Operação Pecado Capital: Delegado diz à justiça que exoneração foi uma surpresa

O delegado Matias Laurentino, arrolado como testemunha de acusação pelo Ministério Público Estadual (MPE), esclareceu ao juiz federal Hallison Rêgo Bezerra e ao procurador do Ministério Público Federal, Rodrigo Teles, como iniciou o processo de investigação de irregularidades no Instituto de Pesos e Medidas do Rio Grande do Norte (Ipem/RN). Ele confirmou que assumiu a Delegacia Especializada em Crimes Contra a Ordem Tributária (Deicot) em março do ano passado e recebeu dois processos cujas investigações deveriam ser tratadas como prioritárias. Uma delas incluía suspeições repassadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro) à Polícia Civil do Rio Grande do Norte.

 Durante o depoimento, Matias Laurentino afirmou que identificou uma listagem com supostos funcionários fantasmas repassada pelo Inmetro. Além disso, verificou o pagamento de diárias aos funcionários fantasmas. As desconfianças do delegado aumentaram quando ele visualizou o nome de um conhecido na lista encaminhada pelo órgão federal. "Eu vi que Zulmar Pereira de Araújo estava na lista. Ele é da minha cidade e eu sabia que ele não trabalhava no Ipem/RN", disse o delegado ao juiz e ao procurador. A partir desta confirmação, o delegado deu início à colheita de dados acerca das supostas irregularidades praticadas no Instituto de Pesos e Medidas do Rio Grande do Norte entre 2007 e 2010.

 Entretanto, conforme disse ao juiz, não teve tempo suficiente para levar as investigações adiante. Menos de trinta dias após  ter iniciado o processo investigatório (de 12 de março a 4 de abril), foi exonerado pelo então delegado-geral da Polícia Civil, Ronaldo Gomes. "Fui pego de surpresa. Isso não fazia parte do processo de remoção dos delegados. Quando fui trabalhar na segunda-feira, 4 de abril, minha exoneração estava pronta e a nomeação para assumir a Delegacia de Proteção ao Idoso também", declarou o delegado.

 Ele confirmou, ainda, que como delegado-geral, Ronaldo Gomes tinha a autonomia de nomear e destituir delegados e demais funcionários da Polícia Civil. "Em 27 anos de Polícia, fui destituído pela primeira vez de uma função que exercia", destacou. Laurentino ressaltou, durante os esclarecimentos que prestou ao juiz, que o então delegado-geral não tinha motivos para se eximir da investigação, mesmo esta sendo numa instituição mantida por um órgão federal.

 Questionado se ele tinha conhecimento das ligações telefônicas realizadas entre o então diretor do Ipem/RN, Richardson de Macedo Bernardo, o assessor jurídico do Instituto à época, Daniel Vale Bezerra, e o irmão de Rychardson,  Rhandson Rosário de Macedo Bernardo, que discorriam sobre um suposto tráfico de influência para afastá-lo das investigações, Laurentino negou ciência. "Eu fiquei sabendo das interceptações telefônicas através da imprensa. Não tinha conhecimento do tráfico de influência", alegou. Ele não confirmou, entretanto, se sabia da participação de políticos no suposto esquema de fraudes. Em contrapartida, o nome do deputado estadual Gilson Moura foi citado pela testemunha Maria do Socorro Freitas em oitiva posterior ao delegado.

 O juiz federal Mário Jambo, que analisou inicialmente os processos relativos à Operação Pecado Capital, comentou o  tráfico de influência. "É simplesmente estarrecedor quando este Juízo se depara com a informação de que quatro dias após o mencionado diálogo, o delegado Matias Laurentino foi efetivamente transferido para outra delegacia. Fica evidente que Rychardson de Macedo é pessoa que possui perniciosa influência política", escreveu Jambo em decisão do dia 12 de novembro do ano passado. 

Laranjas

Quatro depoentes recebiam dinheiro em suas contas bancárias e repassavam 80% do valor a diretor do Ipem/RN

Zulmar de Araújo

Arrolado como testemunha de acusação e réu num outro processo pelo crime de peculato também relacionado ao Ipem/RN, Zulmar Pereira de Araújo pediu ao juiz para prestar esclarecimentos sem que tivesse que dividir a sala de audiências com Rychardson de Bernardo. Inicialmente, a oitiva dele e de mais três pessoas da sua família envolvidas com as fraudes aplicadas por Rychardson, seriam ouvidas através de videoconferência. Um problema técnico, porém, fez com que o juiz solicitasse que os demais acusados saíssem da sala para que o processo não fosse interrompido.

 Com a saída dos réus, o gerente do Auto Posto Júnior II, Zulmar Pereira de Araújo, confirmou que emitia notas fiscais frias para serem pagas pelo Ipem. Uma delas, emitida em 2010, foi de R$ 16 mil. O gerente esclareceu que vencia as licitações no Ipem pois oferecia o menor preço e sabia da concorrência através de Rychardson. Com a saída dele do Ipem, deixou de participar do certame.

Ana Keila Araújo

A filha de Zulmar, Ana Keila Dantas de Araújo, confirmou ao juiz que todo mês era depositado em sua conta bancária R$ 1.400,00. Ela sacava o valor integral, retirava R$ 300 para si e repassava o montante residual para o irmão, Zulmar Pereira de Araújo Filho, para que este entregasse para Rhandson de Macedo. A testemunha de

acusação e também ré num processo por peculato, afirmou que desconhecia a

origem do recurso.

 Ela era uma das funcionárias fantasmas do Ipem/RN que foi contratada através da empresa FF Empreendimentos Ltda. Ela disse que jamais teve sua carteira de trabalho assinada, assinou contrato ou recebeu informes de retenção de impostos federais. Ela disse ao juiz e ao procurador federal que se sentiu ameaçada por Rychardson quanto este solicitou que ela afirmasse num novo depoimento à Polícia, que era funcionária do Ipem. Ela fez, por medo, mas depois voltou atrás.

Liane Clarissa de Araújo

 Visivelmente nervosa, a esposa de Zulmar Filho, Liane Clarissa de Araújo, afirmou que sacava o mesmo valor depositado na conta da cunhada (Ana Keila) direto na boca do caixa do Banco do Brasil. Ela confirmou que chegou a assinar uma espécie de contrato diante de Rychardson mas não soube detalhar qual era o conteúdo do documento, pois não leu. Ela também era uma das funcionárias da FF Empreendimentos que recebia sem trabalhar.

 Ela detalhou, assim como Zulmar e Ana Keila, que Rychardson a procurou solicitando que ela mudasse o conteúdo do depoimento e procurasse a Polícia para se retratar. "Ele disse que o pau ia quebrar pro mais pequeno"

e por medo, eu mudei. "Meu sentimento era de intimidação", destacou. Inquirida sobre o

que sentia com o pedido de Rychardson, ela disse, chorando, que tinha medo da pessoa dele e do que ele poderia fazer com

a família dela.

Zulma Filho

Amigo de infância de Rychardson e Rhandson, Zulmar Filho esclareceu ao juiz que atendeu ao pedido dos amigos pois estava passando por dificuldades financeiras na época na qual cedeu o nome para ser incluído na listagem de funcionários fantasmas. Ele disse, ainda, que recebeu a promessa de ajuda durante a campanha eleitoral do deputado estadual Gilson Moura. Assim como seu pai, esposa e irmã, foi procurado por Rychardson para mudar o conteúdo do depoimento.

Por medo de responder a processos judiciais, ele procurou a Polícia e mudou a versão do que havia dito. Ele reafirmou ao MPE a primeira versão da oitiva.  Assim como sua esposa, ele recebia o dinheiro na conta bancária, sacava e entregava pessoalmente a Rhandson, que ia até sua casa pegar o montante. Ele disse que não recordava se ocorreram transferências diretas entre as contas

dele e a de Rhandson.

Memória

 O ex-diretor do Instituto de Pesos e Medidas do Rio Grande do Norte (Ipem/RN), Rychardson de Macedo Bernardo, foi preso durante a  Operação Pecado Capital no dia 12 de setembro do ano passado. A operação deflagrada pelo Ministério Público Estadual apura irregularidades em contratações de empresas terceirizadas e desvios de recursos no Instituto no período de 2007 a 2010. Atualmente, Rychardson encontra-se em liberdade por força de habeas corpus e atuando em defesa própria nos processos nos quais aparece como réu. Ele é formado em Direito.

 Além de Rychardson de Macedo, considerado o mentor das fraudes, foram presos o seu irmão, Rhandson de Macedo Bernardo, o assessor jurídico do Ipem/RN à época dos crimes, Daniel Vale Bezerra, além de Aécio Nogueira e Adriano Fernandes, acusados de atuarem como cúmplices do ex-diretor.

 Foram detidos também os pais dos irmãos Macedo, José Bernardo e Maria das Graças Bernardo, além de Jeferson Witame Júnior. Entre os crimes pelos quais respondem a processo judicial, estão peculato, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva. Atualmente, todos os réus respondem ao processo em liberdade.

Perícia

As quatro empresas pertencentes ao réu Rychardson de Macedo – A Casa do Pão de Queijo (Carrefour), Platinum Veículos, Supermercado É Show e Piazzale Mall – passarão por uma perícia contábil durante 60 dias. Suspeita-se que o dinheiro desviado do Ipem/RN era lavado nas empresas do acusado. Atualmente, elas estão sendo administradas por interventores nomeados pelo Ministério Público Estadual.

 A prestação de contas das empresas foi reclamada ontem pelo próprio Rychardson ao juiz Hallison Rêgo que afirmou que estarão disponíveis hoje para  análise. Os atuais administradores das empresas também serão ouvidos durante as audiências de instrução. Os depoimentos estão marcados para amanhã. O juiz Hallison Rêgo julgou o primeiro dia de oitivas como positivo pois não teve nenhuma intercorrência. "Foi uma audiência tranquila", resumiu o magistrado. Já Rychardson, disse que não daria entrevistas para não atrapalhar o processo.

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