Arquivos de coronel revelam acobertamento de bomba no Riocentro

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Três folhas de papel contam em detalhes a explosão da bomba no Riocentro em 1981, numa espécie de minutagem escrita à mão por ninguém menos que o comandante do DOI-Codi do Rio na época, o coronel Júlio Molinas Dias. Outros dois documentos do Exército mostram a entrada e o retorno do que restou de explosivos plásticos para a feitura da bomba, que explodiu acidentalmente no carro com dois militares durante o show do Dia dos Trabalhadores, em 30 de abril daquele ano. Esta é uma parte do arquivo pessoal de Molinas Dias, morto no início do mês durante um suposto assalto em Porto Alegre.

Os documentos foram entregues à polícia pela família do coronel reformado e estão em poder do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Na terça-feira, serão entregues para a Comissão Nacional da Verdade. Os documentos, que têm sido mantidos em sigilo, trazem ainda informações importantes sobre a prisão e morte do deputado cassado pela ditadura Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos e cuja morte foi negada pelos militares.

O "acervo" de Molinas estava guardado em sua casa e foi entregue pela família depois de sua morte. O coronel reformado tinha um arsenal com mais de vinte armas e, segundo as investigações, foi atacado por ladrões que tentavam roubar esse armamento. Foi morto com 15 tiros.

Para o presidente da Comissão de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Jair Krischke, a "minutagem" e os despachos internos do Exército "oficializam" a ação do comando do DOI-Codi na explosão da bomba no Riocentro. A bomba seria atribuída pelos militares a uma ação de terrorismo de esquerda, mas acabou explodindo no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário. No ano passado, o GLOBO revelou que Rosário levava no bolso da calça uma pequena agenda telefônica, com os nomes reais de militares e civis que atuaram na tortura do regime militar.

- Molinas passa a fazer o registro da ocorrência, com a contagem dos minutos, a partir da explosão da bomba, que foi acidental. Faz isso porque a estratégia fugiu do controle. Os outros dois despachos mostram que o próprio material da bomba foi fornecido pelo Exército e que a sobra foi devolvida para o quartel. São documentos muito reveladores, importantes para esclarecer como o episódio está ligado ao centro de comando do aparelho de repressão do estado - disse Krischke.

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PORTO ALEGRE - Missão Nº 115. Esse era o nome oficial da vigilância desencadeada pelos serviços de espionagem do Exército no centro de convenções Riocentro, no Rio, em 30 de abril de 1981, quando 20 mil pessoas ali se reuniam para um show musical em protesto contra o regime militar. Duas bombas explodiram lá, e os agentes supervisores da ação foram as únicas vítimas do episódio, que lançou suspeitas sobre atividades terroristas praticadas por militares e mergulhou em agonia uma ditadura que vinha desde 1964 e acabaria sepultada em 1985. Tudo isso a população brasileira já intuía, por meio de depoimentos. O que até agora permanecia oculto e está sendo revelado pelo jornal Zero Hora são registros de militares envolvidos no episódio e manobras de abafamento do incidente, arquitetadas por servidores da repressão.

O segredo está em arquivos que eram guardados em casa pelo coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias assassinado aos 78 anos, em 1º de novembro, em Porto Alegre, vítima de um crime ainda nebuloso. Molinas Dias era, na época do atentado, comandante do Destacamento de Operações e Informações Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro, o Aparelhão. O arquivo do coronel continha 200 páginas, várias delas encabeçadas pelo carimbo confidencial ou reservado. O calhamaço evidencia que o aparelho repressivo militar tentou maquiar o cenário do Riocentro para fazer com que as explosões parecessem obra de guerrilheiros esquerdistas.

Os registros estavam guardados pelo minucioso oficial. A unidade comandada por Molinas era responsável por espionar e reprimir opositores ao regime militar. O DOI-Codi era localizado dentro do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca. Ao se aposentar, o coronel levou para casa documentos preciosos, contando pormenores da sigilosa rotina da caserna. O dossiê deixa transparecer que a bomba no Riocentro também fez estragos dentro da sede do DOI-Codi, distante 30 quilômetros do centro de eventos.

Oficiais forjaram o cenário

Em meio aos papéis, surgem evidências de que oficiais forjaram fatos. Há inclusive uma orientação para simular o furto do veículo pertencente ao sargento que morreu na explosão, no sentido de desaparecer com pistas que seriam comprometedoras.

O acervo de Molinas foi arrecadado pela Polícia Civil gaúcha após o assassinato dele e revela detalhes inéditos do lado de dentro dos portões de uma das mais temidas unidades das Forças Armadas durante os anos de chumbo

Zero Hora teve acesso a memorandos datilografados e também manuscritos, no qual o coronel registra a mobilização que se instalou naquele quartel-sede da espionagem política do Brasil, imediatamente após a explosão. São ordens, contraordens e telefonemas com a finalidade de evitar que fatos e versões indigestas ao Exército viessem à tona.

Os papéis contêm medidas de prevenção para segurança de militares, recomendações para não serem fotografados e relação de bombas e artefatos explosivos no paiol do quartel para destruição coletiva e individual. Mas o mais espesso lote de documentos do coronel é do tempo em que ele dava as ordens no comando do DOI.

De próprio punho, o coronel Molinas teria redigido parte desses memorandos, divididos em dias, horas e minutos. Trabalho facilitado porque era detalhista. Em meio à papelada sobressaem-se relatórios sobre o desastroso atentado no centro de convenções Riocentro. Uma das duas bombas que explodiram durante um show musical acabou matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo com gravidade o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, chefe da seção de Operações do DOI-Codi.

Os papéis do coronel Molinas mostram que Rosário tinha o codinome de Agente Wagner e Wilson era chamado Dr. Marcos (militares de baixa patente eram chamados de agentes e oficiais eram doutores, na gíria da espionagem).

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O jornal Zero Hora, de Porto Alegre, teve acesso a memorandos datilografados e manuscritos guardados pelo ex-comandante do DOI-Codi Julio Miguel Molinas Dias, que registram a mobilização que se instalou naquele quartel imediatamente após a explosão no Riocentro. São ordens, contraordens e telefonemas para evitar que fatos e versões indigestas ao Exército viessem à tona.

No dia 2 de maio, um manuscrito com letra diferente à do coronel Molinas Dias revela uma tentativa de encobrir a autoria do atentado. Foi anotada (talvez por um ordenança do coronel) a necessidade de encontrar o carro particular do sargento morto e providenciar o seu recolhimento ao DOI-Codi. O objetivo pode ter sido evitar que material comprometedor, dentro do veículo, fosse apreendido pela polícia ou fotografado pela imprensa:

Foi feito contato com a secretaria de segurança para localizar o carro do Wagner (codinome do sargento) e comunicar ao DOI (carro roubado). Existe uma equipe de sobreaviso para puxar (levar) o carro.

A anotação segue:

Foi mandado ao 1º Exército (coronel Cinelli) as fotografias das placas com VPR para aproveitamento na imprensa.

A frase só ganhou sentido tempos depois, quando ex-integrantes da ditadura revelaram que agentes do DOI-Codi picharam placas de sinalização de trânsito nas imediações do Riocentro com a sigla da organização de luta armada de extrema esquerda Vanguarda Popular Revolucionário. O objetivo dos militares com a pichação era atribuir a autoria do atentado à VPR. Seria uma explosão planejada para botar a culpa em esquerdistas, como descreve o ex-delegado da Polícia Civil Cláudio Guerra no livro Memórias de uma guerra suja, lançado este ano.

O memorando relata ameaças de bomba na casa do capitão Wilson Machado, ferido e no hospital Miguel Couto:

13h01min Família do Dr. Marcos (codinome do capitão) liga para o Dr. Carmelo (outro codinome) no hospital e participa a existência de um embrulho suspeito na porta do apartamento. O Dr. Carmelo telefona ao Dr. Maurício (codinome), oficial permanente, que esta providenciando o deslocamento de uma equipe para o local. (...) sob o tapete da porta de entrada tem uma bolsa do Carrefour de material translúcido e dentro tinha dois pães, um inteiro e outro faltando um pedaço.

As supostas ameaças contra integrantes do DOI prosseguem ao longo do dia 2:

16h10min O delegado Tufic, da 14ª DP, telefona para dizer que recebeu dois telefonemas anônimos dando conta de que o capitão Paulo Renault iria jogar uma bomba no quarto do capitão hospitalizado.

16h18min Telefonema para a residência do capitão Paulo Renault, que não atende.

16h20min Ligação para a portaria do prédio que diz, possivelmente o capitão estaria viajando.

Conforme o blog do jornalista Ricardo Noblat, o capitão seria Paulo Renault, engenheiro eletrônico, perito judicial e também, supostamente, ex-agente do Serviço Nacional de Informação (SNI). Em 2005, envolveu-se na CPI dos Correios. Estaria disposto a fazer revelações em depoimento à Justiça, mas desistiu ao ter a casa metralhada.

Nas anotações de Molinas, surge outra notícia de plano para matar o oficial ferido, talvez manobra para enfatizar que o capitão do DOI tinha sido vítima de um atentado

16h45min Dr. Wilson (codinome de oficial) liga dizendo que o pessoal do hospital acha bom chamar o plantão policial e a imprensa, dizendo que tinham conhecimento de um plano para eliminar o Dr. Marcos (o capitão ferido).

22h25min Telefonema do Dr. Marino (codinome de um oficial) avisando de um telefonema anônimo para o Hospital Miguel Couto, avisando que colocariam um petardo na casa do Dr. Marcos (capitão ferido).

22h30min Telefonema para o o tenente-coronel Roberval e pede providências junto à PM.

8h25min Telefonema do coronel Prado, dizendo que o JB (Jornal do Brasil) tem reportagem em que um médico diz que o capitão estaria em condições de falar. O assunto é tratado com o coronel Cinelli.

15h50min Agente Hugo (provavelmente, codinome de policial) liga dizendo que o segurança do Riocentro está comentando que o atentado seria nosso.

Para mudar o foco e jogar a culpa do atentado fracassado no Riocentro na esquerda, Molinas rascunha uma lista de incidentes anteriores, como a suposta tentativa de ataques a unidades militares.

O texto é datilografado e enviado ao coronel Cinelli.

Antecedentes Viemos apresentar alguns fatos que comprovam a intenção das esquerdas em atingir os órgãos de segurança, em especial os DOIs, tanto no campo da agressão física como em ações psicológicas com objetivo único de desmantelar o aparato repressor ou destruí-lo.

No final de 1980 ficaram encarregados de eliminar o Exmo senhor general Antônio Bandeira, no Sul do país... O atentado seria com risco da própria vida.

Molinas conclui:

Face aos atos e fatos apresentados, somados a uma orquestração pela imprensa, acusando os DOIs como responsáveis por tudo que ocorre de mal contra as esquerdas (...) cada elemento do órgão passou a ser um alvo de justiçamento. (...) Quanto ao atentado em si, qualquer conclusão cairá no campo da especulação, correndo o risco de atentar contra a honra e a integridade de um oficial e de um sargento.

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