A incrível mulher que asfaltou vidas

Por Carlos Fialho

A verdade é que vivemos numa terra que pouco ou nada valoriza os grandes feitos de notáveis conterrâneos, havemos de reconhecer isto. O caso da nossa magnânima ex-prefeita em exercício, Micarla de Sousa, que na semana passada auto-recebeu de si mesma uma nota 10 pela administração que ora encerra sem nunca ter iniciado de verdade.

Nossa chefe do executivo municipal tem devotado todo o seu amor, dedicação e apreço pela cidade que abraçou e resolveu governar (para noooossa alegria?). O problema é que, em troca, ela só tem merecido o nosso fel, a zombaria deliberada de um povo desalmado que a enganou, dando-lhe 60% dos votos e a sensação de que era amada, para depois virar-lhe as costas sem a menor cerimônia, convertendo-lhe em vítima preferencial do achincalhe geral e irrestrito.

Não sou afeito a corroborar com um absurdo como estes. Como pode alguém ser alvo de tantas injustiças em sequência a ponto de ter recebido a humilhação pública dos atuais candidatos ao seu cargo. Conta-se por aí que, entre um cântico religioso e outro, ela tem entoado aos prantos: "Ninguém me ama / Ninguém me quer / Ninguém me chama / De meu amor". Fico triste que as coisas tenham chegado a esse ponto e gostaria de aproveitar este espaço para promover a defesa pública de uma mãe e mulher que tem sofrido ataques sistemáticos de gente da laia de Everton Dantas, Rafael Duarte e Franklin Jorge. Tsc, tsc, tsc.

O mais recente objeto de piadas reproduzidas nas folhas, mesas de bar e espaços virtuais foi a declaração de voto ao seu ex-aliado e, atualmente, maior adversário, Carlos Eduardo Alves, primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto para prefeito. O anúncio foi feito no Jornal de Hoje, na rádio 98 e depois confirmado por uma belíssima epístola, uma "carta aberta" endereçada ao candidato. Arrisco dizer que foi a mais significativa missiva da política nacional desde a carta-suicídio de Getúlio Vargas. Muitos, como de praxe, riram do seu conteúdo. Eu, não. Em verdade, confesso aqui que muito me comoveu o texto cheio de sentimento sincero, repleto de amor, tolerância e perdão. Coisa linda de Deus.

A verdade é que a cidade já não suporta mais tanto rancor. Toda essa negatividade que paira no ar, há pelo menos 6 anos, desde que os dois começaram a brigar irradia uma energia ruim que em muito contribui para que a cidade não evolua. Isso precisa parar. Pode perguntar lá na igreja dela. Essas coisas causam encosto, gente. É preciso que estes dois conterrâneos ilustres, que têm trocado farpas, provocações e, nos momentos de maior serenidade, insultos e xingamentos, esfriem a cabeça e cessem toda essa atitude agressiva para com outrem. Dito isto, acho mais do que louvável que nossa líder legítima (nunca é demais lembrar que ela foi escolhida pelo voto) tenha tomado a iniciativa.

No entanto, mais uma vez, a ela foram apontados os mesmos dedos acusadores de outras ocasiões. Quão cruéis ainda seremos capazes de ser com tão distinto ser humano? Não se sabe. Vejam que maldade! Alguns analistas (Salvai-nos, São Alex Nascimento) tiveram a ousadia de declarar que a revelação do voto da mulher foi orquestrada pela cúpula da campanha de Hermano Morais, que seria o verdadeiro candidato dela, para tentar transferir para Carlos Eduardo sua estratosférica rejeição de nada invejáveis 95%.

Não acredito nessas teorias da conspiração. Acho todas meio patéticas, frutos podres de um desespero vil. Será que ninguém percebe que a presidente estadual do PV resolveu passar uma borracha no passado de tanta descortesia mútua? Afinal, raiva demais envenena corações, tornando-se um fardo e nos fazendo perder a razão. A verdade é que foi imbuída das melhores intenções que Micarla declarou publicamente que votaria no candidato do PDT no atual pleito majoritário. Mesmo que alguns teimem em não enxergar tamanha obviedade.

Houve um articulista mais desumano que chegou mesmo a afirmar que, depois de ter abandonado a administração, a prefeita decidiu largar outras coisas, a começar pelo amor-próprio. Muitos foram os que acusaram o ridículo e inusitado da situação a que se expôs a pobre mulher. Alguns salientaram o fato de ela ter usado o próprio filho e até mesmo Deus como álibis para a suposta mentira. Na minha opinião, quem sustenta esse tipo de verdade é tão radical quanto os manifestantes que queimaram ônibus e ameaçam abertamente atentar contra o bigode de Augusto Maranhão do SETURN. Se querem continuar com essas opiniões extremas, por que não vão expressá-las lá na nossa Praça Tahrir, logo ali no cruzamento do Midway com a Bernardo Vieira?

Daqui a pouco vão inventar todo tipo de inverdades sobre Micarla, como se as pilhérias que já criaram não fossem o bastante para massacrar com uma pessoa tão sensível. É capaz de dizerem que essa história de conversão religiosa é um embuste, que as entrevistas concedidas por elas são cheias de uma interpretação melodramática cafona, ao estilo daqueles folhetins mexicanos que a emissora da sua família retransmite. Também dirão que ela abusa do gerundismo só porque de vez em quando ela diz coisas como: "eu vou estar votando em Carlos Eduardo; eu não vou estar apoiando Hermano." Ora, qual o problema? Só porque é jornalista (sic) não pode cometer um deslizezinho a toa?

Vejam pelo lado bom. É, isso mesmo. Lado bom. Porque as pessoas são assim. só veem o que tem de ruim. As virtudes, ninguém vê. Pois saibam que poderia ser pior. ela poderia, digamos, usar calça saruel em solenidades, botar um piercing no umbigo, andar de pochete pendurada na cintura e sandálias crocs nos pés. Ou, quem sabe?, ela poderia pintar o cabelo de uma cor exótica e desfilar no carnatal, dançando até o chão.

Além do quê, a maior obra dela ninguém repercute. Micarla vai entrar pra história como a prefeita que não calçou as ruas da cidade porque fez uma opção mais importante: "asfaltar vidas". Percebam que imagem forte e poética. "A mulher que asfaltou vidas." Na boa, depois de ter dito isso, ela não precisa fazer mais nada até o fim do mandato. Foi uma frase com jeitão de missão cumprida. Porque, se ela quis detonar a cidade, pelo menos nisto, ela foi competente.

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