Rubens Lemos, a luta armada e a prisão

Desde meados do ano passado, quando comemoramos o aniversário do pastor Osório Lemos, o mais velho dos irmãos de meu pai ainda vivo, a família começou uma empreitada para contar uma história que, mesmo sendo familiar, em diversos momentos toca a história do RN e do Brasil profundamente.
Ainda durante as comemorações pelo aniversário de Osório, gravei um depoimento com Aldemir Lemos, conhecido pela esquerda como o Velho.
Aldemir tem praticamente a idade que meu pai teria.  Desse modo, nunca se viu como seu sobrinho - o que de fato é -, mas como irmão.  Aldemir é filho de Nila, a mais velha, falecida poucos anos atrás.
A preocupação de todos, aliás, é que as informações dos mais idosos terminem se perdendo sem que sejam contadas.
Já havia conversado com Aldemir sobre a trajetória de militância dele e do meu pai antes.  Foi quando Ângelo, um de meus sobrinhos baianos, esteve em Natal e queria conhecer a história do avô.  Conversamos longamente os três.
Minha conversa com Aldemir começou falando de Osório, que fora prefeito do município de Querência do Norte, no Paraná.  Perguntei se ele havia sido o primeiro político da família e, então, a conversa enveredou por esse caminho.
Ontem à noite postei no twitter alguns detalhes que sinto serem, muitas vezes, negligenciados na história de meu pai, Rubens Lemos, aqui em Natal.  Como, por exemplo, a imagem de que ele foi perseguido político pela Ditadura por ser, simplesmente, um jornalista de esquerda que expunha seus pensamentos no rádio e nos jornais.
Rubens Lemos ajudou a organizar a Ação Libertadora Nacional, de Marighella, no estado.  Depois, rompeu e organizou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário - PCBR. Ambas, organizações da luta armada.  Caiu na clandestinidade quando um aparelho do PCBR foi desbaratado e lá constava uma lista de aparelhos pelo Nordeste - dentre os quais um no RN que o tinha como fiador.  Então a Repressão tinha uma prova que o vinculava à organização.
A participação na ALN é uma das "novidades" ditas por Aldemir nesse depoimento que gravamos.  O Velho também sustenta ter certeza que meu pai nunca traiu ninguém sob tortura com um testemunho pessoal: Aldemir sempre foi companheiro de militância de Rubens e caminhou no PCBR ao seu lado.  Se meu pai tivesse aberto algum a informação, Aldemir teria sido preso. E nunca o foi.
Eles foram apresentados ao comunismo pelo meu falecido tio Abelardo - que, ironia do destino, mais tarde se tornaria sogro de Pelé.
Voltou ao Brasil, depois do Golpe no Chile em 73, com a missão de retirar um companheiro da organização do país.  Para isso, trouxe dólares que precisavam ser trocados.  Encontrado, o companheiro pediu-lhe um tempo para que pudesse participar de uma ação conjunta com outras organizações prevista para se realizar em São Paulo.  Àquela altura, a luta armada urbana estava sendo destroçada e as organizações se uniam para ações conjuntas.
Saudoso da família, Rubens veio para Natal onde, primeiro, ficou hospedado com Aldemir.  Não foi cuidadoso.  Conta Aldemir que nos primeiros dias que meu pai estava em Natal, em sua casa, encontrava pessoas na rua que perguntavam por Rubens, pois sabiam que ele estava em Natal.
Um dia saiu para trocar os dólares e foi preso no Alecrim.  Segundo o relato de Aldemir, ele caiu numa arapuca.
O companheiro que ele precisava tirar do país foi morto na ação a qual pediu para participar antes de fugir.
Vários companheiros em Natal fizeram parte do PCBR antes e/ou depois da redemocratização.  O PCBR ingressou no PT quando da organização do partido.  Mesmo assim, mantinha uma estrutura autônoma dentro do partido.  Inclusive um grupo para ações armadas.
Foi fazendo parte desse grupo que meu irmão Marcos Reale Lemos foi preso em 1986.  O filho que repetiu o pai.
Marcos era estudante na Universidade Estadual de Londrina e fazia parte do "grupo de fogo" do PCBR.  Substituiu justamente o nosso primo, Aldemir, que discordava dos métodos e do planejamento das ações do grupo armado da organização.  Ambos brincam até hoje que Marcos foi preso no lugar de Aldemir.
A ação marcaria o aniversário do PCBR.  O assalto originalmente planejado foi frustrado porque o pagamento dos trabalhadores do Pólo Petroquímico de Camaçari fora adiado.  Decidiram, então, de improviso, agir no Banco do Brasil dentro do Campus de Ondina da UFBA. Deu errado e foram presos.  Escaparam de serem mortos em diversos momentos - o primeiro logo após a prisão quando foram levados para a Aeronáutica.  Uma intervenção do senador matogrossense Carlos Bezerra os salvou.  Bezerra acionou o então ministro da Justiça, Paulo Brossard.
Marcos é o segundo filho do casamento de meu pai com Leninha.
Envolvido na política com irmãos,especialmente Wilson que faleceu há poucos meses, meu pai estava "marcado" no Paraná, para onde foi seguindo irmãos que lá já se encontravam, na segunda metade dos anos 60.  Aí decidiu vir com a mulher, Leninha, e os filhos, Lucinha e Marcos para Natal. O mais novo, Fabinho, nasceu aqui. Quando a coisa começou a apertar, mandou Leninha e os três filhos de volta para Londrina. Leninha ainda está lá. Lúcia fixou-se em Porto Alegre alguns anos atrás. Fábio também está em Londrina. Já foi até secretário por lá. Marcos fixou-se em Salvador depois de ter cumprido pena pela ação contra o Banco do Brasil. Tem três filhos baianos.
Depois vieram Rubinho, Yasmine e Camilo.  E, depois, eu.  Dos tempos de Chile, citava um filho (Juan Ernesto), cuja mãe, médica chilena, teria sido morta no Estádio Nacional logo após o Golpe de 73.
Uma das histórias mais emocionantes nisso tudo foi a do músico Alberto da Hora. Há nove anos eu editava o Jornal União, evangélico, e decidimos fazer uma pauta sobre os perseguidos nas igrejas na época da Ditadura por ocasião dos 40 anos do Golpe Militar.
Alberto da Hora, atualmente regente de corais de igrejas, havia sido preso político, mas nem seus filhos conheciam a história em detalhes.
Sua filha, a jornalista Carmem Spínola, me sugeriu seu nome. E ele disse que queria me conhecer. Só então soube que Alberto era um personagem dos relatos de meu pai. Na série que publicou com o título de "Um jornalista potiguar no exílio", ele relatava que encontrou um companheiro de rádio no caminho do DOI-CODI em Recife. Viram-se quando pararam em Mamanguape. No texto, Rubens não o identificou, mas era Alberto.
Os textos foram publicados em 89.Os aparelhos repressivos ainda estavam instalados - tanto que suspeitas pairaram sobre a morte de Glênio Sá e Alírio Guerra. O nome de Alberto não foi citado, conforme meu pai mesmo disse a ele, por medo de que terminasse exposto e ameaçado.
Alberto conta que nos dias de cadeia em Recife, mesmo sendo muito torturado, Rubens chegou a criar uma paródia de "Carinhoso", de Pixinguinha. A letra falava sobre a campainha que era acionada para avisar que um dos presos seria levado a uma sessão de tortura. A campainha, na verdade, já fazia parte da tortura porque, sabendo que alguém seria levado, ninguém sabia quem seria.
Na cadeia, foi interrogado pela equipe de Sérgio Paranhos Fleury.  Viu a morte do líder da Ação Popular, Matta Machado.
São histórias ricas que, mais do que parte da história da família Lemos, fazem parte da história do RN e do Brasil.

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