Carandiru: resultado do júri é marco civilizatório

Por Josias de Souza



Houve um tempo em que o horror chamava menos atenção do brasileiro do que um chumaço de algodão na paisagem do pólo sul. Despertava menos interesse do que um biquíni fio dental nas areias de Ipanema. Súbito, em 1992, no massacre do Carandiru, a PM paulista executou 111 presidiários. E o país se chocou com a quantidade.

Embora respirassem, os presos do Carandiru não passavam de abstrações. Eram narizes sem rosto. Eram acidentes genéticos. Eram nada. Eliminados em conta-gotas, como de hábito, feneceriam despercebidos. Com a carnificina, renasceram de forma espetacular. Vieram à luz em meio às trevas. Atravessados pelas balas da PM, morreram. E, com a morte, ganharam vida. Obtiveram uma visibilidade hedionda.

A repentina notoriedade dos presos levou-os à vitrine. De respente, estavam no telejornal do horário nobre, nas manchetes dos jornais, no topo das revistas… Dali para as folhas da denúncia do Ministério Público foi um pulo. O ritmo de tartaruga paraplégica do Judiciário retardou o julgamento. Porém…

Na madrugada deste domingo (21), com mais de duas décadas de atraso, o Tribunal do Júri condenou 23 policiais pelo assassinato de 13 dos 111 eliminados. Somadas, as penas chegam a 156 anos para cada um. A coisa é ainda provisória. Há outros PMs por julgar. Ninguém foi em cana. Virão agora os recursos. Um, dois, três, sabe-se lá quantos! No fim das contas, pode não dar em nada. Mas o júri condenou!

Num país que celebra o bordão segundo o qual bandido bom é bandido morto, jurado condenando policial que passou presidiário nas armas não é pouca coisa. É uma espécie de marco civilizatório. A plateia mal se refez da surpresa da condenação de 25 poderosos no julgamento do mensalão e já é submetida a mais essa dose de inusitado. Mantido o ritmo, o Brasil corre o risco de virar uma nação.

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