Turma de Jornalismo Impresso I da UFC lança revista a partir de documentário

Abaixo a primeira edição da revista [...] Reticências, produto da disciplina de Jornalismo Impresso I, da UFC, nesse semestre de 2012.2.



A seguir, meu texto de apresentação do produto das meninas e dos meninos:

Certos encontros e momentos da vida produzem encantamentos - daqueles que você se torna incapaz de explicar em palavras ou traduzir para quem quer que seja.

Foi assim meu encontro com o documentário de Marcelo Masagão, “Nós que aqui estamos por vós esperamos”. Porque aquilo me impactou de maneira especial, até hoje quando mostro o filme para alguém miro sua face diante da sequência final - e reveladora. Olhares espantados como aqueles que eu mesmo manifestei ao assistir pela primeira vez a produção, ainda no tempo do mestrado. Tais surpresas me encantam.

Quando decidimos, coletivamente, que produziríamos uma revista - ainda sem nome, projeto ou linha editorial - percebi que aquele filme poderia ser um bom ponto de partida. Convidei a turma de Jornalismo Impresso I para que o assistíssemos.

Lembro que uma das primeiras respostas que obtive quando perguntei o que os alunos tinham achado foi um simples e apropriado adjetivo: “mórbido”.

Uma morbidez poética e reflexiva. A partir de uma proposta que tenta observar a história do século XX através dos olhares de “pequenos personagens”, Masagão invoca o aconselhamento espiritual de Eric Hobsbawn e de Sigmund Freud. Afinal, “o historiador é o rei e Freud é a rainha”.

Essa reflexão e toda essa poesia em torno das pulsões de vida, amor e morte de um grupo de sujeitos jovens, interessados e capazes produziu a revista. Uma revista que ganhou nome - [...] reticências -, tema e pautas sobre a morte.

Henrique Oscar, quando apresenta “O auto da Compadecida”, diz que levados “pelo medo, ‘os homens terminam por fazer o que não presta, quase sem querer’. E como o diabo - por nunca ter sido homem - não entende o que é o medo, as personagens [da peça de Ariano Suassuna] explicam que é o medo da fome, do sofrimento, da morte e da solidão”.

É sobre isso a beleza do filme - a história devastadora dos homens e das mulheres do século XX é uma história de violência e morte. E, por consequência quase natural disso tudo somado à velocidade da vida moderna, é também uma história de doença mental, paranoia, depressão.

A morte nos iguala. Embora o Chicó de Ariano chegue a pensar que “só quem morre completamente é pobre, porque com os ricos a agonia continua por tanto tempo depois da morte, que chega a parecer que ou eles não morrem direito ou a morte deles é outra”, a história humana que, afinal, é bem retratada nos textos da revista [...] reticências, mostra o contrário. Gravoche, personagem menino do musical Os miseráveis, diz o que sabe o senso comum: somente na morte ricos e pobres serão iguais.

Ao decidirmos fazer esta revista, com esta temática, fomos atingidos no meio do processo por histórias comovedoras. Um incêndio em uma boate vitimou mais de 230 jovens de idades muito semelhantes aos autores desta revista. Se havia uma reflexão sobre a morte de uma perspectiva social, religiosa, espiritual e mesmo política, o que era refletido se tornou dolorosamente concreto num repente. É como se cada um daqueles jovens, de uma forma ou outra, venha, agora, a ser visto no texto destes outros universitários - que como cada brasileiro sentiram um pouco daquela dor coletiva na manhã daquele domingo em Santa Maria (RS).

E quando embalávamos o artigo de Vinicius Mateus sobre suicídio eis que a história do jovem Carlos Alexandre Azevedo nos ajuda a lembrar que o país morreu por 21 anos há pouco mais de três décadas. Filho do jornalista Dermi Azevedo, Cacá foi torturado com um ano e oito meses de idade na mesma cadeia em que seus pais estavam presos e torturados por causa da militância política contra o regime militar. Cacá nunca se livrou da tortura e da morte da alma que ela provoca - a morte o acompanhou até que o convenceu a se deixar levar por ela quase quarenta anos depois.

Dor maior de um pai que sabe ser aquela a morte da morte na vida de seu filho. “Como acontece com os crimes da ditadura de 1964/1985, o crime ficou impune. O suicídio é o limite de sua angústia”, disse Dermi.

Os ditadores estão lá, paranóicos como só eles podem ser. Masagão não os esqueceu porque esquecê-los é condenarmo-nos a tê-los de volta. Boas vidas, vidas despedaçadas, mortes honrosas, traumas de guerra: essas as inspirações.

Neste primeiro número da revista [...] reticências é a morte que nos convida a refletir - como, aliás, é ela que nos convida a refletir e a viver em todo tempo.

“Vida louca, vida breve, já que eu não posso te levar, quero que você me leve”.

Comentários

Publicação extremamente interessante! Parabéns à turma e ao professor.

Espero agora ver a versão impressa. Vocês tentarão lançá-la pela UFC?