O indiozinho que foi morto por pescar

Por Camila Emboava
No Diário do Centro do Mundo

Denilson, guarani/caiová, tinha 15 anos e estava atrás de comida.
Vida dura e incerta para essa crianças

Denilson Barbosa, 15 anos, brasileiro da etnia Guarani/Caiová, morador da aldeia Tey’ikue em Caarapó, Mato Grosso do Sul, foi assassinado no dia 16. O corpo foi encontrado um dia depois em uma estrada vicinal da região. Embora tenha sido achado na estrada, ele não morreu na contramão atrapalhando o tráfego, tampouco o sábado. Pelo contrário, era a vida dele que atrapalhava o sábado do dono da fazenda onde ele tinha ido pescar com outros dois indígenas sem autorização. Foi esse o motivo pelo qual ele foi assassinado.

Três índios, dois deles menores de idade, 15 e 11 anos, pescavam em propriedade alheia. Segundo os indígenas, eles foram abordados por jagunços armados e começaram a correr. Durante a fuga, Denilson teria ficado preso em um arame farpado. Alcançado pelos pistoleiros, foi agredido e executado. Quatro dias depois de o corpo ter sido encontrado, o dono da fazenda, Orlandino Carneiro Gonçalves, declarou que foi ele quem matou o jovem. Ele teria ouvido o latido dos cães, que correram para o criadouro de peixes, e teria disparado dois tiros. Depois disso ele teria visto o jovem ferido e teria tentado levá-lo de carro até a cidade. No caminho, teria imaginado que estaria sendo perseguido por indígenas e, por isso, teria abandonado o corpo na estrada.

Mas voltemos ao motivo pelo qual Denilson foi morto. Existe sempre uma pausa quando eu escrevo sobre um assassinato; confesso que não me acostumo. Se o texto precisa responder ´por que’, eu tento: por ter pescado, por ter invadido, por ter roubado. E ainda assim fico confusa. São motivos afinal? Então leio os comentários postados nas notícias sobre o assassinato e a confissão do crime no site Midiamax News:

“Bem feito para o Indio, se queria peixe, porque não pediu ao proprietário? Que paga seus impostos em dia e produz para esta corja de atrasadores de produção comer! Se falar mal de um proprietário rural verifique se não esta falando de boca cheia! Aposto que não pediram autorização ao legitimo proprietário das terras! E não deve ter sido a primeira vez, bem como talvez não quiseram sair na base do diálogo! Do jeito que esta, daqui a pouco vai ser pecado produzir!”

“Se hoje eles não tem espaço para se reproduzirem, alguem ai acha q um dia eles terão? logico q não pois hj é assim, daqui uns dias eles chegarão nas cidades, pois a população só tende aumentar em breve sera a sua cidade, a sua casa, o seu terreno, a tua empresa, o teu comercio, isto é uma corrente não vai ter fim. SOU CONTRA QUALQUER TIPO D VIOLENCIA, INCLUSIVE INVASÃO. Acho inclusive que os defensores que em sua grande maioria tbm são descendentes de outros paises, deveriam como forma de apoio irem embora do Brasil, pois estes tbm ocupam terra indigena, querem apoiar, deem seus lares a eles, AFINAL é deles né, vamos fazer uma corrente, vc que apoia a classe indigena, leve uma familia e de sua casa seu terreno a um indigena.”



E me lembro também da matéria da revista Veja no começo de novembro, que afirmava que nas áreas reivindicadas pelos Guarani e Caiová são produzidos 60% da soja do estado, 4,3% da soja colhida no país, o que gera R$ 5 bilhões de reais. A matéria tirou do sério todos os indígenas que eu conheço e deu origem a um pedido de direito de resposta que por sua vez não deu em nada.

Penso de novo nos índios pescando naquela fazenda, onde havia criação de gado e monocultivo de soja. Agora há também um corpo enterrado, de um menino que não comeu peixe roubado naquele dia – os peixes mais caros do mundo: 5 bilhões de reais.

Agora, além do corpo enterrado, existem cerca de 500 índios naquela fazenda, que cantam rezas em guarani e dizem que não vão sair porque aquelas terras fazem parte do território tradicional Pindoroky. As áreas do entorno da reserva de Caarapó ocupadas por fazendas foram analisadas nos levantamentos feitos pelo Grupo Técnico de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá, e o relatório ainda está sob avaliação da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília. A Constituição de 1988 previa os estudos e demarcações no prazo de cinco anos, mas ninguém precisa ser especialista em física pra entender a relatividade do tempo do judiciário no Brasil. O fazendeiro Orlandino, além de ter confessado o assassinato, pediu reintegração de posse.

A reserva indígena onde o índio Denilson morava não tem peixes suficientes. Pobreza. Orlandino é vizinho de indígenas que querem a terra e os peixes deles. Pressão. Talvez Denilson tenha sido morto por causa do sentimento generalizado de injustiça que existe no país (no sul de Mato Grosso do Sul em larga escala entre índios e fazendeiros). O Brasil está muito longe de ser um país justo se considerarmos a Teoria da Justiça do filósofo americano John Rawls, que afirma que uma sociedade justa seria aquela na qual você aceitaria ser colocado de maneira aleatória, coberta por um “véu de ignorância” em relação à posição que lhe dariam.

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