causa, podem fazer com que nossa mais recente tecnologia se volte contra si mesma. O potencial que esta possui para a destruição é quase ilimitado. Como uma nação e como um povo, somos agora vulneráveis. Todo o nosso poderio militar e nosso poder econômico não podem mudar isto.

Podemos responder dedicando ainda mais de nossas energias e de nossa riqueza àquelas coisas que nos falharam e que continuarão a fazê-lo. Podemos, perante nossa vulnerabilidade e insegurança, dar lugar ao desespero sem qualquer esperança para o futuro. Ou, podemos ousar crer que nisto, e por meio disto tudo, Deus está presente, oferecendo-nos a possibilidade de criar um novo futuro.

Tomar parte nisso exige uma conversão radical.

Uma decisão de dedicar nossas energias – com uma paixão comparável à dos bombardeadores suicidas – à descoberta de como usar nossa riqueza material, nossa inteligência e nossos avanços tecnológicos para responder ao desesperado sofrimento dos povos dominados e abandonados. Caso contrário, podemos estar certos de que o crescente número dos que não vêem esperança de mudança atacarão enraivecidos, nova e freqüentemente, os que têm a riqueza e o poder.

O reconhecimento de que não mais podemos tomar em nossas mãos a responsabilidade de impor ordem ao mundo, usando nosso poderio militar e poder político para monitorar e dominar o mundo. Não podemos mais marcar passo perante os amargos conflitos entre os povos, geradores da violência e do desespero, especialmente aqueles que ajudamos a criar. Podemos discernir que somente a constante colaboração e interação com outras nações e povos podem levar o mundo à segurança e à paz.

Esta pode parecer uma tarefa esmagadora. Em atitude de fé nós a empreendemos sem exigir uma garantia de que seremos bem sucedidos. Mas ela é – estou convencido – o caminho para uma vida significativa para nos e uma fonte de esperança para outros. E ela oferece a possibilidade de desafiar uma nova geração com uma visão que oriente suas vidas. Assim fui grandemente encorajado ao ouvir estas palavras de uma voz jovem, John Silson, um graduando do Haverford College: “Este pode ser um evento central na história. Talvez ele incite uma cultura de terror. Mas talvez seja um catalisador para espalhar a paz e a justiça”.

Quem quer que sejamos, podemos agora aproveitar a oportunidade para convocar umas poucas outras pessoas para juntos discutirmos modos pelos quais nossas perspectivas, nosso estilo de vida e nossas lutas políticas possam ajudar nossa nação ao longo do caminho para uma nova vida.

Se nossa nação voltar suas costas a esta oportunidade dada por Deus, colocar sua confiança somente em respostas militares e contribuir, direta ou indiretamente, para a morte de um crescente número de crianças, mulheres e homens inocentes, então este testemunho de pequenas comunidades de fé será igualmente importante. Pois nossa recusa em aproveitar esta oportunidade tornará quase inevitável o ressurgimento do terrorismo em uma dimensão que agora nem podemos imaginar. Ele poderia soprar sobre as chamas do ressentimento que agora existem contra nosso poder e nossa riqueza e contra o uso que deles fazemos. E nossa nação poderia acabar contribuindo para uma espiral descendente da civilização para uma nova idade da barbárie. Neste contexto, revitalizadas comunidades de fé – orientadas na direção de um futuro diferente e vivendo no poder do Espírito – sustentarão esta visão e manterão viva a esperança.

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