Quando a morte é selada no Pronto Socorro

Manoel Jacó, cujo apelido é Israel, é um jovem e talentoso jornalista.  Apaixonado por fotografia, vive insatisfeito pelos baixos salários pagos no estado aos profissionais da imprensa.  Mas é em virtude disso que precisa se submeter a relações de trabalho precarizadas.  Atua como freelancer de uma emissora de rádio na cidade em que escolheu viver.  Sua função de freelancer inclui dirigir o carro, alugado, com que a equipe de esportes da rádio se desloca para cobrir jogos em outras cidades.
Nessa noite, Jacó precisa correr além do que já está acostumado.  Um dos auxiliares do jogo que vai cobrir segue de carona com a equipe da rádio.  Não se sabe bem a velocidade - mas ela supera os 140 km/h.  De repente, um animal na estrada e o choque.   Dos cinco ocupantes do veículo, três têm ferimentos leves.  O auxiliar morre na hora.  Jacó é atingido pelo corpo de seu carona.  Não sofre qualquer lesão na cabeça ou em órgãos internos - o único ferimento é na coluna cervical.  Duas vértebras seriamente lesionadas - C3 e C4.
O socorro da SAMU é o que de mais rápido poderia haver.  Chega à emergência do maior hospital do estado, consciente.  É ali que seu destino é selado.  O neurocirurgião platonista constata as graves lesões e sabe que a intervenção cirúrgica precisa ser realizada nas primeiras horas após o trauma.  Caso contrário, a evolução do quadro de saúde do paciente seria catastrófica - a lesão provocaria, talvez em menos de doze horas, a falência da função cardiorrespiratória.
A sorte de Jacó estava selada porque ali não estava um médico exatamente ético.  Apesar de a cirurgia ser necessariamente de emergência, ele informa a família que a intervenção somente poderia ser realizada seis dias depois.  A não ser que...
A não ser que a família aceite realizar a cirurgia em outro hospital - particular - e pague as despesas com materiais médicos necessários para a operação - além dos honorários.  A família não aceita e o médico faz pressão.  Por fim, é chamado um médico amigo da família e se consegue vaga em outro hospital, onde a cirurgia poderia ser agendada.  O plantonista impede, no entanto, a transferência de Jacó.  Agora já se passaram dezoito horas desde o acidente.  E Jacó sofre a primeira parada cardiorrespiratória.  Entupado, é colocado em coma induzido.  Já é tarde.  Mesmo que a família por fim consiga realizar sua transferência cerca de 24 horas depois de ter sofrido sua primeira parada, Jacó não conseguirá mais ficar estável o suficiente para ser submetido à cirurgia que, feita na emergência do primeiro hospital onde foi atendido, poderia ter-lhe salvado a vida.  Graças a um médico que pensou no lucro antes de pensar na sua vida, a sorte de Jacó foi selada ainda nas primeiras horas depois do acidente.  Morreu, jovem, nove dias depois.
Esse texto não é uma pura ficção.  Qualquer semelhança a fatos reais não terá sido mera coincidência.
Todos os dias Jacós estão morrendo nas filas dos hospitais nas mãos de médicos que atuam como uma verdadeira máfia de branco - visam o lucro antes de tudo.
Segundo relatos de uma fonte, o modus operandi mais comum da máfia de branco é faturar em cima do SUS incluindo nos procedimentos cirúrgicos materiais nem sempre necessários, como próteses ou placas.  Do valor pago pelo SUS pelos materiais, uma porcentagem é repassada pelo fabricante ou seu representante comercial ao médico que realizou o procedimento.  No caso de Jacó, a tentativa foi empurrar a cirurgia para um hospital particular, cobrando dos familiares os custos que poderiam ser cobertos pelo SUS.  Como se uma cirurgia de emergência pudesse ser realizada como eletiva.

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