O retorno à Palestina do líder do Hamás Khaled Mashaal é sem dúvida um grande  dia, que enche de alegria todos os palestinos e os que apoiam os palestinos.
  
  De fato, toda a luta dos palestinos visa a trazer de volta para casa os milhões  de nossos que foram arrancados de casa e da própria terra pela selvageria dos  sionistas.
  
  Dezenas de milhares de palestinos e não palestinos deram a vida em nome de  reconquistar o direito de voltar para casa.
  
  E ninguém duvida que, até que o direito de voltar esteja ao alcance de todos os  palestinos, mais e mais palestinos e muçulmanos terão de sacrificar a vida, em  luta para reconquistar a liberdade e a libertação da Palestina.
  
  Não conheço Khaled Mashaal pessoalmente, mas sei, como jornalista e como  professor, que suas credenciais são impecáveis. Poderia ter enriquecido, como  outros 'líderes' palestinos que usaram a luta nacional dos palestinos contra o  sionismo para engordar a própria conta bancária e viver cercados de luxo à  custa de nosso povo e de nossa justa causa.
  
  A evidência de que as garras da corrupção sequer arranharam a integridade de Khaled  Mashaal honra o homem e o movimento que ele representa e coordena.
  
  Não há dúvida de que um homem que cumpre seu dever do modo mais digno, exemplar,  sempre merece todas as honras. Mas, em tempos de corrupção rampante, sobretudo  no contexto palestino, a integridade do Hamás destaca-se e é, todos os dias,  motivo de admiração e orgulho para os palestinos islâmicos e para todos os  palestinos.
  
  Desnecessário dizer, a mídia israelense e ocidental, subalterna e rendida, e que  tantas vezes apenas papagueia a narrativa israelense, evita sempre qualquer  destaque a esse traço tão característico da vida do Hamás e do modo como  administra seus recursos financeiros. O motivo é autoevidente. A mídia  israelense e ocidental, com seus numerosos apologistas, porta-vozes,  paus-mandados e cães adestrados no Ocidente, jamais noticia qualquer valor  positivo associado ao Hamás. Todos esses braços da propaganda sionista existem  para mostrar o Hamás como partido de uma resistência a ser odiada, não, como  merece, como Resistência admirada, amada e motivo de orgulho para todos os  palestinos e para todo o mundo.
  
  Claro que há divergências legítimas. Mas todos os homens e mulheres honestos do  mundo reconhecem que o Hamás é movimento legítimo de resistência, que luta para  libertar o povo palestino das garras da ocupação israelense nazistóide, que  vem, há décadas, tentando a 'limpeza' étnica, mediante o extermínio dos habitantes  originais da Palestina.
  
  O Hamás é movimento armado. Desnecessário negar. Mas é indispensável reconhecer  que sejam quais tenham sido as ações armadas do Hamás, ao longo da luta  dificílima que travam, foram sempre ações no campo da Resistência e da resposta  a ações incomparavelmente mais violentas perpetradas por Israel – que, sempre,  conta com a mais avançada tecnologia de guerra que lhes chega dos EUA.
  
  É sempre terrível que inocentes sejam mortos, em qualquer conflito. Mas quando  um país e seu povo são atacados, e o invasor vem disposto a matar todos os  habitantes originários, com projeto de genocídio étnico, as vítimas da opressão  têm direito legítimo – direito moral, nacional e também direito religioso – à  Resistência e à resposta.
  
  Verdade é que o Hamás não invadiu a terra nativa dos judeus na Polônia, em Cazaria  e na Rússia. Judeus europeus invadiram a Palestina, massacraram os povos  originários que ali encontraram, destruíram casas, mataram, e expulsaram de sua  terra os milhões de palestinos que hoje se espalham em diáspora pelo planeta. O  Hamás luta, precisamente, na Resistência contra esses invasores e ocupantes. 
  
  O Hamás – diferente nisso, também, da violência dos invasores e ocupantes –  jamais teve qualquer política oficial que visasse a assassinar deliberadamente  cidadãos israelenses tomados como 'alvos preferenciais'. Quem tornou  inevitáveis os ataques que vitimam colonos israelenses que vivem em terras dos  palestinos não foi o Hamás, mas os israelenses e as políticas israelenses de  ocupação, em que se mobilizam legiões de agentes e soldados de Israel para  deliberadamente assassinar palestinos, também civis e também crianças.
  
  Ao final de um dia de massacre dos seus, o Hamás e outros grupos da Resistência  palestina não podem sentar-se à sombra e assistir aos nazistas israelenses que  continuam a massacrar palestinos, homens, mulheres, velhos e crianças como lhes  apraza, não raras vezes, com jatos e helicópteros que fazem chover bombas sobre  tendas de campos de refugiados em Gaza, mísseis e bombas de fósforo branco. Impossível  assistir a isso e manter a passividade. Nenhum estado, nenhum exército, nenhum  grupo de Resistência que o mundo jamais tenha conhecido manteve-se jamais  passivo, vivendo como os palestinos têm de viver, sob a ocupação israelense.
  
  O Hamás e os palestinos não são 'terroristas'. São as vítimas do terror  israelense.
  
  O retorno com honra 
  
  Diferente dos agentes e operadores da OLP, que voltaram à Palestina ocupada  protegidos pelos rifles sionistas, o Hamás não pediu autorização a Israel para  a volta de Mashaal à Faixa de Gaza. Aí está aspecto importante, em comparação a  outros arranjos que se fazem na Cisjordânia, onde nenhum palestino pode entrar  no território ocupado, sem pedir autorização aos ocupantes israelenses.
  
  O movimento da Resistência islâmica pode se orgulhar: o irmão Mashaal entrou em  Gaza sem passar por nenhum bloqueio ou posto de controle israelense em nenhuma  fronteira.
  
  É hora de o estado sionista render-se, desistir da típica insolência e da arrogância  do poder e começar a ver os palestinos como seres humanos que respeitam a vida  e merecem plenamente ser tratados em pés de igualdade entre todos os seres  humanos, judeus e não judeus.
  
  Esse é o primeiro requisito para qualquer possível desescalada no confronto, que  parece existencial, entre o Islã e o sionismo no Oriente Médio. Sem isso,  enquanto o sionismo se mantiver agarrado a crenças suprematistas e  megalomaníacas, segundo as quais os judeus seriam superiores aos não judeus e,  nessa condição, merecedores de tratamento preferencial, a luta continua, sem  descanso.
  
  Mártir vivo 
  
  Em 1997, Israel tentou assassinar Khaled Mashaal. Mas a vida dos homens está  nas mãos de Deus, e Deus quis que Mashaal sobrevivesse, para voltar à terra  onde nasceu.
  
  Como disse Mashaal, ele nasceu três vezes: quando veio ao mundo, em 1956;  quando sobreviveu à tentativa de assassinato por agentes do Mossad israelense,  em Amã, Jordânia[1]; e ontem, quando pôs os  pés outra vez em terra palestina.
  
  Rezamos a Deus para que Mashaal e todos os demais refugiados palestinos  renasçam afinal para a vida eterna depois de retornados à sua terra ancestral,  a Palestina, e depois de terem podido agradecer, no 
chão, à frente da mesquita  Aqsa em Jerusalém. Amém.
[1] Essa tentativa de assassinato é tema  de um livro (documento – e leitura – absolutamente sensacionais, que não se  entende por que nunca foi traduzido para o português do Brasil), do jornalista  australliano Paul McGeough (KILL KHALID. The  Failed Mossad Assassination of Khalid Mishal and the Rise of Hamas, New  Press. 477 pp., 1999). Nesse livro, narram-se detalhadamente todos os passos dos  agentes israelenses e os primeiros movimentos do Hamás, que então se organizava  como partido político). Os criminosos israelenses foram perseguidos pela  segurança de Meshall pelas ruas de Amã e tiveram de refugiar-se na embaixada de  Israel. Informado, o rei da Jordânia enfureceu-se por Israel tentar usar o território  jordaniano para ações criminosas e cercou, com forças do Exército, a embaixada  de Israel, ameaçando explodir o prédio se Israel não fornecesse o antídoto para  o veneno usado na tentativa de assassinato. Israel tentou resistir. Mas, sob  pressão do presidente Bill Clinton dos EUA, acionado por telefone pelo rei da  Jordânia, Israel teve de ceder; e o antídoto chegou a Amã a tempo de salvar a  vida de Meshall. 
  
            Em resenha do livro, o Washington Post escreveu: "Binyamin Netanyahu era  primeiro-ministro e foi quem autorizou a operação para assassinar Meshall. No  final, e embora o Hamás não fosse parte das conversações, essa ação [criminosa]  do Mossad israelense foi um dos mil cortes pelo qual se drenou a energia vital  do processo de paz que se iniciara, cercado de esperanças, nos Acordos de Oslo  de 1993" (8/3/2009, Washington Post, em  http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/story/2009/03/06/ST2009030602806.html)  [NTs].
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