Relatório mostra Marca pagando contas em nome da esposa do Controlador com dinheiro público

Acabo de ler o relatório final da auditoria da Secretaria Estadual de Saúde sobre o contrato de gestão entre o governo do RN e a Associação Marca no Hospital da Mulher em Mossoró.
Quando tive acesso a um recorte de seis páginas do relatório - sua versão completa tem 48 - publiquei-o e ficou evidenciado que a auditoria constatará o desvio de mais de R$ 8,4 milhões de recursos públicos naquele contrato.
A versão completa ajuda a entender melhor todo o processo.
Talvez a informação mais preciosa diga respeito ao fato de que o dinheiro público pagou contas do imóvel alugado pela Marca ao Controlador Geral do Estado, Anselmo Carvalho.  No relatório, aparecem contas de água em nome de Jailma Gomes de Sousa Carvalho, esposa do Controlador.
À Tribuna do Norte, Anselmo se explicou: "A despesa foi paga no período de vigência do contrato de locação. Quem aluga imóvel também paga pela água e luz".  Ele se defende ainda afirmando que nunca imaginou que a Marca estivesse envolvida em escândalos - mas mesmo que não estivesse, o escandaloso nesse caso é que um prestador de serviços do governo alugue um imóvel ao seu Controlador.  E esse secretário diga que desconhecia o fato.
Essa história lembra uma outra que diz respeito ao fato de que a SESAP contratou mas não fiscalizava os contratos em vigor no Hospital da Mulher.
Mas existem outras questões que chamam atenção e compõem um cenário desolador e de causar repulsa no caminho de entender um desvio tão volumoso de recursos:
O relatório é dividido em duas partes.  Na primeira, descrevem-se questões mais operacionais, enquanto na segunda a execução financeira do contrato.
Na primeira parte, descrevem os auditores diversas irregularidades sanitárias:
* Os profissionais da UTI do Hospital da Mulher utilizavam adornos, que são proibidos pela legislação vigente do país - o que combina com o fato de que a unidade hospitalar não possuía alvará sanitário para funcionamento.
* O Hospital da Mulher não tem lavanderia e manda tudo para o Hospital Regional Tarcísio Maia. Em carro comum, sem licença da vigilância sanitária.  Mais que isso: o mesmo carro que leva a roupa suja, traz a roupa limpa. Estamos falando de instalações hospitalares, por natureza, contaminadas.
* Por isso, não é de estranhar, que o hospital não tivesse comissão de controle de infecção hospitalar até a morte de cinco pacientes neonatais em maio de 2012.
* E, num hospital, os EPIs são de uso compartilhado - quando são usados. Além disso, funcionários circulavam da área suja para a limpa, e vice-versa.
* Quantas crianças haviam nascido na maternidade? A auditoria não pôde confirmar, já que a Marca apresentou registro de nascidos vivos incompleto.  Além disso, não apresentou os números relativos à morte de recém-nascidos.
* O relatório apresenta irregularidades na compra de medicamentos, comprados em desacordo com a lei de licitações, por meio de uma simples cotação.
* Um número elevado de AIHs (Autorização de Internação Hospitalar) não foram processadas e, por sua vez, os valores repassados pelo SUS, por falhas. Segundo o relatório de auditoria, questões referentes as AIHs geraram uma perda de R$ 636.855,48 aos cofres públicos.
* O número de cesáreas na unidade hospitalar é acima da meta do Ministério da Saúde - indício de que os médicos encaminham para a cirurgia, mais cara, desnecessariamente.
* Em reunião com o núcleo de ginecologia, a Marca acordou pagar R$ 1,2 mil por 12 horas de plantão. Mas, no fim, o contrato fechado dava pouco mais de R$ 2,6 mil por 24 h. Valor um pouco acima do combinado, mas, segundo auditoria, bem acima do valor de mercado.
* A AdventusGroup, empresa com sede no Ceará, fez contrato de três meses com o Hospital da Mulher para cirurgias eletivas. Por mês receberia R$ 60 mil, mas nos três R$ 190 mil. Ou seja, nos contratos da Marca 3 x 60 mil é igual a 190 mil, não 180 mil. Mais importante, porém, é o detalhe sórdido: a Adventus recebia R$ 60 mil no mês por cirurgias eletivas - havendo ou não procedimentos.
* Um subcontratado, o Laboratório Zona Sul, não existe no endereço indicado na documentação apresentada. Além disso, o valor atribuído ao contrato está rasurado: R$ 180.400 e, em parênteses, R$ 246 mil.
* O médico Francisco Diego Costa Dantas tem a obrigação de atuar 40 horas semanais como diretor médico do Hospital da Mulher. Em um período na vigência do contrato da Marca, Diego acumulou o cargo de diretor técnico do Hospital Regional Tarcísio Maia. Depois de deixar o cargo de direção no HRTM, consta no sistema do Ministério da Saúde que Diego trabalha 5 horas semanais ainda no HRTM, além de 40 horas em plantões. Como consegue? Como pode?
* Apesar de assumir cargos de confiança, Diego já é conhecido em páginas policiais. Francisco Diego foi preso em flagrante em 17 de agosto de 2004 na cidade de Teresina, capital do Piauí.  Diego participava de uma quadrilha que tentava fraudar o vestibular.  No momento da prisão, Diego tinha os gabaritos da prova e sete aparelhos celulares.  O processo corre na justiça estadual do Piauí com o número 0011686-43.2004.8.18.0140.
* Outro caso envolveu Diego em 2008.  Ele era presidente da Comissão Permanente de Licitações da CBTU (a troco de quê um médico seria presidente da CPL de uma empresa pública) e foi acusado por fraude em processo licitatório pelo MPF.
Na parte de gestão, há outros problemas:
* Os contratos firmados pela Marca tinham objetos ambíguos, dando margem a interpretações que poderiam redundar em prejuízo para o erário estadual.
* Os contratos não tinham assinatura de testemunhas, tinham rasuras, não foram publicados em forma nenhum em Diário Oficial. Por isso, não surpreende que outros problemas fossem detectados: O Contrato de Gestão entre Marca e governo foi assinado em 29 de fevereiro de 2012. No entanto, o contrato entre a Marca e a Salute Sociale (ambas de Tufi Meres) foi firmado treze dias antes, em 16 de fevereiro. Ou seja, a Marca contratou a Salute (duas empresas do mesmo esquema de Tufi Meres) antes de ser formalmente contratada pelo governo. E o dinheiro público pagou por isso.
* A folha de pagamento da Salute Sociale entre Março e Setembro foi de R$ 2.538.098,68. No entanto, a Marca repassou R$ 5.745.954,86 - um valor R$ 3.207.856,18 maior.
* A Marca, segundo a Auditoria, apropriou-se de pelo menos R$ 1,7 milhão de recursos públicos sem comprovar seu uso. Também consta do relatório que foram pagos pelo Estado R$ 758.379,68 referentes a despesas anteriores à assinatura de contrato.
* Usando dinheiro público, a Marca realizou outros pagamentos irregulares: pagou um DARF "PIS DEPÓSITO JUDICIAL" com dinheiro da parceria no valor de R$ 353.187,86.
* Até conta telefônica da Marca, no Rio de Janeiro, foi paga com dinheiro público do RN, além de escritórios de advocacia e assessoria contábil da capital carioca.
* A empresa The Wall, contratada por R$ 65 mil para reforma das instalações do Hospital da Mulher, recebeu R$ 155.697,62 - mais de R$ 90 mil a mais.
* Outra empresa do esquema de Tufi Meres, a OPAS, de Antonio Carlos Maninho e Rose Bravo, recebeu R$ 420 mil no contrato de gestão do Hospital da Mulher.
* A Marca, e isso já fora noticiado antes, incluiu na prestação de contas do Hospital da Mulher a integridade do FGTS de todos os seus empregados. Desse modo, foram somados indevidamente nas contas do estado com a OS um valor de R$ 3.707.561,25.
* Segundo a auditoria, "todos os repasses"do governo à Marca não percorreram os trâmites legais.
A leitura desse relatório, que tentou ser ocultado, é de causar uma profunda repulsa contra o governo Rosalba Ciarlini (DEM) e todos os envolvidos nos desvios e problemas descobertos.
Será que foi escondido porque compromete gente do primeiro escalão do governo?
Uma pena imaginar que parte dos protagonistas dessa história já o eram no #Caixa2doDEMnoRN.
Como não aceitar a impunidade?

Comentários