Operação Sinal Fechado: Carta Capital destaca investigação


Por Leandro Fortes
Na Carta Capital

Prisioneiro de um antigo revezamento administrativo entre duas famílias, os Maia e os Alves, ao longo de mais de quatro décadas, o Rio Grande do Norte foi sacudido por um terremoto político com potencial ainda não totalmente dimensionado, graças à ação de seis jovens promotores de Justiça, todos na faixa dos 30 anos. O grupo reuniu os elementos que permitiram a Operação Sinal Fechado em 24 de novembro.

A ação desbaratou um esquema milionário de fraudes a partir de contratos no Detran local e resultou na prisão de políticos, empresários e lobistas, além de revelar conexões criminosas com outros estados como Paraíba, Alagoas, Minas Gerais e São Paulo. Ficou evidente mais uma vez a maneira com que a oligarquia estadual se servia do Erário e dividia o dinheiro roubado por meio de propinas e mesadas.

Os promotores investigaram por nove meses uma quadrilha de 25 suspeitos liderada desde 2008 pelo advogado George Olímpio. Entre os dez presos está o ex-deputado e ex-senador João Faustino Neto, atual suplente do senador José Agripino Maia (DEM-RN).- Apontado como um dos principais articuladores do esquema criminoso no estado, Faustino foi subchefe da Casa Civil do governo de São Paulo durante a gestão do tucano José Serra. Era subordinado ao então chefe da Casa Civil, o atual senador Aloysio Nunes Ferreira. “João Faustino é um homem corretíssimo, duvido que ele faça parte de um esquema criminoso”, afirma Ferreira. O senador diz ter contratado Faustino, de quem se declara “grande amigo”, como assessor parlamentar. Enquanto atuou no governo de São Paulo, garante o parlamentar tucano, Faustino jamais cometeu qualquer deslize ético.

Faustino Neto teria a função de barrar concorrentes. Foto: Junior Santos/Tribuna do Norte
O jovem Olimpio seria o cabeça do grupo. Foto: Junior Santos/Tribuna do Norte
O imbróglio resvala em dois graúdos da política local, os ex-governadores Wilma Faria e Iberê Ferreira de Souza, ambos do PSB. Lauro Maia, filho de Wilma com outro ex-governador, Lavoisier Maia, é acusado de receber propinas e uma mesada de 10 mil reais para facilitar a vida da quadrilha do Detran. Ele já havia sido preso em flagrante em 2008, quando recebia suborno de prestadores de serviço do governo estadual. Por essa razão responde a um processo na Justiça Federal. Para evitar que a operação fosse vazada ou boicotada pelo governo, os promotores conseguiram autorização da Justiça para usar agentes da Polícia Militar, e não da Polícia Civil, mais vulnerável às pressões dos políticos locais.

A investigação do MP do Rio Grande do Norte teve como alvo a atuação do Consórcio Inspar, montado por empresários locais com ramificações políticas e imbuídos do intuito de dominar o serviço de inspeção veicular no estado por 20 anos. A quadrilha potiguar pretendia faturar cerca de 1 bilhão de reais. Para botar a mão nessa dinheirama, foi necessário, porém, montar um monumental esquema de corrupção e distribuição de propinas que envolveu todas as esferas de poder do estado, além de um time de lobistas escalado para importar -modelos de outros estados e impedir a vinda de empresas concorrentes capazes de melar a licitação fraudulenta montada em Natal.

É nesse quadro que se insere Faustino e o lobista paulista Alcides Fernando Barbosa. Segundo a investigação dos promotores, Faustino atuou tanto em São Paulo como nos governos de Wilma Faria, de Iberê de Souza (vice que assumiu o governo, entre maio e dezembro de 2010, quando Wilma tentou, sem sucesso, a reeleição), e no atual, de Rosalba Ciarlini (DEM), cuja participação no esquema ainda está para ser demarcada pelo MP.

Wilma Faria entrou no rol de suspeitos por ter, na função de governadora, facilitado a vida da quadrilha instalada a partir do Detran do Rio Grande do Norte. Foi ela quem enviou, em 2009, o projeto de lei que, uma vez aprovado, garantiu o suporte legal para a criação do Consórcio Inspar e em seguida a montagem da central de corrupção e pagamentos de subornos dentro do governo. O texto da legislação foi elaborado por integrantes da quadrilha, segundo e-mails interceptados pela Justiça. Souza, vice de Wilma e depois governador, é acusado de ter recebido 1 milhão de reais de Olímpio para garantir os negócios da quadrilha.

Barbosa foi chamado, segundo o MP, por ter se especializado em obter contratos fraudulentos com o poder público, sobretudo no estado de São Paulo. Indicação pessoal de Faustino, Barbosa colocou na roda o nome do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e a empresa Controlar, responsável pelo serviço de inspeção veicular na capital paulista, em convênio com o Detran local.

O papel do lobista era evitar que a Controlar participasse da licitação que resultou na escolha do Consórcio Inspar. Em conversas telefônicas interceptadas com autorização da Justiça potiguar, Barbosa revela a integrantes da quadrilha ter ligado para Kassab, em 25 de maio deste ano, quando se identificou como responsável pela concessão da inspeção veicular no Rio Grande do Norte. Aos interlocutores, o lobista garantiu ter falado com o prefeito de São Paulo e conseguido evitar a entrada da Controlar na concorrência aberta pelo Detran local. Em um dos telefonemas, afirma ter tido uma conversa “muito boa”. Embora não se saiba o que isso significa exatamente, os promotores desconfiam das razões desse êxito. Apenas em propinas, o MP calcula que a quadrilha gastou nos últimos dois anos, cerca de 3,5 milhões de reais.

Coincidência ou não, Kassab viu-se envolvido em uma investigação do Ministério Público de São Paulo. O MP pediu, e obteve da Justiça, o bloqueio de bens do prefeito. Os promotores paulistas descobriram que Kassab pagou 1,5 milhão de reais por um convênio que permitiu à Controlar o acesso ilegal a dados sigilosos de milhões de motoristas da capital. Os pagamentos foram -bancados pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, comandada pelo ex-petista Eduardo Jorge, entre dezembro de 2009 e outubro de 2010. Foram feitos em três parcelas à Prodam, empresa de tecnologia da informação do município. Kassab alega que o convênio é legal e, em breve, será renovado. Segundo o Detran, a prefeitura teria transferido os dados irregularmente à Controlar.



No Brasil, a obrigatoriedade da inspeção veicular foi imposta pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) em novembro de 2009 sob a justificativa de apontar o índice de emissão de gases poluentes pela frota de veículos- das cidades brasileiras. A ideia era usar esses dados para criar programas de controle de poluição. Na prática, abriu-se mais uma brecha para, via contratos terceirizados, alimentar esquemas milionários de arrecadação e corrupção. Inicialmente, a inspeção deveria ser implantada somente em estados cujas capitais possuíssem uma frota superior a 3 milhões de veículos. Ou seja, Rio de Janeiro e São Paulo.

Em março de 2010, no governo de Wilma Faria, houve a confirmação de que a inspeção veicular seria obrigatória no Rio Grande do Norte, mesmo com uma frota inferior a 1 milhão de veículos em todo o estado. Em menos de um mês, o processo licitatório foi iniciado e concluído. O Consórcio Inspar, vencedor da concorrência, foi formado por três empresas, todas investigadas pelo Ministério Público como provedoras do esquema de corrupção e pagamentos de propinas. Uma delas é a Inspetrans, de propriedade de Edson César Silva. Outra era a GO Desenvolvimento de Negócios (sic), de George Olímpio, seguida pela Neel Brasil Tecnologia, de São Paulo, de propriedade de Carlos Alberto Zafred. Todos foram presos pela polícia potiguar.

Conhecido como “Mou”, Edson Silva teria dado 2 milhões de reais para Olímpio pagar propinas a servidores públicos envolvidos no processo de licitação. Foi ele que se articulou com o então procurador-geral do Detran do Rio Grande do Norte, Marcus Vinícius da Cunha, para garantir os atestados técnicos necessários à inscrição da Inspetrans no consórcio montado pela quadrilha. Cunha, segundo apuraram os promotores, recebia uma mesada de 10 mil reais do esquema, e recebeu uma propina de 100 mil reais de Olímpio por conta de outro convênio irregular, de 2008, entre o Instituto de Registradores de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Rio Grande do Norte (IRTDPJ/RN) e o Detran. Fato, aliás, apontado pelo MP como marco zero da formação da quadrilha potiguar.

Naquele ano, o então presidente do órgão, Carlos Theodorico Bezerra, sob o comando de George Olímpio, durante a gestão da governadora Wilma Faria, firmou o primeiro contrato com o -IRTDPJ/RN. Essa parceria criou uma taxa extra de até 800 reais mais cara para proprietários de veículos financiados. Esses passaram a ser obrigados, a partir de uma decisão do Conselho de Desenvolvimento do Estado (CDE), a registrar em cartório os contratos de financiamento. Detalhe importante: a ex-governadora foi quem presidiu a reunião do CDE, em 20 de maio de 2008, que aprovou a minuta do convênio fraudulento.

Dessa decisão resultou uma portaria, editada em 9 de julho do mesmo ano, que tornou obrigatório o registro desses contratos de financiamento em cartório. Até então bastava ao Detran registrar o financiamento no Certificado de Registro Veicular (CRV), sem custos adicionais ao contribuinte. O Ministério Público descobriu a fraude a partir de e-mails trocados entre Olímpio e um lobista local, Marcus Vinícius Procópio, com cópia para Edson Faustino, filho de João Faustino Neto. As mensagens, de 28 de fevereiro de 2008, foram encontradas em um dos computadores apreendidos pela polícia na Operação Sinal Fechado. Nelas os promotores descobriram que a quadrilha potiguar pretendia se espelhar em um processo similar em curso no governo de São Paulo durante a gestão de Serra.

Edson Faustino chama-se na verdade Edson José Fernandes Ferreira, mas adotou o sobrenome conhecido do pai para dispensar apresentações nas negociatas. Amigo de Olímpio, é processado pelo Ministério Público Federal no município de Governador Valadares por envolvimento em fraudes em processos de registros de contratos de financiamento de veículos- em Minas Gerais.

Ele foi uma ponte fundamental entre o grupo potiguar e a turma de lobistas que gravitavam em torno do pai no governo Serra. Para os promotores, segundo descrito nos autos da investigação, Olímpio agiu “valendo-se da vantagem de ser amigo do filho (Edson Faustino) de um agente público (João Faustino Neto) do alto escalão do governo paulista”. E registram: “O mesmo pretendia reproduzir a ‘brilhante ideia’ do registro dos contratos, que já estava em curso no estado do RN, também em São Paulo”.

O tal IRTDPJ/RN era formalmente presidido por Marluce Olímpio Freire, tia de Olímpio, tabeliã do 2º Ofício de Notas de Natal, o único do gênero na capital. Mas era o sobrinho quem comandava de fato o instituto. Juntamente com o então presidente do Detran, Carlos Theodorico Bezerra, e o procurador-geral do órgão, Marcus Vinícius da Cunha, ele montou as bases legais para o convênio que entre agosto de 2008 e dezembro de 2010 gerou um faturamento de mais de 1 milhão de reais, e deu as bases para a construção do esquema que iria gerar o consórcio Inspar.

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