#Caixa2doDEMnoRN: O nosso calvário

O artigo abaixo foi publicado na quinta-feira passada (31) pelo promotor Alexandre Frazão no Jornal de Hoje. Desde já, agradeço a referência.

Alexandre Gonçalves Frazão
Promotor de Justiça do MPRN
Email: alexandre.frazao@bol.com.br



"(...) pois o problema do Brasil é, em primeiro lugar, de ordem moral. Não podemos ser uma nação verdadeira, e sobretudo uma nação cristã, se não colocarmos o fator moral acima de qualquer meta desenvolvimentista. É somente sendo um país de justiça que seremos um grande país e poderemos então dar nossa mensagem e contribuição a todos os povos. Não é sabedoria querer ser um país rico e de bem-estar material, sem vencer a corrupção e a violência. Estas causam inquietação à sociedade, tanto entre ricos como entre pobres, e impedem a felicidade e o bem-estar de todos”.

São palavras de 1982. Tinha eu apenas 1 ano e poucos dias de vida quando, em 3 de março do mesmo ano, foi barbaramente assassinado o Procurador da República Pedro Jorge de Melo e Silva, em Olinda, em decorrência de sua atuação no caso que, à época, ficou conhecido como o “escândalo da mandioca”.

Consistiria tal escândalo em mais um dos descaramentos dos homens brasileiros no trato do dinheiro público (receber milhões da moeda corrente para plantar mandioca no sertão pernambucano, sem, contudo, fazê-lo), não fosse o aspecto qualificado do caso de terem os algozes do erário resolvido perpetrar, na ânsia por impunidade, outro crime capital: eliminar aquele que os levava às barras dos Tribunais, em busca de justiça.

Após o homicídio do Dr. Pedro Jorge, D. Basílio Penedo, então abade do mosteiro de São Bento, em Olinda, passou a publicar artigos no Jornal do Brasil, sob o título “O Calvário de Pedro Jorge” (acessíveis em www.prr5.mpf.gov.br, espaço “memória e ação”), em que expunha o caso, refletia sobre a condição moral do país e clamava contra o esquecimento do crime praticado em desfavor daquela autoridade, crime que, segundo ele, tinha importância essencial para a afirmação do Poder Judiciário nacional no combate às graves infrações da lei.

São de D. Basílio Penedo as palavras que iniciam este artigo. Repito: foram escritas em 1982. Imputava-nos, brasileiros, de moralmente doentes por sermos um país onde reinava a violência e a corrupção. Clamava por correção de nossos valores e prioridades existenciais.

14 de dezembro de 2011. Neste dia, na página eletrônica da BBC Brasil, constava que o Brasil registrou, entre 1980 e 2010, 1,09 milhão de homicídios, os quais foram contabilizados por estudo do Instituto Sangari (www.institutosangari.org.br), vivendo nossa sociedade, atualmente, com média nacional de 26,2 homicídios por 100.000 mil habitantes. Significa que, em 2012, aproximadamente 47.000 brasileiros irão ser mortos violentamente.

Não consta que tal notícia tenha provocado qualquer comunicado público de indignação de qualquer dos chefes dos poderes da república.

26 de dezembro de 2011. Todos os grandes jornais brasileiros publicam notícia de que o Brasil ultrapassara o Reino Unido e se tornara a 6ª maior economia do planeta.

Agora sim. Muitas autoridades públicas vieram à baila, capitaneadas pelo Ministro de Estado da Fazenda, para comemorar a façanha tupiniquim. Teríamos, segundo o ministro, em 20 anos, padrão de vida europeu.

Não, não teremos.

Esqueceu-se a distinta autoridade, em sua previsão, que nosso problema sempre foi e ainda é, antes de tudo, de natureza moral, nas exatas palavras de D. Basílio Penedo.

29 de fevereiro de 2012. A Polícia Federal deflagra a “Operação Monte Carlo”, cujas interceptações telefônicas, vazadas, revelaram que o senador do partido Democratas, Demóstenes Torres, ícone do combate à corrupção e candidato a voos maiores aos degraus superiores da República brasileira, era, nos bastidores, despachante de luxo do dito contraventor Carlinhos Cachoeira, usando de seu mandato para favorecer os negócios do seu protegido em troca de supostos benefícios, inclusive financeiros.

Até agora, não consta pedido de renúncia ou mesmo de desculpas formais à população brasileira por parte do senador Demóstenes Torres, o qual aparentemente sofria de bipolaridade ética.

21 de maio de 2012. O blog de Daniel Dantas Lemos, De olho no discurso (blogdodanieldantas.blogspot.com), inicia a publicação de uma série de ligações telefônicas interceptadas com autorização judicial, em que são reveladas conversas do senhor Carlos Augusto Rosado, marido da Governadora do Estado do RN, Rosalba Ciarlini, do partido Democratas, com o senhor Francisco Galbi Saldanha, atual Secretário Adjunto do Gabinete Civil do Governo do Estado do RN, tudo durante e após a campanha eleitoral do ano de 2006, em que a atual governadora se elegeu senadora da República.

Nas conversas referidas, são revelados indícios de compra de apoio político, de uso de dinheiro não contabilizado em campanha eleitoral, de uso de notas fiscais e recibos “frios” para a prestação de contas de campanha, de prática de nepotismo, bem como de outros comportamentos indignos de agentes públicos.

Até agora, não constam explicações, pedidos de renúncia ou de desculpas à população potiguar por parte de quase todos os homens e mulheres públicos flagrados nos diálogos.

Como se percebe, desde 1982, quando o abade D. Basílio Penedo se revoltou com o homicídio do Dr. Pedro Jorge e escreveu os belíssimos textos em que denuncia o principal problema brasileiro – de ordem moral –, nosso país mudou muito, mas mudou pouco.

Virou a 6ª maior economia do mundo, executada, contudo, por um povo que vive às voltas de incontáveis crimes de sangue e assolada por denúncias e práticas de corrupção em todos os setores sociais.

Se assim é, é porque escolhemos, aceitamos, chancelamos ou nos omitimos. O calvário de Dr. Pedro Jorge também é o nosso de cada dia. E somos, os cidadãos, os maiores responsáveis por isso.

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