O domínio do fato de minha esquizofrenia política


Deixa eu fazer um desabafo.
Eu sou fã de José Dirceu - e acho que sua condenação não vai abalar minha admiração por ele.  Preciso falar isso, ainda que sob pena de perder alguns leitores e admiradores.  Mas devo dizer algumas coisas em minha defesa - que devem me fazer perder outros admiradores e leitores.
Admiro Dirceu pela sua história de vida e de luta.  Por ter ousado sonhar na luta armada contra o regime de opressão que sufocou o país por 21 anos.  Admiro também por ter sido fundamental à chegada do primeiro operário à presidência do Brasil, como também por tantas ações que conduziu para que o país mudasse como temos visto até aqui.  No campo da comunicação, Dirceu teve ação fundamental para ampliar a democratização, ainda tão capenga por essas bandas.
Entretanto - palavra que muito chamou minha atenção no julgamento do Mensalão -, nos últimos tempos passei a admirar também o denodo e a atenção com a justiça e o direito da atuação do Ministério Público.  Essa invenção da sociedade democrática fundamental para que nas esquinas da cidade se promova o encontro da justiça com as leis.  Em que pese minha decepção pessoal com o Procurador Geral da República - não por causa do Mensalão, mas pela inação em casos como do #Caixa2doDEMnoRN, sobre o que disse à sua coordenadora de imprensa que "não se lembrava".
Por isso, sei da seriedade da investigação do parquet.  E quero acreditar que eles conduziram o STF a um julgamento justo - se houve condenações é porque foram merecidas.
Confesso que tive medo do "entretanto" da ministra Carmen Lúcia quando reconheceu que não haviam provas cabais que ligassem Dirceu aos crimes que estavam sendo julgados.  Por outro lado, esse novo entendimento vai possibilitar aos nossos corajosos promotores, Brasil afora, que possam aprofundar algumas conclusões - que sempre foram deixadas de lado -, sempre que o envolvimento de determinadas figuras com crimes (especialmente do colarinho branco) é muito evidente nos autos mas a denúncia não é consumada porque falta "o recibo assinado", como disse a ministra.
Digo isso porque já li muitos documentos do MP. Petições, denúncias, alegações finais.  Ali você encontra translúcidos o envolvimento de figurões com os esquemas criminosos.  E eu levei muito tempo sem entender porque não eram envolvidos nas denúncias.  Não o eram porque depoimentos por si só ou outras evidências circunstanciais não eram suficientes, ao ver dos promotores, para que se conseguisse uma condenação.
O julgamento do Mensalão muda isso.
No mesmo dia em que Carla Ubarana é demitida eu publico isso.  A condenação de José Dirceu, se esse for um país em que as decisões possam se pautar pelo julgado do STF, abre caminho para que a gente possa ter certeza da condenação dos desembargadores envolvidos na Operação Judas.  Assim como também daqueles envolvidos na Operação Sinal Fechado.
Falando em Operação Sinal Fechado, a condenação de Dirceu abre o caminho para que sejam julgados e condenados políticos de peso do RN.  Não apenas João Faustino ou os ex-governadores Wilma e Iberê, mas também o senador José Agripino Maia, que teria recebido R$ 1 milhão do esquema de George Olímpio.  Basta que o mesmo Procurador Geral da República tenha a honra de denunciá-lo ao STF.
Se olharmos para a Operação Pecado Capital podemos ter como certa a condenação do deputado estadual Gilson Moura, para quem Rychardson Macedo e seu irmão na verdade trabalhavam.
E se o #Caixa2doDEMnoRN um dia for denunciado pelo PGR, podemos estar certos da condenação de Rosalba Ciarlini, Betinho Rosado e Carlos Augusto Rosado.
Mas me deixe falar em Dirceu.
Eu sempre soube que houve crime no que chamamos de Mensalão.  Aliás, esse é um dos motivos pelos quais eu sou filiado ao PCdoB - mas essa é outra história.  Não li os autos do processo, mas sempre duvidei da tese do pagamento mensal ou periódico de dinheiro para que se votasse em favor do governo.  Ainda não me convenci disso - até porque eu acho que se é para comprar a consciência de um parlamentar nada seria mais eficiente que se responsabilizar por suas contas e dívidas de campanha. Por pelo menos uma legislatura você garantiria a lealdade de todos, o apoio e o voto.
Sobre a participação ou não de Dirceu no esquema, nunca tive certezas.  Espero que ele tenha tido um julgamento justo.
Anos atrás, quando dos esquemas de corrupção do governo FHC, articulados pelo falecido ministro das comunicações, Sérgio Motta, ouvi pela primeira vez a tese que, recentemente, ouvi de um promotor sobre Dirceu.  Aliás, o promotor citara Motta também.  A tese é de que ambos, Motta e Dirceu, tentaram implantar no governo os mesmos esquemas de sobrevivência e manutenção das organizações da luta armada.  Afinal, ali era fundamental a manutenção de esquemas clandestinos de financiamento e a lavagem do dinheiro - a luta não se faria sem a clandestinidade.  Desse modo, operando nos governos em prol do que se acreditava, os dois repetiriam o processo.
Não à toa, nenhum dos réus do Mensalão foi denunciado por enriquecimento ilícito - o que é que tenha havido não visava o bolso de ninguém, mas o poder e sua manutenção.  De igual modo, exceto pelo processo de Privatização denunciado no livro de Amaury Ribeiro Júnior ("A Privataria Tucana") em que muitos tucanos enriqueceram, não se tem notícia de que o Mensalão Tucano ou outros processos visavam o enriquecimento de Azeredo ou de FHC.  Era tudo em prol de um programa de poder para se implantar um modelo de estado e sociedade a partir do executivo e do legislativo em Brasília.
Dito isto, reforço que sou fã de Dirceu e não perco minha admiração por sua luta, sua capacidade e inteligência política devido à sua condenação.  Espero, do fundo do coração, que tenha sido um julgamento justo.  E que nossos promotores, o Procurador Geral de Justiça, Procuradores, PGR, juízes e tribunais sigam o exemplo e julguem com igual rigor os corruptos de outros partidos - notadamente DEM e PSDB.

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