Prefeito do Rio ignora parecer do Conselho municipal do Patrimônio Cultural

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A polêmica sobre a demolição do prédio do antigo Museu do Índio como parte de um pacote para reurbanizar o entorno do Maracanã com vistas à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos de 2016 ganhou mais um capítulo na segunda-feira. Uma das últimas barreiras para que o imóvel — ocupado desde 2006 por índios de diversas etnias — venha ao chão foi derrubada por uma canetada. Em despacho de duas linhas no Diário Oficial, com data de sexta-feira passada, o prefeito Eduardo Paes concedeu licença para o estado demolir o imóvel. A medida contraria parecer do Conselho municipal de Proteção do Patrimônio Cultural. Em 12 dezembro do ano passado, a entidade havia aprovado, por unanimidade, um parecer contrário à demolição do imóvel, devido à importância histórica do prédio.
Na segunda-feira mesmo, o estado anunciou a contratação da empresa de engenharia que vai demolir o prédio. No total, a Copec Construções e Locações receberá R$ 586 mil para pôr abaixo o prédio em, no máximo, 30 dias. A resolução assinada pelo prefeito acabou criando uma nova discussão. A legislação que regulamenta o Conselho de Patrimônio prevê que seu papel seja apenas consultivo: caberia a Paes seguir ou não a orientação. Por outro lado, um decreto de 2001 exige a aprovação do Conselho de Patrimônio para a demolição de qualquer prédio construído no Rio antes de 1937.
— Para desconsiderar o parecer, Paes teria que revogar o decreto de 2001 — sustenta o defensor da União André Ordacgy.
André pretende entrar nesta terça-feira com recurso na Justiça Federal para tentar impedir a demolição do antigo museu. Além de citar o ato administrativo de Paes, ele argumentará que, em cartório, o imóvel continua a ser de propriedade da União. Em paralelo, a Defensoria quer atrair mobilização internacional para o caso.
— Nosso entendimento é que existe um risco de violação das minorias que ocupam o local. Faremos uma representação à Comissão Internacional de Direitos Humanos da OEA para que estude o caso e intervenha — disse André.
O imóvel, que pertencia à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), foi comprado pelo estado por cerca de R$ 60 milhões. Depois de conseguir derrubar na Justiça decisões contrárias à demolição, o estado tentou retomar, no sábado, o imóvel ocupado pelos índios. A medida acabou suspensa por liminar da Defensoria Pública que, na prática, não impede a reintegração de posse. Os defensores apenas questionaram o fato de o despejo não ter sido avisado, além da ausência de assistentes sociais.
A decisão de Paes causou polêmica também entre especialistas. A arquiteta Evelyn Furquim Werneck Lima, integrante do Conselho de Patrimônio, lamentou a atitude do prefeito:
— Nossa decisão tomou como base características do prédio e não se ele está ou não ocupado. Hoje ele ainda pode ser recuperado.
Ex-superintendente do Iphan no Rio, o arquiteto Carlos Fernando de Andrade discorda:
— O que tem importância histórica e cultural é o prédio do atual Museu do Índio. Tombar um imóvel só porque ele é antigo não garante sua preservação se faltam recursos até para manter o patrimônio que já é preservado.
Já Roberto Anderson Magalhães, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, que fez recentemente um estudo sobre a importância histórica do prédio, considerou “absurda” a decisão do prefeito. Segundo ele, não há razão para o edifício ser demolido:
— É uma decisão absurda. O prefeito nomeia os técnicos do Conselho, mas ignora a orientação do corpo técnico. Não há razão para demolir o prédio. Nos estudos que fiz, demonstrei que o prédio pode permanecer no local sem prejudicar o acesso dos torcedores ao Maracanã.
Sem saber da nova decisão da prefeitura, os índios disseram ontem que estão dispostos a brigar para evitar a derrubada do prédio:
— Estamos apreensivos com essa decisão do governo. Mas sabemos que estamos na legalidade. Temos aqui 150 indígenas, entre crianças, adultos e idosos. E vamos lutar para defender esse prédio — disse o índio Urutal Guajajara.

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