Nós somos Micarla

Por Patrício Júnior



Eu, você, ele. O Ministério Público, o Tribunal de Contas, a Câmara de Vereadores. Nós, vós, eles. O playboy de franjão, o miserável desdentado, o universitário engajado. Todos nós, durante quatro anos, fomos Micarla.

Nós elegemos esse câncer. Nós mantivemos essa infecção no poder. Nós nos despedimos tardiamente dessa arma química.

A Era Micarla foi um soco de realidade no estômago do descansado natalense, tão afeito a dizer com orgulho que detesta política. Hoje todos nós dizemos que detestamos as ruas sujas, a Educação e a Saúde sucateadas, os buracos. Será que aprendemos agora o que é e pra que serve a política?

Não encontro mais eleitores de Micarla. Me pergunto como ela conseguiu se eleger no primeiro turno. Caiamos na real: mais de cinquenta por cento da cidade votou nesta mulher. Mais da metade de nós disse sim ao micarlismo. Culpados dessa tragédia sim, mas não os únicos. Não se faça de vítima.

Elegemos uma Câmara de Vereadores leniente, que fez vista grossa a desmandos impensáveis. Reclamamos dos protestos argumentando que atrapalhavam o direito de ir e vir ― para nos acabarmos na alegria das ruas interditas pelo Carnatal 2012. Chamamos jovens enfurecidos pelo descaso, que lutaram por uma cidade melhor, de baderneiros. Concordamos com colunistas, blogueiros e jornais que amenizaram o caos ― em troca de cargos comissionados. Chegamos ao ponto de afirmar que havia uma maneira certa de protestar contra o errado.

Durante quatro anos, aceitamos o inaceitável.

Número recorde de secretários. Assessores pagos com nosso dinheiro para ser leões de chácara. Dilapidação de patrimônio material e imaterial da cidade. Desculpas esfarrapadas. Falta de profissionalismo, de entendimento da coisa pública, de transparência. Corrupção.

Repito: aceitamos tudo isso durante quatro anos.

Não tentamos mudar a cidade, no máximo de cidade. Assistindo Natal se degradar, perdendo a autoestima, acreditando no argumento de que impeachment era antidemocrático. Pergunto agora: antes tarde do que nunca?

Calamos porque temos negócios com a Prefeitura. Calamos porque acreditamos que não adiantaria nada agir diferente. Calamos porque cansamos de gritar. Calamos por qualquer motivo, por mais forte que seja, mas calamos. Nada minimiza o estrago do nosso silêncio.

Que Micarla vire adjetivo a quem comete atos vexatórios e imperdoáveis. Que vire um palavrão proibido para as crianças educadas. Que vire um substantivo que designa a junção de incompetência, desonestidade e cinismo. Mas que não esqueçamos.

Os culpados devem ir para a cadeia. Os coniventes devem ser massacrados pelo ostracismo. E os eleitores devem aprender a lição. A cobra, justamente por ser cobra, é a maior interessada em fazer com que seu ninho pareça um borboletário.

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