26/11/2012,  Robert Fisk, The Independent, UK
  http://www.independent.co.uk/voices/comment/the-suffering-of-sderot-how-its-true-inhabitants-were-wiped-from-israels-maps-and-memories-8348734.html
  Os moradores de Huj – hoje já praticamente esquecidos – ajudaram o Haganah,  milícias de judeus armados, a escapar dos britânicos, em 1948. Como  agradecimento, foram expulsos para Gaza, como refugiados. 
  
  Acho que, no fim de semana passado, encontrei a vila de Huj – mas a placa na  estrada dizia "Sderot". O mundo conhece a antiga vila, hoje, como Sderot, a  cidade israelense atingida pelos foguetes do Hamás. Até Barach Obama apareceu  por lá, para visitar. Mas Huj tem muito a ver com essa história.
  
  Pelos meus cálculos e mapas, a vila, há muito tempo destruída, fica do outro  lado de uns campos, em frente a um centro recreativo, próximo à entrada de  Sderot, uma fileira de casas velhas dispostas em círculo, onde crianças  israelenses brincavam na tarde do Shabat.
  
  Os habitantes de Huj eram todos palestinos árabes muçulmanos e, ironia das  ironias, davam-se muito bem com os judeus da Palestina. Devemos agradecer ao  historiador israelense Benny Morris a redescoberta da história deles, tão  sombria quanto carregada de dor e tristeza.
  
  A tragédia de Huj tem data conhecida: 31/5/1948. Foi quando o 7º Batalhão da  Brigada Israelense do Negev, que tentava escapar do avanço do exército egípcio,  chegou à vila. Nas palavras de Morris, "a brigada israelense expulsou os  moradores da vila de Huj (...), para a Faixa de Gaza". 
  
  Agradecimentos 
  
  Morris elabora: "Huj, tradicionalmente, era vila amiga dos israelenses; em 1946,  os moradores haviam escondido homens do Haganah, que estavam sendo perseguidos  por uma brigada inglesa. Em meados de dezembro de 1947, durante visita a Gaza,  o mukhtar (prefeito) e seu irmão  foram assassinados por um grupo que os acusou de 'colaborar com o inimigo'. Mas  no final de maio, dada a proximidade da coluna egípcia que avançava, a Brigada  do Negev decidiu expulsar os habitantes da vila. Em seguida, os israelenses saquearam  e destruíram as casas." 
  
  Quer dizer: o povo de Huj ajudara o exército de judeus do Haganah a escapar dos  britânicos; como agradecimento, foram expulsos para Gaza, como refugiados. Segundo  Morris, três meses depois da expulsão, os três líderes dos kibbutzim judeus mais próximos chegaram a protestar, em carta  dirigida a David Ben Gurion, primeiro primeiro-ministro de Israel, contra o  tratamento dado aos seus antigos vizinhos. Bem Gurion respondeu: "Espero que o  QG dê atenção ao que vocês contam, e, no futuro, evitarei esse tipo de ação  injusta e sem justificativa, e cuidarei para acertar essas contas com o  passado, o mais depressa possível." Mas Ben Gurion não instruiu o novo exército  israelense a permitir o retorno dos moradores de Huj. 
  
  No mês seguinte, os palestinos pediram para voltar. O Departamento Israelense  de Assuntos Domésticos observou que aquelas pessoas mereceriam tratamento  especial, porque haviam sido "leais", mas o exército israelense decidiu que não  voltariam. Por isso, os palestinos de Huj tiveram de permanecer em Gaza, onde  seus descendentes vivem até hoje, ainda como refugiados.
  
  Mas a atual Sderot, escreve o historiador palestino Walid Khalidi, foi  construída em terra cultivada que pertencia a outra vila árabe palestina  chamada Najd, onde os 422 moradores muçulmanos viviam em 20 casas, plantando  limões, bananas e cereais. Tiveram destino idêntico ao do povo de Huj. Nos dias  12 e 13 de maio de 1948, a Brigada do Negev do exército de Israel – novamente,  segundo Morris – expulsou todos de suas casas. E eles também foram exilados  para Gaza. 
  
  Assim se fez a limpeza étnica da Palestina, como outro historiador israelense, Illan  Pappé, diz, sem meias palavras, do destino do povo que vivia e trabalhava a  terra sobre a qual seria construída Sderot.
  
  Ironia
  
  Veem-se Huj e Najd no mapa que Munther Khaled Abu Khader reproduziu da  Palestina do Mandato. Sderot foi fundada em 1951, mas Asraf Simi, que ali  chegou em 1962 e depois trabalhou na biblioteca da cidade, nada sabe sobre essa  história. Quando lhe perguntei, ela sacudiu os ombros. "Por aqui nada se ouve  sobre assuntos árabes. Meu tio chegou no começo, por volta de 1955, e viveu lá,  numa tenda – e todos pensávamos que essa seria uma das cidades mais modernas de  Israel! Não tenho medo de nada – mas estou feliz com o cessar-fogo. Acho que  deveríamos ir até lá e acabar com aquilo de uma vez para sempre." 
  
  Outra ironia. Asraf Simi nasceu no Marrocos e aprendeu a falar árabe com  sotaque marroquino, antes de partir para Israel, aos 17 anos. E não sabe que  hoje, na miséria de Gaza, vivem bem mais de 6 mil descendentes do povo que  vivia em Huj. Dessa matéria se faz a tragédia palestina, a Nakba – catástrofe – tão diretamente conectada com os israelenses  de Sderot.
  
  Por isso, precisamente, Israel não pode "ir lá e acabar com aquilo de uma vez  para sempre". Porque os milhares de foguetes que caem sobre os israelenses ao  longo dos últimos 12 anos vêm exatamente de onde hoje vivem as famílias que,  antes, viviam em terra que lhes pertencia e de onde foram expulsas por Israel. Por  isso Sderot tem ligação tão íntima com uma data que o presidente Obama parece  ter esquecido completamente quando aqui esteve, em visita: 1948, o ano que não  acabou.
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