Advogados criticam portaria de Apodi

Os juristas ouvidos pela Tribuna do Norte para criticar a portaria emitida pela juíza em Apodi, que restringiu a circulação de dinheiro vivo em cinco municípios da região Oeste, só esqueceram de comentar outras medidas semelhantes que ocorrem em período eleitoral: como lei seca, toque de recolher (em algumas cidades). Mesmo fora do período eleitoral há medidas semelhantes envolvendo eventos esportivos, entre outros.

http://tribunadonorte.com.br/eleicoes2012/juiza-proibe-saques-acima-de-r-1-500-em-cinco-municipios/233000

Na reta final da campanha eleitoral, como já era de se esperar, os ânimos estão acirrados nos municípios potiguares. No interior, o clima de acirramento e o alto número de denúncias de abuso de poder econômico levaram a juíza eleitoral da 35ª Zona Eleitoral, Ana Clarisse Arruda Pereira, a restringir a circulação de dinheiro, em espécie, em cinco cidades da região Oeste. Desde o sábado, 29, até o dia das eleições, 7 de outubro, a população de Apodi, Felipe Guerra, Severiano Melo, Itaú e Rodolfo Fernandes não pode circular, pelas ruas, com soma, em espécie, acima de R$ 1.500,00.

Para poder circular com quantia financeira acima deste valor, o cidadão, que mora em uma dessas cidades, precisa ter uma Guia de Transporte de Valores. Pela Portaria 13, essa autorização está sendo emitida pelo cartório eleitoral, sediado em Apodi, a partir de pedido fundamentado. Para cumprir a aplicabilidade da portaria, a promotoria eleitoral da 35ª Zona Eleitoral intensificou a fiscalização de rua, com apoio da Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal, desde o sábado, 29, quando a portaria foi publicada no mural do Cartório Eleitoral.

Juntos, os cinco municípios que constituem a 35ª Zona Eleitoral reúnem uma população de 56.231 habitantes e um eleitorado de 50.915 mil eleitores. Ontem, o promotor eleitoral Sílvio Ricardo Gonçalves de Andrade Britto, que atua na 35ª Zona Eleitoral, explicou que a juíza acatou uma recomendação feita por ele. A medida que é inédita, pelo menos, no Rio Grande do Norte, visa, segundo o promotor eleitoral, inibir a compra de votos - que vem vem sendo muito denunciada na região.

"Circular com dinheiro, seja qual quantia for, 30 ou 60 mil reais, não é ilícito, mas, nessa época eleitoral, é indício de crime e, sem essa portaria, a polícia ficava sem poder fazer nada", justificou Sílvio Brito. Segundo o promotor, apesar do grande volume de denúncias de abuso de poder econômico na região de Apodi, há dificuldade em conseguir fazer o flagrante. "Quem vende e quem compra o voto", disse Sílvio Brito, "têm interesse nesse ilícito e ninguém se entrega. Esperar o flagrante é inviável". Na última semana, a 35ª Promotoria Eleitoral recebeu 50 denúncias de compra de voto - quase todas anônimas.

Segundo o promotor, a longa distância entre os distritos municipais (a comarca tem 100km de extensão) e o horário em que as transações de compra de voto ocorrem - na madrugada - dificultam o flagrante. "Pelas pesquisas, os pleitos estão muito acirrados e os candidatos tentam definir a eleição com o abuso do poder econômico", disse o promotor.

Sílvio Brito acredita que a portaria dá ao MP a chance de atuar preventivamente, evitando que o crime eleitoral de compra de voto - tipificado no artigo 299, do Código Eleitoral Brasileiro - aconteça. "Sabemos que nos dez dias que antecedem o pleito, é que a prática de pagar pelo voto se torna mais efetiva. Impedir que esse dinheiro circule dificulta o fechamento desses acordos", afirmou o promotor.

Advogado aponta "estado de sítio"

A medida da juíza eleitoral Ana Clarisse Pereira gerou polêmica no meio jurídico. O advogado Paulo de Tarso Fernandes disse que a Portaria 13 provoca os mesmos efeitos de um 'estado de sítio', por ser restritiva de direitos. "Ao assinar essa medida, que cerceia direitos, é como se a juíza tivesse decretado à revelia da Constituição, um estado de sítio", disse Paulo de Tarso.

O advogado lembrou que o 'estado de sítio' é um remédio previsto na Constituição Federal para anormalidades graves, e que cabe tão somente ao Congresso Nacional sua aprovação, tendo em vista que traz consigo a suspensão de garantias e direitos. "A medida está cheia de boas intenções, mas isso não justifica fazer o que a lei não autoriza", comentou Paulo de Tarso, classificando a medida como "estranha e despropositada".

Paulo de Tarso disse que não há respaldo legal que autorize a Justiça Eleitoral a adotar tal portaria. "Essa medida", analisou o advogado, "gera um precedente perigoso ao usar as eleições como pretexto para suspender a normalidade da vida nacional. Um juiz não pode negar o curso à moeda nacional. Isso é vedado por lei". Ele ressaltou que somente a União tem competência para decidir sobre ativos financeiros.

O advogado Daywsson Medeiros também tece críticas. "Todo e qualquer ordenamento jurídico deve ser feito à luz da Constituição Federal e essa medida é inconstitucional porque fere direitos constitucionais. Não se pode negar o direito de trânsito livre do dinheiro, que é considerado pela Constituição um bem móvel", analisou. "Essa portaria interfere no direito de ir e vir, no direito de fluir dessa propriedade", disse o advogado.

A medida dá poderes aos órgãos policiais para, ao abordar veículos e cidadãos, de posse de mais de R$ 1.500,00, fazer a apreensão do dinheiro para averiguação e conduzir os responsáveis à Polícia para prestar esclarecimentos. Para o promotor Sílvio Brito "a juíza foi corajosa e consciente de seu papel para inibir o abuso do poder econômico".

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