Por Cato Albérico Ribeiro
http://coisascato.wordpress.com/2012/01/28/pinheirinho/
Pinheirinho, o assunto da vez. Eu não gosto de escrever sobre "assuntos da vez", pois alguns leitores têm a coragem de usar da mais baixa retórica e acusar-me de estar sendo arrivista e sensacionalista, distanciando-se da discussão proposta no texto. Mesmo diante de muitas atrocidades, todos ainda arranjam desculpas para desviar o assunto.
Aquela desastrosa "reintegração de posse" em São José dos Campos mostra uma face ruim da humanidade. Mostra um lado negro da gente, pinta-nos os monstros que verdadeiramente somos. Mostra também todos esses monstros que se escoram no poder público para ganhar dinheiro e usam de influências oficiais e escusas para conseguirem tudo que almejam. Esses colarinhos brancos satânicos. Se estamos falando e lembrando que esses indivíduos fazem parte de um pedaço ínfimo da sociedade, mas que mesmo assim fazem o que bem entende às custas da grande maioria da massa cega, se estamos falando disso, desse jeito e mais uma vez, não é porque quero começar com papos comunistas ou manias de conspirações que são logo rechaçadas como um delírio infantil ou um arroubo populista.
Não, não se trata de comunismo ou de qualquer outra ideologia que a gente bota um ismo no final pra ficar bonito e encher a boca em discussões de bares que nunca levam à nada. Você não precisa ser filiado a nenhum partido e nem mesmo precisa acreditar no sistema político, que é este enorme e arcaico sistema escravocrata disfarçado de democracia, para ficar horrorizado com as cenas que se espalham pelas redes sociais daquela truculenta desocupação dos moradores do Pinheirinho. Não são coisas de ismos. São coisas humanas.
E se alguém falar, "então é humanismo" eu fico com uma resposta na ponta dos dedos pra digitar, mas que eu vou deixar por isso mesmo, só pra não baixarmos o nível, que já anda tão baixo.
De quem é, afinal de contas, aquele terreno que leva hoje o nome de Pinheirinho? Pois bem, ele passou para as mãos do célebre Naji Nahas há muitos anos, então proprietário de uma empresa laranja chamada Selecta, de forma um tanto, dizem, misteriosa, e mesmo suas origens também muito controversas, com sérios indícios de que foi tudo feito na malandragem. Em uma palavra: grilagem. Agora o terreno, com mais de um milhão de metros quadrados, faz parte da massa falida daquela empresa já citada, administrada um grupo de empresas financeiras e credores que estão querendo, claro, a grana das dívidas criadas pelo respeitável cidadão que é este nosso libanês, o Naji Nahas, este mega especulador superstar. E eu acho que agora a gente merece um parênteses.
(Para os que eram muito jovens ou nem tinham nascido ainda, devemos esclarecer quem é esta figura, este tal de Naji Nahas, um figurão libanês que desembarcou no Brasil na década de setenta com cinquenta milhões de dólares na mala e muitos planos para multiplicá-los, embrenhando-se em negócios de altíssimo risco cuja legitimidade sempre foi muito questionada. Nahas emprestava dinheiro de instituições financeiras estrangeiras e investia na bolsa, fazendo negócios com ele mesmo através de laranjas e corretores. Desta maneira, o "empreendedor" conseguiu inflar as cotações das ações e sendo um dos principais responsáveis de um efeito em cascata que ocasionou a quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989. Após ser preso e solto logo em seguida (ficou poucos dias na prisão), Nahas foi finalmente absolvido de todas as acusações em 2005.)
Pinheirinho, pois bem, parênteses fechados, é um terreno que faz parte da massa falida da empresa Selecta, que era do nosso agora conhecido, o Naji Nahas. Todo esse alvoroço, então, está sendo causado para pagar as dívidas que o Naji Nahas tem com a União, todas elas representadas naquele um milhão de metros quadrados. Acho que não é um exagero da minha parte resumir a tudo dessa maneira. Ou é?
Enfim, nos últimos oito anos o terreno valorizou vinte e cinco vezes tranformando-se num campo fértil para a especulação imobiliária. As empreiteiras devem estar fazendo fila para levantarem condomínios de alto padrão na região há anos.
Calhordice, claro. Não precisamos de mais um eufemismo aqui. Eufemismo é o que a gente vê na cobertura da Globo. Eufemismo é o governadorGeraldo Alckmin dizer para a população que a "reintegração de posse" está sendo feita dentro da lei e de forma pacífica, mesmo com as manobras jurídicas malandras que muitos políticos garantem terem sido feitas e as truculências que, parece, já estão se tornando a norma da Polícia Militar de São Paulo em casos como esse.
E não me digam que a polícia está fazendo o trabalho dela ou que naquela comunidade só tem vagabundo e que essa gente só entende porrada ou qualquer um desses jargões fascistas que a população despeja em comentários anônimos e raivosos nos sites e blogs da vida. Não façam isso comigo. Não façam isso conosco. Não nos transformem numa população de pequenos Datenas biliáticos que gritam sensacionalismos com a facilidade de quem solta gases. Não me venham com essas mesmices, por favor, pois tudo isso é o discurso do poderio político midiático falando por vocês. Vocês estão sendo usados. E os poderosos gargalham às nossas custas. Impunes. Divinizados.
A verdade é que quando se coloca o grande dinheiro no meio da discussão, parece que as bordas ideológicas se afrouxam e ninguém pensa mais direito.
"Bordas ideológicas"? Papo de comunista.
Não. Não se trata disso. Eu sou apenas um ser humano que testemunha esta humanidade triste, que se encontra num patamar tecnológico e estrutural altíssimo, o mais alto de sua história, mas que não consegue pensar direito quando o assunto é a preservação dos direitos dos homens e das mulheres, que não consegue pensar de forma justa e parcimoniosa quando lhe balançam uma nota alta na frente de suas ambições alienadas.
"Ih, alienado"? Comunista.
Nós estamos falando de milhares de pessoas que ficarão na rua, depois de uma operação realmente muito violenta e injustificável do governo do estado, representado pela Polícia Militar, sem nenhum tipo de planejamento ou amparo e a única coisa que podemos fazer é assistir a tudo no conforto de nossos sofás e fingirmos indignação. A prefeitura de São José, bondosa como ela só, ofereceu algumas passagens de ônibus para alguns moradores voltarem para suas casas em seus respectivos estados, esquecendo-se de que suas casas, na verdade, estavam pegando fogo ante a ganância da especulação imobiliária e dos malignos movimentos de poder.
Por que acreditar que não foi assim?
É por ser papo de comunista?
Malditos comunistas.
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