Diretor confirma edição de "material bruto" e TVU se desconfigura como TV pública

O Brasil carece, no seu processo de democratização, de um jornalismo público de qualidade.  Esse aspecto ainda é uma pendência histórica da nossa nação.
Por isso mesmo, imaginar a história da censura de conteúdo empreendida na TV Universitária da UFRN era inacreditável.  Republiquei o texto da Carta Potiguar aqui e do professor Ruy Alkmim aqui.
Confesso que estava esperando, a qualquer momento, que a UFRN ou a TVU viessem a público desmentir o fato relatado.  Qual foi o fato?
Uma repórter da TVU perguntou à secretária de educação do estado, Betânia Ramalho - que é professora da instituição -, sobre carga horária dos professores.  A pauta versava, entre outros temas, sobre tempo de leitura/preparo para os docentes.  Betânia se irritou e prometeu ligar para a reitora.
O resultado é que a matéria foi reeditada pela TVU excluindo aqui que constrangia a secretária.
Tinha de ser mentira.
É inimaginável que uma TV pública, ligada a uma universidade federal, se preste ao papel de ceder à pressão política de reitora ou secretária.  Os alunos devem aprender a fazer jornalismo?  Como será possível se é assim que se comporta a emissora da Universidade que os forma?
Eu esperava que fosse mentira.
No entanto, pela manhã, em sua página do Facebook, Marcone Maffezzolli, diretor da TVU, divulgou uma nota, segundo ele, encaminhada para a Carta Potiguar:
Considerando o texto publicado no site Carta Potiguar, seguem os seguintes esclarecimentos:
1- Em nenhum momento a direção da TV Universitária recebeu qualquer determinação superior para suprimir ou distorcer a matéria em questão;
2- A matéria foi ao ar sem nenhum prejuízo de informação, após passar por um processo de edição rotineiro e condizente com as rotinas jornalísticas;
3 – Faz parte das práticas do telejornalismo que todo “material bruto” passe por um processo de edição;
4 - Não houve e não há censura ao trabalho jornalístico da TV Universitária;
5 – A TVU valoriza e preza a autonomia editorial do telejornalismo, posicionando-se intransigentemente contra a qualquer forma de cerceamento.
Diante do exposto, ratificamos nosso compromisso com um trabalho jornalístico pautado pelos princípios de uma comunicação pública voltada para a cidadania e o fortalecimento da democracia.
Marcone Maffezzolli
Diretor da TV Universitária
Passei seis anos de minha vida redigindo notas na Petrobras que respondiam sem comprometer a empresa.  Aprendi a reconhecer tais notas.
O que de mais importante foi dito por Maffezzolli é que a matéria foi sim "mexida", como "material bruto" - o item 3 da nota do diretor é, a meu ver, o mais importante.
Ninguém estava falando em rotina de produção jornalística - falava-se sobre uma entrevistada, professora da instituição e representante do executivo estadual que irritada, reclamou à reitora da UFRN.  "Por coincidência", o trecho reclamado à repórter com ameaça de busca à reitora foi suprimido na edição.
Uma pena ver isso acontecer à UFRN e à TVU.
Betânia é a mesma secretária que disse, tempos atrás, que a Universidade nada tinha a contribuir para melhorar as condições da educação no RN.
Não sei de que lado tem mais despreparo.
Mas a questão não é só de despreparo.
A palavra é autoritarismo mesmo.  Que não combina com o espírito universitário.
Autoritarismo que, ao mesmo tempo, desconfigura a TVU como televisão pública.  Ela se parece cada vez mais com uma emissora corporativa.  E só.

Comentários