Repórter entrevista menor que assaltou padaria em Petropólis

Por Anderson Barbosa
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Os olhos estavam bem abertos e piscavam aceleradamente. Estirada e enfaixada de cima a baixo, a posição da perna direita parecia incomodar. Dois tiros o atingiram. O braço esquerdo sobre o rosto, inquieto, tentava esconder a expressão de dor. Em vão. Ele não consegue sequer dormir. Internado na enfermaria do Hospital Regional Deoclécio Marques, em Parnamirim, é assim que está o adolescente que atirou em três clientes na Padaria Petrópolis.
 
É assim que está o garoto de 17 anos que no final da tarde da quarta-feira caiu nas mãos da polícia. É assim que está o menor que empunhou uma arma, puxou o gatilho e deixou a funcionária da loja de ar-condicionado, Elizângela Iva de Souza, de 32 anos, mãe de três filhas, paraplégica. E quer saber o que ele tem a dizer? “Desculpa. Eu não queria ter atirado nela não”.
 
As palavras do adolescente foram gravadas pela reportagem no início da tarde de ontem. Ao saber que estava sendo entrevistado, o menor não esboçou qualquer reação. Ou melhor, novamente levou o braço sobre o rosto e suspirou. Não virou de lado e não se negou a responder as perguntas. Em alguns momentos, visivelmente desconfortável, apenas silenciou.
 
Ao seu lado, em um dos leitos, repousava o comparsa, chamado Jadson Souza do Nascimento, de 18 anos, conhecido como Gordinho. Dormindo estava e dormindo ficou.
 
Na porta da enfermaria, no 1º andar do hospital, três policiais militares prestavam guarda. Três homens para garantir a sua segurança. Ficaram desconfiados, mas não interferiram.
 
Se não houve intervenção antes, não havia razão para isso agora. Não é mesmo? E assim a conversa prosseguiu. E assim foi possível descobrir detalhes de um rapaz sem perspectiva de futuro, mas que pensa em ser mecânico. Sim, ele adora carros. E sim, ele fez uma tatuagem de palhaço na barriga para mostrar aos amigos que é um assaltante, não um matador de polícia.
 
Por que ele atirou? Há arrependimento? E que história é essa de palhaço matador de polícia? O próprio adolescente responde:
 
Repórter - Por que você atirou no cliente, no assalto da padaria?
Adolescente - Ele tava fazendo uma ligação. Achei que ele tinha ligado pra polícia.
 
Seu comparsa deu alguma ordem pra você atirar?
Não.
 
Você atirou porque achou que ele tinha ligado pra polícia?
Justamente.
 
Você já tinha pego o dinheiro?
Não.
 
Então você não levou nada da padaria?
Não.
 
Foi o seu primeiro assalto?
Não. Eu já tinha assaltado lá em Caicó.
 
Você estava no Ceduc de Caicó por assalto então?
Justamente.
 
E desde quando que você assalta?
Faz tempo já, senhor. Uns dois anos.
 
Então você tinha 15 anos. É isso?
Tinha 15, perto de fazer 16.
 
Seus pais estão aonde? Você já falou com eles?
Em Caicó. Falei com ninguém.
 
Sua mãe trabalha com quê?
Minha mãe trabalha em casa. É doméstica.
 
E seu pai?
Meu pai trabalha de marchante. Mas ele tá desempregado. Faz muito tempo que eu não falo com ele.
 
Tem irmãos?
Tenho uma irmã, mais nova.
 
Você sabe no que resultou os seus tiros?
É. Eu sei.
 
Você viu pela internet o vídeo do assalto? Pela televisão?
Vi não, mas fiquei sabendo.
 
Quem foi que lhe contou?
Conversa rola muito.
 
Você sabe que uma mulher ficou paraplégica?
Soube.
 
E a sua consciência? Qual o sentimento que você tem agora?
Eu sinto muito, porque não era pra ter atirado nela. Só no rapaz.
 
E se o rapaz tivesse ficado paraplégico?
É, senhor, mas... Eu fui na intenção de atirar nele. Não nela. Pra mim, ele ali não era inocente não.
 
E essa tatuagem de palhaço na barriga?
É 157.
 
157 é assalto?
Justamente.
 
Palhaço quer dizer matador de polícia. Ou não?
Pra mim é 157. Se fosse matador tinha um fuzil.
 
Quem foi que lhe tatuou?
Um amigo meu lá de Caicó.
 
E ele não disse pra você que palhaço significa matador de polícia?
Disse não.
 
Então você fez um palhaço só pra sair por aí, na moral, dizendo que é assaltante?
Não. Eu fiz porque eu gosto, pros meus amigos verem que eu sou assaltante.
 
Tá arrependido do que fez?
De quê?
 
Do assalto, de ter atirado nas pessoas, de ter deixado uma mãe de família paraplégica?
Do assalto eu me arrependo não. Me arrependo de ter atirado nas pessoas que não tinham nada a ver. Nas duas mulheres eu não queria atirar não.
 
E de ter atirado no rapaz? Você se arrepende disso?
Não. Eu achava que ele tava ligando pra polícia. Na hora, pra mim, ele não era inocente não.
 
E se ele tivesse mesmo ligando pra polícia? Ele mereceria morrer?
(silêncio)
 
Não vai responder?
(silêncio)
 
O que você tem a dizer pra estas pessoas? Pra mulher que você deixou numa cadeira de rodas?
Desculpa. Eu não queria ter atirado nela não.
 
Por que você não se entregou?
Se eu já fugi do Ceduc. Me entregar pra que?
 
E não ficou com medo de a polícia te matar?
Fiquei. Mas não ia me entregar.
 
O que você pensa do futuro?
Nada. Não tenho cabeça pra pensar nisso agora não.
 
Você sabe que vai voltar pro Ceduc. Eu quero saber o que você vai fazer quando sair. Vai voltar pro crime?
Não. Vou voltar a estudar.
 
Você tem algum estudo?
Estudei até a 6ª série. Quero voltar.
 
E pensa em fazer o que, quando terminar os estudos?
Eu penso em ser mecânico.
 
É isso o que você quer pra sua vida? Você quer mesmo ser mecânico?
Quero sim, senhor. Eu gosto de carro.
 
Frustração em saber que o adolescente logo estará em liberdade
 
O delegado Normando Feitosa, responsável pela prisão e apreensão dos rapazes acusados de terem assaltado a Padaria Petrópolis, crime cometido no último dia 2, no coração do Plano Palumbo, está feliz em ter conseguido dar uma resposta rápida à sociedade. Porém, é verdade que também está frustrado em saber que em pouco tempo, em três anos, no máximo, o adolescente que puxou o gatilho estará de volta às ruas. Mais que isso: com a ficha limpa, sem histórico criminal, como se nada tivesse acontecido. “É a lei que nós temos. Esse rapaz poderia ter matado quantas pessoas quisesse. Em três anos - e isso se ele pegar a pena máxima - estará solto”, lamentou o adjunto da Divisão Especializada em Investigação e Combate ao Crime Organizado, a Deicor.
 
Frustração também foi a palavra escolhida pelo delegado geral Fábio Rogério e pelo delegado federal Silva Júnior, adjunto da Secretaria de Segurança Pública. Todos repetiram as mesmas palavras de Normando ao final da entrevista coletiva concedida na manhã de ontem para apresentar o resultado da Operação Curinga, trabalho investigativo realizado no final da quarta-feira e que resultou, justamente, na prisão de Jadson e do adolescente. É importante esclarecer que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, não permite a divulgação do nome de menores infratores. Afinal, menores de 18 anos não cometem crimes. Cometem atos infracionais. E eles também não são presos.
São submetidos a medidas sócio-educativas.
 
“É triste saber que a nossa legislação é tão branda para os adolescentes. Mas, o importante é que a Polícia Civil deu uma resposta rápida e nós fizemos o nosso trabalho”, ressaltou Fábio Rogério. “Concordo plenamente”, emendou Silva Júnior.
 
Para juiz, mais importante que reduzir menoridade penal é investir em educação
 
Para o juiz José Dantas de Paiva, titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal, a discussão tem de ser outra. Neste momento, independente do que fez o adolescente que assaltou a padaria, ou mesmo das sequelas que deixou ao disparar várias vezes contra os clientes, o mais importante é debater a qualidade da educação no Brasil. “Não vejo necessidade, por enquanto, reduzir a menoridade penal. Primeiro temos que avaliar se a educação que os nossos jovens recebem é suficientemente capaz de afastar a juventude da criminalidade. Isso, sim, é fundamental”, declarou.
 
Ainda tratando sobre o assunto com o NOVO JORNAL, José Dantas foi enfático em afirmar que acredita nas medidas sócio-educativas. Há estatísticas, segundo ele, que provam que é possível recuperar os adolescentes infratores sem, necessariamente, impor penalidades pesadas como as que recebem os presos que já atingiram a maioridade penal.
Como exemplo, o juiz apresentou os dados de janeiro a dezembro do ano passado. Neste período, segundo ele, 408 crianças e/ou adolescentes cumpriram medidas sócio-educativas em Natal. Deste total, 94 voltaram a cometer atos infracionais. Significa que apenas 23% se tornaram reincidentes. E destes 408 jovens, somente 33 haviam cometidos crimes ao se tornarem adultos, o que representa 8% do total.
 
O mais grave, no entanto, é a constatação de que, em 2011, 220 crianças e/ou adolescentes foram vítimas de alguma forma de violência. Vítimas letais. “São crianças e adolescente que morreram vítimas da violência, da criminalidade. A maioria, 202, não respondiam a nenhum processo. Apenas 18 tinham cometidos atos infracionais e respondiam medidas sócio-educativas”, revelou.
 
Quanto ao futuro do adolescente assaltante da padaria, José Santas explicou que o processo será encaminhado ao juiz Homero Lechner, da 3ª Vara da Infância. “Ele terá 45 para apurar o ato, julgar e, se o condenar, aplicar a medida sócio-educativa que achar conveniente. Depois é que o adolescente será encaminhado para que eu acompanhe o cumprimento desta medida”, concluiu Dantas.

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