#ForaMicarla: A prefeita que não devia ter sido

Logo após o processo eleitoral de 2008 já havia no ar, para aqueles observadores mais atentos e críticos, uma certeza de que o futuro de Natal não era muito promissor.  Fosse pelo conjunto de forças que se reunia à volta da prefeita eleita - os senadores José Agripino e Rosalba Ciarlini, o deputado federal Rogério Marinho, o vereador Enildo Alves, entre outros -, fosse pelo perfil eminentemente midiático da futura gestora, fosse pela total falta de um projeto de governo consistente.  Tudo estava fadado a dar errado - mas talvez ninguém pudesse imaginar que fosse dar dão errado.
Lembro que no seu Substantivo Plural o jornalista Tácito Costa vaticinou que Natal precisava passar pela experiência da gestão verde sob o comando de Micarla de Sousa.  Ainda concordo com Tácito, mesmo que lamente tudo o que aconteceu à cidade nesses anos.  A capacidade de resiliência do natalense foi testada a o seu limite - ou talvez além dele, como o movimento #ForaMicarla e os onze dias de ocupação da Câmara Municipal apontaram no ano passado.
Micarla chega a seis meses do fim do seu mandato sem definir se concorrerá à reeleição e com taxa de desaprovação popular de 92,3% segundo a pesquisa Sinduscon/Consult.  A possibilidade de a prefeita concluir seu mandato com uma desaprovação beirando os cem por cento é cada vez mais real, por inacreditável que pareça.
A prefeita chegou ao Palácio Felipe Camarão cercada por muita expectativa com base na sua eleição no primeiro turno e o discurso que, por mais que fosse eticamente questionável, era esteticamente atraente.  Lembro, por exemplo, de uma enquete publicada no site de campanha da candidata verde na última semana da eleição em que se perguntava o que os eleitores mais tinham gostado na campanha: o visual do site, as caminhadas, o programa de tevê, mas nenhuma pergunta sobre propostas concretas p ara melhoria da cidade.  Elas não haviam.
Um clima de opinião favorável foi construído com base na adesão, voluntária ou não, dos veículos de comunicação e de uma parcela considerável de jornalistas à sua candidatura - traduzida depois de eleita na já anedótica bolsa-blog da gestão municipal.  É o caso de uma famosa blogueira da cidade que recebe R$ 12,5 mil mensais sob o argumento de que tem milhão de visitas mensais em seu espaço virtual.  O que seria mais que blogs de repercussão e impacto nacional, como o Conversa Afiada de Paulo Henrique Amorim, ou mesmo o blog de Reinaldo Azevedo na Veja.
Tudo isso construiu o cenário da tragédia.  A tragédia se deu num conjunto de incompetência técnica, compadrio, ingerência política e, como tem ficado cada vez mais evidente, principalmente depois da CEI dos Contratos, instalada a partir da ocupação da Câmara, corrupção e improbidade administrativa.
Não são poucos auxiliares ou ex-au xiliares da prefeita sob suspeita.  Esta semana mesmo o blog publicou a informação de que o ex-secretário Tertuliano Pinheiro e sua ex-coordenadora Priscila Gimenez são réus em uma ação do Ministério Público, acusados por improbidade, danos ao erário público e enriquecimento ilícito.  Há algumas semanas, no fim de maio, a própria prefeita se tornou ré de uma ação do MP sobre o aluguel, desde sempre suspeito, do Novotel Ladeira do Sol, de Haroldo Azevedo, para funcionamento da secretaria de Educação e da secretaria de Saúde.  Até mesmo as delações premiadas mais comentadas no estado, a de Carla Ubarana e a de Alcides Barbosa, citaram Micarla e seus secretários.  A denúncia mais grave partiu da ex-chefe do setor de precatórios do Tribunal de Justiça, que disse acreditar em um acordo de divisão de dinheiro entre os desembargadores Rafael Go deiro e Osvaldo Cruz, o ex-procurador-geral do município, Bruno Macedo, e a prefeita no caso do precatório da Henasa, já investigado pelo TCE e pelo próprio TJ.  Cada um e os advogados Fernando Caldas e Fábio Holanda dividiriam os R$ 32 milhões relativos aos honorários previstos na causa.
A tragédia da cidade está consolidada.  Resta saber se nesse contexto a prefeita será candidata.  E sendo, quantos votos lhe restarão.  Mais que isso: é preciso não esquecer que Micarla de Sousa governou (ou seria melhor dizer desgovernou?) a cidade nesses quatro anos com uma folgada maioria legislativa - liderada pelo probo edil Enildo Alves (DEM).  Não esqueço que cada vereador que a sustentou é responsável por esse quadro trágico.  Resta saber se os eleitores vão olhar e ver isso também.

Comentários