Na Carta Maior

O 11 de setembro de 2001, o
ataque às Torres Gêmeas em Nova York serviu como pretexto para que o
governo de George W. Bush fizesse da guerra contra o terrorismo o
instrumento principal para instaurar um novo poder constituinte. No
calor da tragédia, os EUA fixaram uma nova doutrina de segurança
nacional na qual advertiram que não tolerariam desafios ao seu poder,
defendem a ação militar solitária em defesa da unidade nacional,
sustentam o direito de efetuar ataques preventivos em qualquer parte do
mundo e advertem que a dissuasão contra inimigos que “odeiam os EUA e
tudo o que representam” é inútil.
Os dois 11 de setembro são
datas que marcam o início de ofensivas do Império para reforçar seus
interesses e abrir no continente americano e no Oriente Médio um novo
ciclo de dominação e de acumulação de capital. No primeiro caso, o
golpe de Estado serviu para frear o avanço da esquerda e das forças
nacional-populares no Cone Sul, aprofundar a penetração do capital
estadunidense e ampliar a presença militar. No segundo, permitiu à Casa
Branca, com o pretexto do combate ao fundamentalismo religioso, avançar
no controle dos recursos petroleiros no Oriente Médio e fazer da guerra
parte do ciclo de expansão e consolidação da globalização neoliberal.
Seu objetivo foi impor uma nova ordem internacional unilateral;
estabelecer, pela lógica do fato consumado, um governo autoritário da
globalização.
Os dois 11 de setembro
reafirmaram o “excepcionalismo” estadunidense. Em 1787, James Madison,
conhecido como o “pai da Constituição” dos Estados Unidos, assinalou
que o objetivo principal do governo devia ser “proteger a minoria
opulenta da maioria”. Em plena Convenção Constitucional, expressou que
temia que o número cada vez maior de habitantes que sofriam as
desigualdades da sociedade “suspirasse secretamente por uma
distribuição mais equitativa dos bens”. A democracia, sentenciou, devia
ser reduzida.
Nessa época, outro dos “pais
fundadores” desse país, Thomas Jefferson, afirmou: “Estou persuadido
que nunca houve nenhuma constituição tão bem calculada como a nossa
para a expansão imperial e o autogoverno”.
Quase
dois séculos depois, primeiro Richard Nixon e depois George W. Bush se
empenharam em tornar realidade em escala planetária a missão que
Madison atribuía ao governo e que Jefferson atribuía à Constituição de
seu país.
A 38 anos do primeiro 11 de
setembro e dez do segundo, na América Latina os povos resistem.
Derrubaram as ditaduras militares da década dos setenta e meados dos
oitenta e abriram a porta para que candidatos de centro-esquerda
ganhassem as eleições. Antes do triunfo eleitoral, já tinha se
produzido uma vitória cultural. O que o Império quis evitar com o Golpe
de Estado no Chile renasceu por outras vias. As aventuras imperiais de
Washington no Oriente Médio debilitaram o controle sobre a área que era
considerada o quintal dos Estados Unidos.
Os governos progressistas na
América Latina impulsionaram um processo de reconstrução da arquitetura
do poder e da geopolítica na região. Há no continente uma redefinição
profunda das relações e da inserção com os Estados Unidos, que se
expressa tanto no rechaço das políticas da Casa Branca como no
surgimento de um novo tecido institucional para favorecer a integração
regional. A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) foi torpedeada
e, no Equador, não se renovou o contrato para que os EUA utilizassem a
base militar de Manta. Também na contramão de Washington, a
solidariedade com Cuba e as relações diplomáticas ativas com o Irã tem
sido uma constante. O investimento chinês cresceu vertiginosamente. Com
dificuldades, uma proposta pós-neoliberal abre caminho na região.
Ironias da história, dois 11 de setembro depois, o legado de Salvador Allende na região está mais vivo do que nunca.
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