#Pinheirinho: Desabafo de uma fotógrafa

Por Natasha Mota, fotógrafa

Depois de voltar pra casa frustrada por não conseguir fazer uma foto e nenhum vídeo, conclui que nem sempre é possível fazermos aquilo que deve ser feito (ou que acreditamos que deveria ser feito, ou aquilo que temos condição de fazer).

Não consegui utilizar a única arma que tenho: minha câmera.

O que senti foi impotência diante da desumanização total.

Senti que nenhuma foto que eu fizesse seria capaz de expressar a dor daquelas pessoas e o estado de barbárie instaurado no bairro. Nenhum vídeo poderia ser fiel ao que os moradores do Pinheirinho e do bairro vizinho, Campo dos Alemães, viveram no dia de ontem.

Não me senti no direito de apontar minha câmera pros seus rostos e gravar de maneira indiferente seus depoimentos cheios de paixão e sentimento. Não dá pra ser "frio" e pensar naquela situação como algo que deveria ser comunicado e ponto, sem se sensibilizar ao extremo com a situação.

Me lembrei diversas vezes do que me disse o cartunista Latuff ao telefone pouco antes de eu sair da minha casa e ir para a ocupação, "De que adianta irmos agora pra lá? Alguma coisa deveria ser feita antes e não agora que as pessoas foram expulsas de suas casas e não vão mais poder voltar pra lá".


E como ele mesmo lembrou, o desfecho da história não foi por falta de que se fizesse algo antes.Mesmo assim fui pra lá. Achei que alguma coisa deveria ser feita, mesmo assim. Mas eu não consegui. É isso aí, eu não consegui…

Uma moradora me disse que eles queriam permanecer nas suas casas, pois queriam um teto para morar de maneira digna. Agora o que eles querem é conseguir pelo menos resgatar seus pertences que ficaram dentro das casas. Casas que eles nem sequer conseguem voltar e que, segundo os moradores, estão sendo arrombadas pelos policiais, que retiram os pertences e os colocam numa trouxa na porta para que os caminhões busquem e levem para um galpão. Afinal de contas, como disse um policial após a fala revoltada de uma mulher, que reclamava da demora para que se pudesse entrar para a retirada dos pertences, eles "também estão lá desde ontem" e com certeza querem terminar de desalojar as pessoas o mais rápido possível para voltar para suas casas. Enquanto isso a maioria das pessoas que não têm familiares para os abrigarem passaram a noite sob uma lona improvisada, em meio ao barro, apenas com cadeiras de plástico e sem comida e ainda por cima aterrorizadas pelos tiros (que não foram somente de bala de borracha) e bombas soltadas pelos policiais durante a noite.

Os policiais dificultavam o máximo a entrada das pessoas. Primeiro elas deveriam enfrentar uma fila enorme para se cadastrar e conseguir um papel que provasse que elas residiam ali. Depois disso cada morador deveria se dirigir a uma portaria referente a zona que sua casa estava localizada para poder entrar com o caminhão, individualmente. Detalhe: as pessoas chegavam com o endereço de suas casas no papel do cadastro, pedindo aos policiais que permitissem a entrada, o major responsável por uma das portarias dizia que a policia havia dividido a ocupação em três áreas A, B e C e que agora não existia mais nome de rua e sim zonas e que os moradores deveriam procurar a portaria referente as suas casas. Tudo isso enquanto uma massa se aglomerava diante da portaria e uma fila de caminhões estava a espera para retirar os pertences das famílias.

Uma mulher com lágrimas nos olhos falava de como estavam tratando todos igual bichos (aliás bicho hoje em dia é muitas vezes tratado melhor que ser humano). De como tinham ficado sem comer a manhã toda até que chegasse uma comida feita como ração já no meio da tarde. Ela não conseguia entrar na sua casa pra buscar leite para seu filho e nem mesmo a certidão de nascimento da criança e seus documentos.

A única coisa que consegui fazer foi pedir a eles para encontrar quem tivesse filmado e fotografado qualquer coisa durante a invasão da polícia e publicassem na internet (embora muitos tenham tido seus celulares confiscados por estarem fotografando e filmando a ação da polícia).

Há quem diga que não se pode confiar no que se diz na internet, em redes sociais, pois a informação não é confiável. O que faz uma informação ser confiável? O que me diferencia de um jornalista da globo (além do fato desse ser um pau mandado a serviço dos interesses de grandes empresas, politicos corruptos e da manutenção da "ordem") e de um morador do Pinheirinho? Porque o jornalista da globo diz a verdade e a minha informação ou do morador do Pinheirinho é duvidosa e/ou mentira?

Por isso não deixo nenhuma fotografia e nenhum video, atestado de verdade para alguns, mas apenas o meu relato de revolta, tristeza e ódio, que poderia ser também o relato de qualquer um que quisesse e sentisse a necessidade de se expressar por meio de palavras. E nem por isso esse gesto é menos verdadeiro que uma noticia de jornal.

Comentários

marcio ramos disse…
... valeu o texto Natasha... se vc puder da próxima vez acompanhe as ocupações, fique intima das pessoas, fotografe,file e escreva as vitórias que virão. No fim acredito que o importante é ser testemunha de seu tempo...

Quem não luta ta morto!

vida longa!