Afinal, quanto custou o Castelão, em Fortaleza?

Estamos realizando, estes dias, a Semana de Jornalismo da UFC.
Durante a semana, ministro um mini-curso dirigido à investigação jornalística na Copa do Mundo focando o chamado jornalismo de dados.
Para isso, fiz os alunos realizarem uma pesquisa nos Portais de Transparência relacionados à Copa do Mundo.
A pesquisa era relativamente simples: escolhemos quatro eixos da Matriz de Responsabilidade da Copa (Segurança, Mobilidade Urbana, Telecomunicações e Estádio).  Daí, os alunos precisavam responder a três perguntas: o que está presente nos Portais? O que está presente mas está incompleto?  O que está ausente?
Descobertas interessantes foram feitas.  Por exemplo, as obras previstas no eixo Segurança da Matriz de Responsabilidade de Fortaleza não trazem dados sobre execução e orçamento.
Recolhemos muitos temas interessantes e decidimos que na noite desta terça, momento em que o secretário da Copa no governo do Estado, Ferruccio Feitosa, participaria do debate, apresentaríamos os questionamentos a  respeito.
Antes, porém, houve um longo protesto do Comitê Popular da Copa que, quase, inviabilizou o evento.  Após a manifestação - justa, diga-se de passagem, mas a respeito da qual questiono o método -, o barco tocou.
Perguntei diversos elementos, mas quero destacar um que mostra a fragilidade da Transparência nos espaços públicos do país.  Diz respeito ao Castelão.
Em primeiro lugar, no Portal da Transparência do Governo Federal, consta uma confusão:

Perceba que entre a versão anterior e a modificação de dezembro de 2011 a informação sobre o financiamento para a obra muda: diminui o valor e sai do BNDES para a Caixa Econômica Federal.
O secretário e sua assessora, presentes, justificaram isso como um erro de um portal que estaria desatualizado. O financiamento foi via BNDES.
Mas não parou por aí.
O governo tem dito que a obra do Castelão apresentou uma economia de R$ 99 milhões, sendo contratado por R$ 518,6 milhões.  Esses dados apresentam diversos problemas - um deles diz respeito a dados publicados no Portal da Transparência do Governo do Ceará.

O secretário afirmou no debate da noite desta terça que o governo do estado suspendeu parte do pagamento à empreiteira (Galvão Engenharia) por segurança - uns doze milhões, e afirmou que o governo pagou um pouco mais de R$ 480 milhões.

Segundo os dados relativos ao Castelão, já foram pagos R$ 508.100.598,25, um tanto mais que o que foi afirmado pelo Secretário - que justificou tudo isso com o argumento da imprecisão da informação publicada e que nem ele nem sua secretaria são responsáveis por manter esses dados.

Contratos

Existe mais.
Preste atenção no item 12.3 do contrato de concessão do estádio:


CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA – VALOR DO CONTRATO

12.1. O valor do presente CONTRATO é de R$ 518.606.000,00 (quinhentos e dezoito milhões, seiscentos e seis mil reais), na data da celebração deste instrumento, calculado com base na totalidade dos investimentos previstos pela CONCESSIONÁRIA em seu PLANO DE NEGÓCIO e na PROPOSTA FINANCEIRA para execução do PROJETO.
12.2. O valor deste CONTRATO poderá sofrer alterações, nos termos nele previstos.

12.3. Sem prejuízo do disposto na Cláusula 13.4, o valor deste CONTRATO não inclui reajustamentos de preços.
O item a que faz referência diz
13.4. Os valores da CONTRAPRESTAÇÃO MENSAL e da REMUNERAÇÃO FIXA serão corrigidos anualmente a partir da data de apresentação da PROPOSTA FINANCEIRA da seguinte forma: (i) 85% (oitenta e cinco por cento) da correção conforme a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, e (ii) 15% (quinze por cento) da correção conforme variação dos salários dos profissionais de asseio e conservação, locação e administração de imóveis, condomínios e limpeza pública do Estado do Ceará, nos termos de Convenção Coletiva de Trabalho firmada anualmente pelo respectivo sindicato. Em ambos os casos os índices serão considerados conforme apurados no mês imediatamente anterior ao da aplicação do reajuste, sendo diretamente aplicável sem a necessidade de qualquer forma de homologação pelo PODER CONCEDENTE na forma do § 1o do artigo 5o da Lei no. 11.079/04.

13.4.1. Na hipótese de a legislação aplicável vir a permitir o reajuste de preços com periodicidade inferior a 1 (um) ano, tal permissão deverá ser ipso facto aplicada a este CONTRATO, de forma que a CONTRAPRESTAÇÃO MENSAL e a REMUNERAÇÃO FIXA sejam reajustadas com a periodicidade mínima permitida pela legislação aplicável.

Ou seja, a única possibilidade reajustamento dos valores do contrato, sem aditivo, é o ajuste anual com base na inflação.

Mas olha o que diz a informação no Portal da Transparência do Governo do Estado:



REAJUSTE DE PREÇO

APOSTILAMENTO DO CONTRATO DE CONCESSÃO ADMINISTRATIVA Nº 001/2010, CORRIGINDO OS VALORES REFERENTES AO SALDO CONTRATUAL PELO ÍNDICE DE 6,1442%, NOS TERMOS E NA FORMA DO PARECER TÉCNICO EMITIDO PELA SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO: R$ 14.914.368,49


REAJUSTE DE PREÇO

REAJUSTE DO CONTRATO DE CONCESSÃO ADMINISTRATIVA Nº 001/2010 (PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA DO ESTÁDIO CASTELÃO), ATUALIZANDO O SALDO CONTRATUAL PELO ÍNDICE 13,6262%, NOS TERMOS E NA FORMA DO PARECER TÉCNICO EMITIDO PELA SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO: R$ 12.402.842,59


Como reajusta o Saldo do Contrato se isso não pode ser feito, de acordo com os itens do contrato destacados?

Outro elemento: o secretário falou que não houve aditivo de preço no contrato. É isso mesmo que diz o Portal da Transparência, que traz um aditivo de prazo assinado em agosto de 2012:


PRORROGAÇÃO

REEQUILIBRAR O CONTRATO A FAVOR DO PODER CONCEDENTE EM DECORRÊNCIA DA REDUÇÃO DE CUSTOS QUE OCORRERÁ QUANDO DA HABILITAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA E DE SEUS SUBCONTRATADOS NO RECOPA.

26/11/2018

R$ 0,00


Certo, não pode haver ajuste no valor de acordo com esse item. Mas foi justamente isso - um reajuste - o que aconteceu, segundo a informação no Portal da Transparência.



Feitosa negou que o valor fosse os R$ 545,9 milhões - mas sim R$ 508 milhões.  Mas o Portal da Transparência até explica por que o valor sofreu um reajuste e que itens foram reajustados. Assim, em vez de R$ 99 milhões de economia, o valor ficaria na verdade em cerca de R$ 70 milhões.
Perguntas que permanecem.  Alguém deve fazê-las.

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