Malditos índios!


De novo, lá estão eles, atravancando nosso progresso. Como em Belo Monte, os indígenas enchem o nosso saco fazendo barulho em vez de deixar o Novo Maracanã passar. O que poucos percebem é que tanto o prédio do Museu do Índio como a Escola Friendereich são espaços simbólicos do que acontece hoje na cidade. A partir do "rolo compressor" que os grandes eventos instalaram por aqui, é em momentos como esse que a população carioca revoltada com a postura governamental manifesta-se. Não se trata apenas de urbanismo.

Acompanhando as redes sociais já ouvi muita coisa: "Ninguém vai naquele museu mesmo!"; "Tem que expulsar esses índios vagabundos"; "índio tem que estar na floresta"; "o prédio é muito feio, tem que demolir mesmo", coisas do tipo. Frases que resumem como vai nossa percepção de cidadania e direitos atual.

O prédio tem valor histórico, sim. Foi criado por Darcy Ribeiro e os irmãos Villas-Boas para preservar a memória étnica de nosso povo, existe desde antes do Maracanã. Negros e indígenas formaram essa nação, e não podemos esquecer de nossa história. E os indígenas são uma etnia, menosprezar isso só porque hoje eles usam celular e roupas é a mesma coisa que não considerar alguém judeu por ele não usar chapéu, barbão e trancinhas ortodoxas.

Se o prédio está largado e fora dos circuitos culturais da cidade, a culpa é do descaso do poder público, não da população. "Ah, mas antes ninguém se importava com ele, por que agora essa grita toda?". Porque ele faz parte do mesmo contexto da Escola Friendereich: em nome dos eventos, as autoridades baixam um decreto e decidem mudar o contexto da cidade sem transparência, e com truculência.

Sem contar que a Fifa diz que é contrária à demolição, o Crea também, dizendo que não atrapalha a livre circulação. O Inepac (órgão estadual que trata do tombamento de prédios históricos) pediu o tombamento do imóvel. O Iphan (órgão federal de preservação cultural), apesar de não ter tombado, disse que é contrário. ONGs, arquitetos, urbanistas, a DPU e até a Alerj já se manifestaram contra.

Foi o mesmo com a Escola Friendereich. De um dia pro outro professores, alunos e seus familiares foram comunicados que a escola ia ser demolida. Imagine-se nessa situação! Avisaram que a escola ia para um terreno do exército, mas o próprio exército desmentiu a informação. E a escola possui adaptações para alunos cadeirantes, coisa que não está garantida no novo terreno.

O problema é sempre esse: em nome dos eventos eu planejo mal as obras (vide estádios pelo país), não envolvo as partes interessadas e se chiarem, mando o batalhão de choque. O individualismo é tão exacerbado que muitos cariocas sequer querem entender as necessidades da escola ou dos indígenas. "Se não me afeta, esses baderneiros estão só de sacanagem, derruba logo!"

Nada é transparente, a não ser as relações de Sergio Cabral com Eike Batista e a construtora Delta, interessados diretos nesse contexto. Ao povo do Rio só restam duas opções: assistir a tudo bestializado (e depois não reclamar de aumento de impostos ou do fim de áreas públicas pra pedestres e esportes) ou resistir. E no momento, a Escola Friendereich, o estádio Célio de Barros e o Museu do Índio são os espaços pra isso.

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