As relações de Henrique e Tufi na Carta Capital

A seguir, o texto que eu produzi em colaboração para a Carta Capital.  Parte dele foi aproveitado na matéria de Cynara Menezes.



Era a manhã do dia 27 de junho de 2012 quando o Ministério Público do Rio Grande do Norte deflagrou uma Operação resultante de cerca de um ano e meio de investigações. Batizada de Assepsia, a Operação desvendou um esquema de corrupção relacionado à atuação de Organizações Sociais (OS) no Rio Grande do Norte, mas com desdobramentos em outros estados, como o Rio de Janeiro, sede da Associação Marca, principal OS investigada.

Entre outros, foram presos o ex-secretário de saúde do município de Natal, Thiago Barbosa Trindade; o ex-secretário de saúde do município do Rio de Janeiro, Antônio Carlos de Oliveira Júnior, o Maninho; sua esposa Rosimar Bravo (da Associação Marca, empresa disfarçada de Organização Social sem fins lucrativos); o secretário municipal de planejamento da prefeitura de Natal, Antônio Carlos Soares Luna; e o procurador municipal Alexandre Magno Alves de Souza, que é braço direito do ex-candidato tucano à prefeitura de Natal, o ex-deputado federal Rogério Marinho, atualmente secretário de desenvolvimento econômico do estado do Rio Grande do Norte.

Além desses, foi pedida a prisão do médico e empresário carioca Tufi Soares Meres. As investigações mostraram que Tufi comanda um grupo de empresas, algumas delas disfarçadas de organizações sociais sem fins lucrativos como a Marca, para conseguir contratos de forma fraudulenta para operar unidades hospitalares, não apenas em Natal. Somente no Hospital da Mulher Parteira Maria Correa, do governo do estado do RN na cidade de Mossoró, a Associação Marca recebeu mais de R$ 18,3 milhões entre março e outubro de 2012. O desvio estimado nesse caso chegou a pelo menos R$ 8 milhões.

Uma das formas utilizadas pela Marca para desviar recursos e remunerar seus proprietários é a quarterização de serviços a empresas ligadas ao esquema. Funcionou assim em Natal e no Hospital da Mulher em Mossoró. Além da Marca, destacam-se no esquema a Salute Sociale e a Health Solutions, todas empresas ligadas a Tufi Meres, que continua foragido.

Como resultado das investigações do MP na Operação Assepsia, em 31 de outubro a então prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), terminou afastada do cargo pelo Tribunal de Justiça do estado. A investigação descobriu que Micarla tinha contas pessoais pagas por envolvidos diretamente no esquema, possivelmente com desvio de recursos públicos.

É, no entanto, na negociação para a entrada da Associação Marca na administração do Hospital da Mulher em Mossoró que entra em cena um personagem que vincula o esquema ao deputado federal Henrique Alves (PMDB).

Em depoimento ao Ministério Público, o ex-secretário estadual de saúde, Domício Arruda afirmou que a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) tinha um compromisso pessoal para a contratação da Marca em Mossoró. Aparentemente esse compromisso foi acertado entre Tufi Meres, líder da organização criminosa, e o deputado federal Henrique Alves (PMDB) pessoalmente.

Cláudio Varela da Fonseca é identificado pelo MP do RN como lobista. Foi flagrado em conversas com envolvidos no esquema criminoso. Além disso, em seu favor aparece um depósito no valor de R$ 6.300,00 feito pela Salute Sociale, de Tufi Meres, uma das empresas do esquema. E tem fortes ligações com o PMDB local e com a família Alves.

Varela é cunhado de Francisco Alves, conhecido como Chiquinho Alves. Filho da irmã mais velha do falecido ex-ministro Aluízio Alves, patriarca do clã, e do senador Garibaldi Alves (pai), Chiquinho é primo legítimo de Henrique Alves e do ministro da Previdência Garibaldi Filho e foi responsável pela estruturação e direção da TV Cabugi, afiliada da Rede Globo em Natal e antiga emissora da família Alves.

Na primeira vez que o nome de Cláudio Varela da Fonseca aparece na investigação da Operação Assepsia ele está tentando convencer dois membros da organização criminosa, o casal Jonei e Risiely Lunkes, a estender a atuação do grupo ao município de Parnamirim, vizinho a Natal. A data da conversa interceptada com autorização judicial é 3 de julho de 2011.

A organização de Tufi Meres já havia deixado claro que "estavam 'encerrando as coisas' com ele (Cláudio) e que não iriam mais investir".

Em virtude da negativa de Tufi, Cláudio sugere que ele e o casal Risiely e Jonei Lunkes, réus na Operação Assepsia, poderiam assumir o negócio. Risiely dispensa em virtude de já estar em aviso prévio e pronta para retornar a seu estado de origem, Santa Catarina.

"O negócio é complicado porque tem que ter a entidade", diz Risiely Lunkes. Cláudio quer saber se Risiely e Jonei não poderiam indicar uma entidade para realizar o negócio. Risiely confirma mas todos estão com medo naquele momento por que estão "ferrando as OS's".

Segundo Cláudio, "essas coisas todas aconteceram porque o Tufi... ele negociou isso tudo no abate; ele negociou com o secretário e talvez com a 'mulher da prefeita'... ele falou com pessoas que não conseguiram blindar e nem sabiam como se blindar com relação a esse mercado".

Na sequência, Claudio insinua que alguém como o deputado Henrique Alves poderia dar a garantia do negócio que até então faltara. Aliás, Cláudio diz, explicitamente, que "já falou com o deputado", que indidicará alguém para ajudar a abrir o mercado da Paraíba para o esquema fraudulento das OS's.

Na conversa, ele e Rosiely deixam claro que esperam a decisão de Tufi sobre a Paraíba para irem em busca de outra empresa que pudesse implantar ali o modelo. Tufi receia não ter pernas para tocar o negócio em tantas frentes ao mesmo tempo.

E conversam também sobre as negociações com a Secretaria de Saúde do estado: "Até o Governo está devagar demais; Domício [Arruda] tá muito devagar". Em pouco tempo, o Hospital da Mulher, administrado pela Associação Marca a troco de mais R$ 18 milhões, seria inaugurado em Mossoró.

Em outra conversa entre Varela e Risiely Lunkes, ocorrida em 14 de outubro de 2011 e também flagrada na investigação do MP, Cláudio já estava morando em Brasília, trabalhando no Ministério da Previdência, e já sabia que a organização de Tufi Meres também havia desistido de negociar a entrada na Paraíba. O negócio de OS a ser aberto é em Parnamirim e Cláudio volta a pedir ajuda para encontrar uma entidade para ser parceira. Risiely cita algumas empresas, entre as quais a Pro-Saúde com quem as conversas de Cláudio avançam, segundo se depreende de outra ligação interceptada alguns dias depois, em 21 de outubro. Cláudio praticamente se oferece como facilitador de tráfico de influência, pelo fato de sua ligação com os Alves e por estar agora em Brasília, no centro do poder.

Mas a conversa mais espantosa de Claudio Varela, segundo a qualificação do próprio Ministério Público, se deu por meio do sistema de comunicação entre Blackberries (o BBM), em 29 de julho de 2011. O diálogo foi com Vicente Salek, apontado como sócio de Tufi Meres:

Claudio Varella: Bom dia! E o seguinte: Nosso amigo ai havia pedido para marcar com o dep [deputado Henrique Alves] para vor falar com ele, apesar de eu ter estado com o marido da prefeita [Miguel Weber] que se prontificou a resolver ou tentar o problema da OS aqui no estado, que agora ta no supremo. Ok

Vicente Salek: Ok , eu aviso ele

Vicente Salek: Ele ta muito atarefado

Claudio Varella: O dep chegou quarta de viagem e ja foi para alguns compromissos no interior e na segunda- dia que Tuffi queria vir - vai no Rio mais muito rapido numa audiencia.

Claudio Varella: O fato e mais profundo e gostaria com sua sensatez que você me ajudasse a montar uma estrategia junto a Tuffi, se e que ele vai aceitar.

Claudio Varella: Conversando com o dep, acertei que iria pra Brasilia colar com ele para facilitar algumas coisas que vou resolver e foi ai que el disse-me direto olhando nos meus olhos: Por favor, serei o presidente da camara e estou sendo vigiado 24hs não posso fazer contatos que possam me prejudicar. Confio em voces q quero que me preservem. Pedira a assessoria que os assuntos encaminhados passem por uma pesquisa antes de sentar com a pessoa. (...) Não sei se entendeu! Mas nosso amigo em Brasilia e o homem mais forte do congresso e ta tentando se proteger para a presidencia da camara. Eu terei la: ele, o ministro [Garibaldi Filho], o pai do ministro que e senador [Garibaldi Alves], e o senador que substituiu o ministro que e medico [Paulo Davim].


Isso mesmo: Henrique Alves, líder do PMDB na Câmara e candidato à sua presidência, articula através de Varella um encontro com o líder da organização criminosa, Tufi Meres. Ainda que tenha demonstrado preocupação em se sentar com alguém que o pudesse comprometer na corrida à presidência da casa.

Além disso, a ação parece articulada com o ministro da Previdência Garibaldi Filho, com seu pai, senador Garibaldi Alves (PMDB), e com o senador Paulo Davim (PV). Mas não é só: Cláudio Varella apresenta o deputado federal Paulo Wagner (PV), que "é pessoa de Mikarla (sic)", como integrante do grupo:

Claudio Varella: Resumindo: 2 senadores, 1 ministro e 1 deputado. Ainda tenho o dep Paulo Wagner primeiro mandato que me procurou para lhe dar uma consultoria.Paulo Wagner e pessoa de Mikarla. (...) O importante sao os resultados e eu buscaria de forma sutil. (...) Melhir para todos. Esse dep ta com forca total. Falou que Lula volta em 2014 com PMDB E PT. (...) Ando com o dep e ministro, fico la sem qualquer problema.Sao meus amigos e confiam em mim. 30 anos de amizade e discricao. (...) So pra você ter ideia, ele não recebe empresario la no gab da lideranca do PMDB onde fica, pois a PF pega as fitas pra examinar quem entrou, e assim, todo mundo querendo colocar situacoes, pra poder criar noticias. Não ew facil! Sao 11 mandatos sem qualquer processo.

E Varella diz que tudo pode dar certo e eles podem fazer um bom trabalho, entre outros motivos porque o secretário de saúde do estado [Domício Arruda] é "tio da esposa de Henrique-tenho acesso a ele, e ele sabe da minha amizade com a familia. Tenho um cunhado que e primo ligitimo de Henrique e Garibaldi.Foi quem montou a TV cabugi - concessao da Globo". Domício é tio da jornalista Laurita Arruda, atual companheira do deputado Henrique Alves. Varela é cunhado de Chiquinho Alves, primo de Henrique.

Após a interferência de Cláudio Varela para que Henrique se encontre com Tufi Meres, os dois efetivamente se encontraram. É, pelo menos, o que Tufi Meres disse em um e-mail, de setembro de 2011, interceptado na investigação:

From: merest
Sent: Wednesday, September 07, 2011 1:09 PM
To: Rosi Bravo
Cc: vicente.salek@salek.com.br monique monteiro
Subject: Natal
Rosi,boa tarde.
Breve relato para que já amanhã pela manhã vc fale c Risiely. Miguel me levou p tomar café da manhã com Francisco Vagner,da SEGELM(Secretario de Gestão,Logistica e Modernização) e Wellington Tavares(subsecretario).
-Expus toda a questão sobre a qual falamos no aeroporto ontem. -Resolveu-se: 1- A partir de amanhã a Prefeita cria uma pequena comissão,da qual eles farão parte,para solucionar as prorrogaçoes.
2- O PGE opina e trabalha pela correção da Lei das OS ,e já na proxima semana pensam aprovar na ALERN.Rosi,boa tarde.Breve relato para que já amanhã pela manhã vc fale c Risiely. Miguel me levou p tomar café da manhã com Francisco Vagner,da SEGELM(Secretario de Gestão,Logistica e Modernização) e Wellington Tavares(subsecretario).-Expus toda a questão sobre a qual falamos no aeroporto ontem. -Resolveu-se: 1- A partir de amanhã a Prefeita cria uma pequena comissão,da qual eles farão parte,para solucionar as prorrogaçoes.2- O PGE opina e trabalha pela correção da Lei das OS ,e já na proxima semana pensam aprovar na ALERN.3- Caso não consigam(entendem que conseguem),faz-se Têrmo de Parceria. 4- Este procedimento cobre todos os contratos,IGAPÓ e UPA Nova Esperança tambem.5- A SSMRN , cuja secretária Perpétua é corporativista,fica fora deste processo,tendo atuação operacional. 6- A questão pagamentos será tratada em nova reunião com novas pessoas.Não fazer nada até lá.7- Já amanhã colocar Risiely em contato com Wellington Tavares( Pai de Tobias),cel 55 84 88023232 , se colocando a disposição para eventuais docs. - No RN , Alexandre avançou e vc deve ter relato.Já levo na semana que vem o CHC-Barcelona para assinar Protocolo de intenções.No anexo, A TRibuna do RN de hj,onde o PMDB entra oficialmente no Governo Rosalba.Estive com Henrique Eduardo Alves e já falamos sobre a Gestão do Hosp Est . - Com a prorrogação dos contratos,vamos falar sobre a participação do Nucleos em todas as unidades,mas falo pessoalmente com vc.Fale um pouco com Alexandre que já coloquei à par , e me falou que ficou muito satisfeito com esta nova interlocução. Vamos falar amanhã,ok ? Volto hj no mesmo TAM que vc voltou ontem.
abs, 
Tufi 
A ficha de Henrique Alves 

Henrique Alves, ao lado do primo, o ministro Garibaldi Filho, foram condenados por improbidade administrativa pela justiça estadual do Rio Grande do Norte. A sentença da juíza Ana Cláudia Secundo da Luz e Lemos em 9 de maio de 2011 condenou ambos à "suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos e pagamento de multa no valor de 3 (três) vezes da remuneração percebida pelo agente à época (2001), com correção monetária e juros legais”. Foram proibidos, também, de “contratar com o Poder Público ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos".

O caso corre em grau de recurso no Tribunal de Justiça. Em 20 de outubro do ano passado o Procurador Geral de Justiça opinou pelo recebimento e provimento do recurso interposto pelos condenados. O julgamento do recurso foi marcado inicialmente para 15 de março deste ano mas, depois de dois adiamentos, foi retirado de pauta. O relator é o desembargador Dilermando Mota.




Há um outro processo correndo na Justiça Federal contra Henrique Alves. Com o número 0031817-63.2004.4.01.3400 o processo tem apenas o deputado como réu, trata de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito, correndo na 16a Vara Federal em Brasília.

A ação se fundamentou em informações reveladas no processo de separação judicial de Henrique Eduardo Alves e Mônica Infante de Azambuja. Ao pleitear uma pensão alimentícia maior em relação à que Alves se dispunha a pagar, ela o acusou de manter US$ 15 milhões em contas bancárias não declaradas no exterior.

As acusações da ex-mulher do deputado foram encaminhadas pelo promotor que atuou no caso da separação aos colegas do Ministério Público Federal, que propôs a ação de improbidade, diante da suspeita de "evolução patrimonial incompatível com a renda de parlamentar".

O caso foi destaque em 2002, quando Alves havia sido escolhido como candidato a vice-presidente da chapa do tucano José Serra (PSDB). Após a denúncia ter sido publicada pela revista IstoÉ, o atual líder do PMDB na Câmara Federal foi substituído pela capixaba Rita Camata na chapa de Serra.

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