Você ouve o povo cantar?

Hoje à tarde assisti pela segunda vez "Os miseráveis".  
A primeira, evidentemente, me fiz acompanhar de minha esposa.  A segunda, hoje, fui com minha mãe.
Concordo com uma parte das críticas de Darlano Dídimo aqui mas o fato de assistir ao filme pela segunda vez já denuncia que gostei mais do filme que ele.
Aliás, tenho minhas dúvidas se "Os miseráveis" não ocupou o lugar de melhor filme que vi na vida - lugar que era de outro musical com fortes conotações sociais e políticas, "O violinista no telhado".  As duas escolhas demonstram que gosto de musicais.  
Nunca vi "Os miseráveis" no teatro.  O violinista assisti, com José Mayer no papel de Tevye, em 2011. Tenho o filme em casa.  Terei "Os miseráveis".
Com minha mãe ao lado, algumas coisas da história de Jean Valjean ganharam outra riqueza e significado.
Mas há três momentos muito marcantes naquela história.  
Marcam porque dialogam com minhas visões de mundo como cristão, minha visão política e meu papel como pai.
Muito provavelmente a cena que mais me faz refletir na história é esta canção de Javert (aqui, Javert é Philip Quast na apresentação de 10o aniversário do musical da Broadway, em 1995):



Não publicarei a letra nem a tradução.  Javert ora a Deus pedindo que lhe permita encontrar e punir Jean Valjean.  Ele diz:
Ele sabe que seu caminho é das trevas
E o meu caminho é o do Senhor
Acontece que Valjean foi alcançado pela graça e compaixão de Deus que o fez abandonar seu ódio e seus planos de vingança.
Javert, em sua missão de fazer cumprir a lei, assisti tudo preto e branco.
A disputa entre graça e legalismo no mundo cristão é muito isso.
Em outras palavras, Javert me parece um espelho do evangelho pregado por Silas Malafaia e todos os cristãos conservadores que não acham justo ou cristão que homossexuais e outras minorias possam ter seus direitos - não apenas sociais ou políticos, como também religiosos.  Na sua prática, na sua vida e no seu discurso - no caminho do Senhor - não há espaço para perdão, para graça, para recomeço, para amor.  Amor lhe falta na fala.  O Deus a quem serve não ama.
Desafiado pelo amor e pelo perdão gracioso e divino, Javert, ao contrário do que ocorrera a Valjean, prefere morrer a viver no mundo de Valjean - o mundo de liberdade, de amor.
No contexto atual no Brasil de Malafaia, o personagem Javert e sua recusa em compreender o que significa amor e perdão - sua vida de ódio -, são plenamente educativos e esclarecedores.
O segundo momento que me tocou mais intensamente é a declaração de Valjean a Cosette.  Todos que são ou foram pais sabem como um filho representa a descoberta de quanta esperança e luz existem em nosso interior.
Valjean canta, com a pequena Cosette deitada em seu colo, que não sabia haver tanta esperança dentro dele, que a vida mudou com a chegada da menina ao seu mundo.  No epílogo, Valjean confessa que o amor pela filha o vez trocar o ódio e a vingança pelo perdão.
O terceiro momento que me impactou no filme é a grande canção da história (não acho que seja "I dreamed a dream", a propósito).
Viva a Revolução:




Você ouve o povo cantar?
Cantando a canção dos homens furiosos
Essa é a música de um povo
Que não será escravo novamente
Quando a batida do seu coração
Ecôa na batida dos tambores
Há uma vida prestes a se iniciar
Quando a manhã chegar
Você vai se unir a nossa cruzada?
Você será forte e ficará comigo?
Além da barricada
Há um mundo para se ver por muito tempo?
Então junte-se à luta
E você ganhará o direito de ser livre
Você ouve o povo cantar?
Cantando a canção dos homens furiosos
Essa é a música de um povo
Que não será escravo novamente
Quando a batida do seu coração
Ecôa na batida dos tambores
Há uma vida prestes a se iniciar
Quando a manhã chegar
Você dará tudo que pode dar
Para que nosso estandarte possa avançar?
Alguns vão morrer e alguns vão viver
Você vai se erguer e agarrar sua chance?
O sangue dos mártires
Vai regar os prados da França!
Você ouve o povo cantar?
Cantando a canção dos homens furiosos
Essa é a música de um povo
Que não será escravo novamente
Quando a batida do seu coração
Ecôa na batida dos tambores
Há uma vida prestes a se iniciar
Quando a manhã chegar

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