Vanguarda de que tipo é #OTeatroMagico?


Costumo dizer que apenas o samba e a bossa nova possibilitaram que a música popular brasileira fosse capaz de fazer versos como “Tá lá um corpo estendido no chão” e ser reconhecida tendo beleza artística. Sei que há um exagero nisso, mas estou certo de que a música dos anos 60 no Brasil foi decisiva para tudo de bom que surgiu no país nas décadas seguintes. A bossa nova, os festivais e o tropicalismo marcaram indelevelmente a MPB.


Coisas novas foram sendo geradas, como que por geração espontânea, no solo deste chão. A novidade apareceu aqui vestida de Chico Buarque – ou com coisas mais chegueis que cobriam os corpos e os versos de Caetano, Gil, Tom Zé, Mutantes. Mudou suas vestes para se parecer com João Bosco e seus parceiros nos anos 70. Disfarçou-se de rock brasileiro nos anos 80. Veio com novas vozes especialmente femininas nos anos 90. Enfim, a lista que prova a capacidade da MPB se renovar é exaustiva – e já faltam vários nomes nessa pequena introdução.Esse início de anos 2000 trouxe uma nova estética musical para renovar a MPB. Se 2011 foi o ano que nos apresentou a Banda Mais Bonita da Cidade e sua oração, ela só foi possível porque a trupe de Fernando Anitelli fez as opções políticas mais radicais lá pelos idos de 2003. Optaram por uma forma alternativa de distribuir e produzir música. Renovam a MPB.

Não renovam exatamente a musicalidade, mas são renovação típica deste novo momento da música brasileira porque são capazes de fazer uma nova mistura antropofágica dos nossos ritmos e culturas. Claro que não são tropicalistas ou tribalistas, mas participar de um show deles ou ouvir seus discos é poder ouvir de influências da cultura popular negra, do pop, do rock, do forró, do samba. Isso não os faz vanguarda nenhuma.

Fernando Anitelli é, além disso, poeta da melhor estirpe já produzida pela música brasileira. Seus parceiros também não ficam atrás. Dosam letras de conteúdo político – Canção da Terra ou Zaluzejo são exemplos -, com uma poética romântica doce e harmoniosa. O Teatro Mágico só é capaz de falar em feijão e arroz como imagem do romance porque houve um João Bosco na MPB. Isso, portanto, não os faz vanguarda nenhuma.

Para mim, a vanguarda vem de um recuo ainda mais profundo que a trupe faz em nossa história cultural. O Teatro Mágico recupera sentidos já esquecidos da carnavalização e do circo. O circo como momento de manifestação quase multimidiática de um carnaval que colocava todos no mesmo nível – reis e plebeus, loucos e sãos, pobres e ricos. O circo como lugar na praça pública em que as manifestações artísticas não são estanques: a cantoria não acontece separada da palhaçada, dos malabares, da brincadeira com fogo, dos equilibristas, das declamações, das reclamações, das estórias sendo contadas. Mais importante: a manifestação não pertence a um grupo de artistas mas ao conjunto da comunidade que se reúne na praça para festejar, fazer folia popular. Você não assiste a um show, você faz o show.

Acho que alguém já disse isso. Não devo dizer nada novo, mas como sou neófito na trupe do Teatro, não me furto de dizer que misturar tudo de forma tão carnavalesca é mais que uma simples renovação da MPB. Renova para nós uma parcela de nossa história que remonta à idade média. Relembra conosco e para nós as raízes de nossa cultura popular. A nossa cultura é a do carnaval, do circo, do riso, da piada. Reinventamos o mundo musical da MPB descobrindo que popular é uma palavra que nos ensina que não são as elites que definem o que somos. Podemos, à margem, relembrar o sentido mais básico da arte e do carnaval: não há desiguais, somente diferentes – o rei pode ser cobrado pelo clown sem medo de ser retaliado. É o povo que faz arte. E arte é maior opção política que a liberdade pode gerar. E só há isso no Teatro Mágico porque houve Chicos, Tropicalista, Boscos e Cazuza antes deles.

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