O veto de Chico Buarque

Da Folha de São Paulo






Ia ser bonita a festa, pá. Mas não há acordo entre a voz do dono e o dono da voz, e por ora o destino de um livro de entrevistas com Chico Buarque é a gaveta.
Em maio de 2010, o editor da Azougue, Sérgio Cohn, propôs a Chico e Eric Nepomuceno um volume da coleção Encontros.
A série reúne livros de conversas com artistas e intelectuais. Lá estão o escritor Jorge Luis Borges e parceiros de Chico, como Vinicius de Moraes e Gilberto Gil.
Após a assinatura dos contratos com a Marola, escritório que cuida dos interesses de Chico, Nepomuceno, tijolo por tijolo, fez a pesquisa e mostrou ao amigo. Foi surpreendido pela negativa: Chico não queria mais que o livro saísse. Nepomuceno comunicou a decisão ao editor.
Qual o quê. De posse dos contratos, Cohn prosseguiu o trabalho. Embora não fosse obrigado, pelo acordo firmado, a submeter as provas finais ao entrevistado, enviou o material à Marola em setembro deste ano, pedindo o OK.
Márcia Leitão, secretária de Chico, afirmou que o contrato autorizava a impressão do livro: "Se tem o contrato assinado é tocar para frente". Em outra ocasião, escreveu: "Ele está se preparando para show e está muito ocupado. Libera para a gráfica". 
O editor deu a Nepomuceno a "excelente notícia". O organizador disse achar "estranho" e falou em "mal-entendido". Ao final, foi taxativo: Chico "efetivamente não quer o livro. Portanto, não temos livro. Lamento".
Então veio o que, no entender do editor, é um "veto dissimulado": "Solicito que seja mantida a vontade do Chico e que o livro não seja editado", escreveu Márcia. 
Para seu assessor de imprensa, Chico "não está vetando nada". "Se quiser, ele [Cohn] que publique", afirmou à Folha. Cohn diz que "o que a editora tem em mãos é o veto. Chico que mande explicitamente a autorização".



Assessor diz que Chico achou livro 'deprimente'

Questionado sobre o desacordo entre a editora Azougue e Chico Buarque quanto à publicação de livro com suas entrevistas, o assessor de imprensa de Chico, Mario Canivello, disse que o compositor "não está vetando nada".
"Se Chico não tivesse de fato autorizado a publicação, teria sido apenas quebra de contrato. Querer forçar a barra para parecer veto é, no mínimo, má-fé." Para o assessor de imprensa, ao falar em veto, o editor da Azougue busca apenas publicidade. 
Organizador do livro e amigo de Chico há "mais de quatro décadas", Nepomuceno diz o caso não é de veto, mas de uma "desistência".
"Ou esse livro é feito com a concordância dos dois envolvidos, ou é feito de uma forma que me pareceria truculenta. É um direito do Chico, meu e de qualquer autor desistir de um projeto."
Na opinião de Nepomuceno, "a assessoria de imprensa do Chico tem razão: se o editor quiser fazer valer o contrato, faz valer e pronto. Eu ficaria profundamente incomodado, porque a relação com o Sérgio Cohn [dono da editora] sempre foi cordial". 
Ele diz que, se Chico "desistir da desistência", o livro sairá pela Azougue.
Para Sérgio Cohn, a editora teve sua reputação "sujada": criou expectativa ao anunciar o lançamento e alterou sua programação para focar no projeto. "Agora, ficaremos como mentirosos", escreveu a Márcia Leitão. "Esperava mais respeito."
O editor crê que Chico não quer assumir o ônus do veto.
Mas quais seriam as razões para Chico não querer o livro? 
Mario Canivello disse à Folha que Chico achou o livro "deprimente", "muito ruim", "desnecessário" e que o material já estaria disponível no site de Chico Buarque. 
Segundo ele, o compositor avalia que as entrevistas selecionadas estão "descontextualizadas" e que não faria sentido publicá-las agora, já que foram concedidas "no momento da ditadura".
Das dez entrevistas da edição, cinco são da época do regime militar.

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