2/12/2012,  Ali Abunimah, Al-Jazeera
  http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/profile/ali-abunimah.html
  Um dia depois da votação na ONU que admitiu a "Palestina" como estado  não-membro, a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton elogiou publicamente  a Autoridade Palestina (AP) liderada por Mahmoud Abbas, por sua colaboração com  o exército israelense ocupante.
  
  Falando num think-tank sionista em Washington,  na 6ª-feira, Clinton defendeu a AP, que havia sido criticada pelo ministro  israelense de Negócios Exteriores Avigdor Lieberman. Segundo o jornal Ha'aretz, Clinton disse que "Com muito  pouco dinheiro e sem recursos naturais, eles [a Autoridade Palestina] conseguiu  muito, construindo uma força de segurança que trabalha junto, todos os dias,  com as IDF (Israel Defence Forces [nome oficial do exército de Israel]). Obtiveram  vários sucessos empresariais. São nacionalistas – mas amplamente seculares. Israel  deve apoiá-los."[1]
    
  São as mesmíssimas "forças de defesa de Israel" que há apenas alguns dias  estavam massacrando famílias palestinas em Gaza e assassinando palestinos na  Cisjordânia que se atreveram a protestar contra os crimes de Israel.
  
  E durante e depois do mais recente ataque contra Gaza, o mesmo exército israelense  entrou em surto de prender gente na Cisjordânia, e prendeu centenas, por  manifestarem sua opinião. 
  
  À luz do comentário de Clinton, é hora de perguntar até que ponto a Autoridade  Palestina participou daquelas ações de ódio e vingança, resultado da fúria de  Israel por ter sido derrotada em Gaza.
  
  Clinton poderia ter acrescentado que a colaboração diária com a força ocupante  não foi o único 'feito' notável da Autoridade Palestina de Abbas apoiada pelos  EUA. Durante anos, a Autoridade Palestina foi armada e treinada sob supervisão  dos EUA para agir como força auxiliar da ocupação israelense, para reprimir  todas as várias faces da Resistência palestina; para espancar e reprimir  palestinos que manifestassem sua opinião e para prender e perseguir jornalistas  que se atrevessem , a criticar a mesma Autoridade Palestina e a mesma ocupação.  
  
  O governo da Autoridade Palestina é precisamente o tipo de governo-cliente  repressor que os EUA sempre apoiaram em outros países árabes, razão pela qual  Clinton recomendou que sua parceira Israel apoie a Autoridade Palestina.
  
  O currículo da Autoridade Palestina de Abbas, no campo da colaboração com  Israel, contra o desejo e os interesses dos palestinos, é longo, vergonhoso e  muito bem documentado. Inclui conluio com Israel, EUA e o já deposto governo de  Mubarak no Egito, para derrubarem o governo eleito do Hamás depois de 2006;  conluio com Israel para enterrar o Relatório Goldstone sobre os crimes de  guerra de Israel em Gaza em 2008-2009; súplicas para que Israel não libertasse  prisioneiros palestinos, o que daria crédito ao Hamás; e, mais recentemente, a  renúncia pública, por Abbas, ao direito de retorno dos palestinos – posição aliás  já antiga da Autoridade Palestina, em todas as negociações.
  
  Essas duras realidades devem fazer ver sob outra luz as mal-orientadas  celebrações pelo resultado da votação na ONU, a qual, como já expliquei em Al Jazeera é, no melhor dos casos, equivalente  a vencer um jogo de futebol internacional; e, no pior, como Joseph Massad explicou  no Guardian, oficializa um status quo de racismo.
  
  Jogar a isca e fisgar o peixe 
  
  Apesar disso, muita gente tentou pintar a votação na ONU como grande vitória,  reagindo aos céticos com a ideia de que o resultado daria acesso aos palestinos  à Corte Criminal de Justiça [orig. International  Criminal Court (ICC)], para processar Israel por crimes de guerra. Quem, em  sã consciência acreditaria que a Autoridade Palestina de Abbas, que fez tudo o  que fez, e que Clinton elogia pela estreita colaboração com o exército  ocupante, algum dia processará Israel por algum crime de guerra? 
  
  Mas, sim, jogaram a isca e fisgaram o peixe. Imediatamente, apenas um dia  depois da votação na ONU, Abbas já jogava água fria em qualquer esperança desse  tipo. "Agora, temos o direito de recorrer à ICC, mas não usaremos esse direito  agora e só o usaremos no futuro, no caso de agressão israelense" – Abbas disse  a jornalistas. Em  Gaza ainda há  palestinos em luto, e, na Cisjordânia outros palestinos lutam para não perder  suas terras, no assalto diário pelos colonos israelenses. Mas o líder aparente dos  palestinos ainda não viu qualquer "agressão israelense".
  
  Estratégia oca 
  
  A vacuidade da votação na ONU não poderia ser mais claramente ilustrada, do que  no que todos viram acontecer – ou não acontecer – depois dela.
  
  Na 5ª-feira, a Assembleia Geral da ONU aprovou a admissão da "Palestina",  estado inexistente, como estado não membro. Na 6ª-feira, Israel anunciou a  intenção de construir mais milhares de casas para mais milhares de colonos  israelenses em território do suposto estado não membro e sem direito a voto. Qual  será, agora, a resposta internacional, depois da votação na ONU?
  
  Além das condenações rituais rotineiras, haverá, pergunto, alguma ação efetiva,  específica, real, inclusive sanções, por iniciativa de qualquer dos 138 países  que votaram a favor do pedido da "Palestina", para fazer parar a nova agressão  israelense e para fazer reverter a colonização ilegal que prossegue,  ininterrupta, desde 1967, nos territórios ocupados? Infelizmente, é pouco  provável que haja. Sinal bem claro de que a votação na ONU não passou de gesto  oco e substituto pressuposto de qualquer ação efetiva para pôr fim aos crimes  de Israel.
  
  Ajuda a lembrar que já não existe "solução dos dois esstados". Na Palestina  histórica continua a haver uma única entidade geopolítica. Não é possível que o  mundo admita que Israel continue a entrincheirar-se, com seu estado de  aparheid, racista e colonialista, naquela terra.
  
  Os palestinos ainda arrancam alguma esperança, não de gestos cenográficos ocos  na ONU, mas do movimento de base de solidariedade, que insiste em denunciar os  crimes de Israel e exigir que sejam punidos. Esse movimento, sim, marcou um  belo tento essa semana, quando o cantor Stevie Wonder cancelou sua participação  em evento previsto para arrecadar fundos para o exército de Israel, e que foi  alvo de intensa campanha de protestos.[2] 
    
  Ações como essa, de figuras do mundo cultural, indicam que a campanha pelo boicote,  desinvestimente e sanções [orig. boycott,  divestment and sanctions (BDS)], campanha que reproduz o que foi feito  contra e ajudou a derrubar o regime de apartheid da África do Sul, vem ganhando  força e legitimidade maiores a cada dia. 
  
  É campanha que não depende de negociar pressupostos direitos para criar algum  miniestado na Cisjordânia, que já nascerá sitiado por regime repressivo apoiado  pelos EUA, mas que visa a restaurar plenamente os direitos de todos os  palestinos, estejam onde estiverem.
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[1] 1/12/2012, Haaretz, em http://www.haaretz.com/news/diplomacy-defense/clinton-calls-on-israel-to-embrace-moderate-palestinians-negotiations.premium-1.481733
[2] Há notícia sobre o cancelamento em http://www.huffingtonpost.com/2012/12/01/stevie-wonder-israel-defense-forces-concert-idf_n_2223590.html
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