Direito à memória, direito à história

Essa entrevista do Cabo Anselmo me deixou nostálgico.  Assim como eu e meu sobrinho Ângelo planejamos um documentário sobre a vida de Rubens Lemos, meu pai, descubro que meus irmãos estão preparando uma biografia sobre sua vida.
Além de esperar que nenhum de seus filhos e parentes seja excluído, torço também para que aspectos importantes da vida de meu pai não sejam excluídos.
Por exemplo.
Em 2008 publiquei este artigo na revista Estudos em Jornalismo e Mídia, da UFSC.  Ali eu analisei uma série de artigos escritos por meu pai em 1989, inicialmente publicados no jornal Tribuna do Norte e republicados pelo Diário de Natal em 2004, como referência aos 40 anos do Golpe Militar.

Em Natal pouco se fala sobre a militância de meu pai durante a Ditadura.  As pessoas costumam resumir sua ação à posição crítica de um jornalista de esquerda.  Pouco se diz de sua participação no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
Estava relendo meu artigo e vi que apontei uma omissão intransponível no texto de meu pai.  Em 1970 meu pai descobre que está sendo procurado pela polícia política.  Ele diz isso no texto mas nada fala sobre os motivos.
Foi apenas algum tempo depois que, conversando com meu primo Aldemir Lemos, que também militou no PCBR, que eu soube porque meu pai resolveu cair na clandestinidade e, depois, fugir para o Chile.  Um aparelho do PCBR havia sido desbaratado em Recife e nele a lista de aparelhos da organização no Nordeste.  Em Natal, a organização utilizava um imóvel que tinha Rubens Lemos como fiador.  Era inevitável que a repressão chegasse ao seu nome e ele precisou se esconder e fugir.  Ficou uns dias escondido numa casa na praia de Genipabu.  De lá, para o Rio e São Paulo.  Chegou no Uruguai disfarçado de torcedor do Palmeiras.
Depois do Golpe no Chile, meu pai voltou ao Brasil com duas missões, segundo relatou Aldemir.  A primeira era trocar dólares da organização e fazer a fuga de um companheiro.  Este pediu um tempo para realizar uma ação.  Enquanto isso, Rubens Lemos veio a Natal para visitar a família.  O companheiro que deveria ajudar a fugir foi morto.  Rubens foi preso quando tentava trocar os dólares.  Tudo isso, segundo relato de Aldemir.  Em outubro de 1973, preso no DOI-CODI de Recife, testemunha a morte de Mata Machado, líder da Ação Popular.
Rubens Lemos esteve por ser morto na cadeia várias vezes.  Resistiu, inclusive, à indignidade da traição e da delação - tendo sido torturado, inclusive, pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.  Em tempos de Comissão da Verdade, espero que a sua história seja bem contada - sem traições, delações ou omissões.

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