#RevoltadoBusao e o confronto no Midway: Violência na noite de Natal

Depois que boa parte da manifestação se dispersou na altura ainda do Natal Shopping, registrei um pequeno grupo de manifestantes se sentando no meio da BR-101 e decidindo seguir até o Midway. Sinceramente, achei que eles não iriam até ali.
Ainda assim, peguei meu carro e fui até o Midway.  Lá chegando, nenhum sinal dos manifestantes.  Desse modo, fui lanchar.  Apenas por volta das 21h é que, pelo twitter, fiquei sabendo que a #RevoltadoBusao havia chegado ao Midway.  À essa altura, um ônibus da Guanabara já havia sido incendiado no Bairro Nordeste, a quilômetros de onde estava o protesto - esse incêndio não pode ser posto na conta do protesto.
Comecei a filmar. Eram poucos manifestantes.  As vias não estavam inteiramente interrompidas, mas aqueles que estavam no cruzamento estavam organizando a saída de veículos - o objetivo era organizar um novo roletaço.
No entanto, alguns carros avançaram sobre os jovens.  Primeiro, dois taxis que partiram em alta velocidade pela Av. Bernardo Vieira.  Foram atiradas algumas pedras contra eles.  Em seguida, um outro carro avançou com ainda mais ímpeto, seguindo pela Hermes da Fonseca.  Esse saiu bem amassado com chutes, pedras e outros objetos atirados contra ele.
Nesse momento - tudo está gravado - chegaram três homens da Rocam em motos e detiveram um dos manifestantes.  Cercados e filmados, terminaram por soltá-lo. A situação parecia que estava voltando ao estado anterior quando um grupo atirou um coquetel molotov contra PMs de duas viaturas que tinha acabado de chegar.  O fogo quase atingia uma equipe da TV Tropical.
Um grupo de estudantes ainda tentou conversar com os PMs dizendo que não tinham como controlar todos.  Um PM - e isso eu também registrei - saiu dizendo que os estudantes lembrassem que agora a coisa ia ser dura e que os estudantes é que começaram.   Parecia um menino reclamando à professora que o outro era o culpado pela briga porque tinha começado.
Foi mais ou menos nessa hora que vi - e devo ter filmado, não vi ainda - um PM abaixado com a arma apontada contra nós. Eu estava na linha de fogo.  Minutos antes perguntara a um dos policiais se eles iriam chamar o choque, sem que fosse confirmado.
Um amigo me ligou e me recomendou que eu saísse da linha de fogo - afinal, denunciei em meu blog o #Caixa2doDEMnoRN e não seria improvável que um policial, querendo mostrar serviço ao primeiro-cavalheiro, decidisse disparar contra mim, inclusive balas que não fossem de borracha.  Obedeci.
Minutos depois, já dentro do shopping, presenciei da tentativa de se incendiar, com diversos coquetéis molotov, um ônibus da Guanabara.  Todos os vidros foram quebrados.  Mais tarde, o ônibus foi incendiado.
Foi uma noite dura e tensa.  Tive medo quando vi aquela arma apontada contra mim.  Temi, também, quando o coquetel molotov foi atirado - temi pelos manifestantes, porque certamente a polícia viria com muita violência.
Abusos Foi uma noite de muitos abusos.  A PM, por exemplo, pediu à PRF que prendesse uma professora universitária e um adolescente pelo crime de terem ido perguntar ao policial armado o porquê de os ônibus estarem sendo desviados na frente do Natal Shopping.
Mais adiante, um professor foi atingido com uma bala de borracha no rosto porque pediu ao choque que não atirasse contra mulheres e crianças que estavam nas calçadas do Midway Mall.
Antes disso, de modo impensado, a PRF decidiu conduzir uma garota porque achou que ela estava fumando maconha - uma contravenção. Quis mostrar ao policial que era ilógico fazer aquilo em um protesto (somente serviria para acirrar mais os ânimos), uma vez que chegando à delegacia a menina iria assinar um termo circunstanciado de ocorrência e seria liberada.
A violência do protesto Escrevi sobre a violência do protesto aqui.  Continuo achando a violência compreensível, por mais que não tenhamos muita facilidade em aceitá-la.
Ainda assim, algumas coisas nesses ataques aos ônibus têm elementos estranhos.  Por exemplo: um ônibus foi incendiado no Bairro Nordeste, enquanto o protesto ocorreu no eixo Natal Shopping-Midway. Para os que não são de Natal, o local onde o ônibus foi incendiado fica a cinco quilômetros do ponto mais próximo onde passou a #RevoltadoBusao e a dez quilômetros do mais distante.  Parece-me que ao menos esse ônibus não devesse ser lançado na conta dos protestantes.
A causa de tudo Escrevi aqui que o Seturn havia acendido o rastilho de pólvora para o protesto de hoje.  Os protestos até então tinham tido poucos incidentes, mas a decisão unilateral de revogar o Passe Livre tinha o condão de radicalizar o movimento popular.  A revolta sempre se amplia e cresce de tamanho - e, assim, perde o controle.  O Seturn, disse então e os fatos confirmam, parece contar com o caos para conseguir o seu intuito de reverter a decisão que cassou o aumento das passagens.  A eles interessava a violência no protesto de hoje - para jogar a opinião pública, de vez, contra os manifestantes da #RevoltadoBusao.  E a turma que tem no contracheque os dividendos das empresas - em jornais e blogs, vai explorar isso ao máximo.
Parece que eu tinha sido profético:
Qual o interesse do Seturn?Sinceramente não sei. Aparentemente sua intenção é incendiar ainda mais a cidade. Nada explicaria a ação de acabar unilateralmente o funcionamento das transferências a não ser o desejo de reanimar a #RevoltadoBusao - que dessa vez tem um potencial ainda mais explosivo porque o toque no bolso de todos os trabalhadores e demais usuários do sistema de transporte é ainda mais profundo e radical.O Seturn quer colocar o povo na rua e tornar inevitável as formas de aumentar sua receita. Seja eliminando a integração, aumentando a passagem, impactando as tarifas sociais e gratuidades -conforme o discurso que foi exposto pela própria InterTV Cabugi logo a seguir à revogação do aumento da passagem pela Câmara Municipal. Para isso, o povo na rua pode lhe servir ao interesse porque, certamente, pode gerar mais pressão e caos.Saída? A saída é o povo na rua. Sem se submeter aos interesses dos empresários. Ações como roletaços, por exemplo. Mas cabe ao movimento e ao povo na rua descobrir o melhor caminho.
Não à toa percebi na fala de alguns que intentam criminalizar os movimentos sociais a criminalização de sujeitos como eu que se dispõe a discutir essas questões desse modo - inclusive indo às ruas para cobrir e transmitir ao vivo os protestos.

Atualização Há pouco, o fotógrafo Lenilton Lima fez o seguinte comentário no Facebook.  Serve de alerta aos manifestantes assim como às autoridades:

Ônibus foram queimados por pessoas encapuzados e um motorista do 04 que faz a linha conj. Amarante/Natal que não quis abrir a porta traseira do ônibus para o roletaço foi intimidado por um homem encapuzado que estava armado de um revólver.
O homem obrigou o motorista a abrir a porta traseira para os passageiros não pagarem a passagem.Gente essa não são as mesmas estrategias dos estudantes usada nos outros atos... Tem algo de muito errado.

Comentários

Unknown disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse…
Daniel Dantas, antes de começar o meu comentário, devo te dar os parabéns pela atitude corajosa em filmar todo o protesto e também de fiscalizar e questionar a ação da polícia. Entendo que todos os cidadãos deveriam agir dessa maneira, sempre olhando de perto o trabalho realizado pelos agentes do estado.

O texto publicado por você trata-se de opinião. Sim, pois diz respeito à sua visão do ocorrido, além de que não dá pra apurar todos os fatos de forma detalhada, em meio a um protesto, mesmo estando participando dele, ainda mais quando as informações são percebidas (vistas) e repassadas por pessoas que estavam sob forte emoção, inclusive você. As visões sobre um fato podem variar conforme o observador. Um mesmo acontecimento pode ser visto de diferentes maneiras, a partir de diferentes ângulos e diferentes pontos de vista. E acredito que foi exatamente isso o que aconteceu.

Como você deu a sua opinião, agora vou dar a minha. O protesto é válido, sim! Entretanto, as pessoas que estão dentro dele costumam, naturalmente, interpretar a ação da polícia sempre como abusiva, enquanto que as suas próprias sempre como legítimas, o que nem sempre é verdade. Houve muitos abusos e violência na manifestação de hoje por parte dos integrantes do movimento, o que é uma pena, pois isso é a faca e o queijo pra mídia de oposição colocar a população contra todo um planejamento válido.

Entrando mais especificamente na atuação da Policia Rodoviária Federal no caso, a meu ver, a mesma agiu legitimamente e, diga-se de passagem, de forma extremamente cautelosa e respeitosa com todos os cidadãos ali presentes, demonstrando preparo e cidadania diante da situação tensa em que se encontravam. Eu não queria estar na pele deles naquele momento!

Quanto à prisão da professora e do estudante, os fatos deverão ser devidamente apurados na delegacia, e se ficar constatado excesso por parte dos policiais que efetuaram a prisão, eles responderão por isso. Não posso opinar aqui, pois não tenho elementos suficientes para tanto.

Já com relação à garota que você afirmou aqui no blog que a PRF conduziu por simplesmente “achar” que ela estava fumando maconha, isso não reflete o que foi demonstrado no vídeo da twitcam (até porque pra configurar esse crime tem que haver a prova material, não é mesmo? O mero achismo não seria suficiente pra incriminar uma pessoa). Lá no vídeo, o policial explicou que ela estava sim fumando maconha, enquanto que você afirmou que tal fato não era crime, era apenas contravenção, bem como que leva-la à delegacia seria ilógico, pois iria apenas gerar mais revolta por parte dos manifestantes.

Entretanto, sou obrigado a discordar do seu posicionamento. O policial não tem opção de levar ou deixar de levar alguém para a delegacia ao presenciar um suposto crime. Caso a garota não fosse levada à delegacia, o policial estaria cometendo prevaricação. O PRF, ao flagrar uma conduta que é, em tese, típica, deve, de forma obrigatória, agir e prender a pessoa em flagrante (art. 301 do Código de Processo Penal). Não cabe a ele analisar o fato e dizer se houve ou se não houve crime, se é ou se não é conveniente realizar a diligência. Esse trabalho é do delegado, no decorrer do inquérito. Do promotor, na denúncia. Do juiz, na sentença.

A garota, suposta usuária de maconha, está, no mínimo, cometendo crime previsto no art. 28 (portar drogas para consumo pessoal) da nova lei de drogas (Lei 11.343/06), quiçá art. 33 (tráfico), pois o policial não sabe de quem se trata. Poderia ser um traficante (vendedor) se passando por usuário. Quem garante o contrário? O policial está diante de uma pessoa desconhecida. Não cabe a ele firmar esse juízo de valor, mas tão somente leva-la detida em razão de ter praticado uma conduta, em tese, típica (crime).

[CONTINUA]
Unknown disse…
Daniel Dantas, antes de começar o meu comentário, devo te dar os parabéns pela atitude corajosa em filmar todo o protesto e também de fiscalizar e questionar a ação da polícia. Entendo que todos os cidadãos deveriam agir dessa maneira, sempre olhando de perto o trabalho realizado pelos agentes do estado.

O texto publicado por você trata-se de opinião. Sim, pois diz respeito à sua visão do ocorrido, além de que não dá pra apurar todos os fatos de forma detalhada, em meio a um protesto, mesmo estando participando dele, ainda mais quando as informações são percebidas (vistas) e repassadas por pessoas que estavam sob forte emoção, inclusive você. As visões sobre um fato podem variar conforme o observador. Um mesmo acontecimento pode ser visto de diferentes maneiras, a partir de diferentes ângulos e diferentes pontos de vista. E acredito que foi exatamente isso o que aconteceu.

Como você deu a sua opinião, agora vou dar a minha. O protesto é válido, sim! Entretanto, as pessoas que estão dentro dele costumam, naturalmente, interpretar a ação da polícia sempre como abusiva, enquanto que as suas próprias sempre como legítimas, o que nem sempre é verdade. Houve muitos abusos e violência na manifestação de hoje por parte dos integrantes do movimento, o que é uma pena, pois isso é a faca e o queijo pra mídia de oposição colocar a população contra todo um planejamento válido.

Entrando mais especificamente na atuação da Policia Rodoviária Federal no caso, a meu ver, a mesma agiu legitimamente e, diga-se de passagem, de forma extremamente cautelosa e respeitosa com todos os cidadãos ali presentes, demonstrando preparo e cidadania diante da situação tensa em que se encontravam. Eu não queria estar na pele deles naquele momento!

Quanto à prisão da professora e do estudante, os fatos deverão ser devidamente apurados na delegacia, e se ficar constatado excesso por parte dos policiais que efetuaram a prisão, eles responderão por isso. Não posso opinar aqui, pois não tenho elementos suficientes para tanto.

Já com relação à garota que você afirmou aqui no blog que a PRF conduziu por simplesmente “achar” que ela estava fumando maconha, isso não reflete o que foi demonstrado no vídeo da twitcam (até porque pra configurar esse crime tem que haver a prova material, não é mesmo? O mero achismo não seria suficiente pra incriminar uma pessoa). Lá no vídeo, o policial explicou que ela estava sim fumando maconha, enquanto que você afirmou que tal fato não era crime, era apenas contravenção, bem como que leva-la à delegacia seria ilógico, pois iria apenas gerar mais revolta por parte dos manifestantes.

Entretanto, sou obrigado a discordar do seu posicionamento. O policial não tem opção de levar ou deixar de levar alguém para a delegacia ao presenciar um suposto crime. Caso a garota não fosse levada à delegacia, o policial estaria cometendo prevaricação. O PRF, ao flagrar uma conduta que é, em tese, típica, deve, de forma obrigatória, agir e prender a pessoa em flagrante (art. 301 do Código de Processo Penal). Não cabe a ele analisar o fato e dizer se houve ou se não houve crime, se é ou se não é conveniente realizar a diligência. Esse trabalho é do delegado, no decorrer do inquérito. Do promotor, na denúncia. Do juiz, na sentença.

A garota, suposta usuária de maconha, está, no mínimo, cometendo crime previsto no art. 28 (portar drogas para consumo pessoal) da nova lei de drogas (Lei 11.343/06), quiçá art. 33 (tráfico), pois o policial não sabe de quem se trata. Poderia ser um traficante (vendedor) se passando por usuário. Quem garante o contrário? O policial está diante de uma pessoa desconhecida. Não cabe a ele firmar esse juízo de valor, mas tão somente leva-la detida em razão de ter praticado uma conduta, em tese, típica (crime).

[CONTINUA]
Unknown disse…
[CONTINUAÇÃO]...


Quanto a quem financia o crime organizado (sim, o tráfico de drogas é crime organizado, e dos mais pesados), o usuário de maconha (e outras drogas) também está inserido nesse contexto. Sim, não vamos ser ingênuos nem hipócritas. Ninguém aqui vive num mundo de fantasias. Todo mundo sabe que o usuário, mesmo que seja ele eventual, também financia o tráfico. O problema é que ninguém quer se sentir culpado nem responsável por sustentar facções criminosas. Se o sujeito tá utilizando substâncias ilícitas, obtidas através de meios ilícitos, com certeza é responsável pela manutenção desse comércio ilegal. Ora, isso é mais pura lei da oferta e da demanda.

Meu amigo, o negócio é simples, se não há procura, não há mercado. Qual é o principal interesse do crime organizado? É o lucro. Sem ele, não há pra onde correr. O tráfico de drogas é um dos maiores suportes do crime organizado.
É o que penso.

No mais, parabéns pelo blog e espero que respeite meu ponto de vista.

Abraço.
Storm disse…
Bem... sempre o referencial. Ótimo o blog e ótimo o comentário. Tudo deve ser visto e avaliado sob os diversos pontos de vista. A sociedade é um todo... as manifestações são válidas e fundamentais, mas há questões que devem ser discutidas e avaliadas. Devemos cuidar da hipocrisia e demagogia acentuadas que rondam os jovens... avaliar com cautela os rumos das manifestações. Aliar a "força bruta" com o racional. Ajuizar ações contra o aumento, aliados a manifestações civilizadas pode ser uma saída. O que o natalense não aguenta mais é ser penalizado por todos os lados... pelo aumento das passagens e pelas manifestações. Estão tirando nosso dinheiro, nosso direito de ir e vir, nossa segurança, nossa dignidade, tanto por parte dos governantes e agora pela própria população... onde vamos parar?