Por Idelber Avelar
Antes disso, no dia 03 de setembro de 1969, ainda dirigida por Saldanha, a Seleção Brasileira visitou Belo Horizonte e, completinha, com Pelé, Tostão, Jaizinho, Gérson, Carlos Alberto e cia., enfrentou o Galo de Dadá, que atuou com a camisa da Seleção Mineira. O Galo vivia vacas magras e amargava o pentacampeonato estadual do Cruzeiro, que acabara de igualar nosso recorde de 1956 (depois, em 1983, estabeleceríamos outro recorde, o hexa, ainda não igualado na era profissional). A presença de Zé Carlos, Piazza e Tostão com a camisa canarinho reforçava o clima de guerra. Com atuação magistral do maior lateral-esquerdo de nossa história, o uruguaio Cincunegui, o Galo venceu por 2 x 1, gols de Oldair e Dario. Pelé descontou em escandaloso impedimento (http://youtu.be/uVGC24Ud-jE). Depois da comemoração do segundo gol, Dadá levantou a camisa da Seleção Mineira, deixando a multidão entrever o uniforme do Galo por baixo. A Massa foi ao delírio e os militares não gostaram, nem do gesto, nem do resultado.
Nos anos 1970, antes da Democracia Corinthiana, os jogadores de futebol que ousavam se pronunciar sobre política ou mesmo demonstrar uma mínima consciência de classe eram implacavelmente perseguidos. O craque Afonsinho, do Botafogo, homenageado numa canção de Gilberto Gil (http://youtu.be/-HHW-UoiTtg), foi um gênio da bola que não deixava nada a dever a Dirceu Lopes, Rivellino ou Gérson, mas teve sua carreira na Seleção bloqueada como consequência de sua militância em favor dos direitos dos atletas.
Naquela atmosfera de intimidação e terror, Reinaldo, com suas declarações políticas corajosas e a famosa comemoração com o punho direito erguido, em alusão aos Black Panthers, não demorou para chamar a atenção dos poderosos. Para quem não o viu jogar, cabe a palavra de Romário, que não só idolatrou Reinaldo como também já disse que o Rei foi um centroavante superior a ele, apesar de ser menos conhecido no exterior e ter menos conquistas. Eram características de Reinaldo a inteligência genial para antever a jogada, o absurdo talento para driblar de forma seca, dentro do espaço de um guardanapo, a batida fulminante com qualquer uma das pernas, o cabeceio certeiro, apesar da baixa estatura, o senso de colocação impressionante, a arrancada implacável e a concisão na genialidade: Reinaldo não era jogador de encadear cinco ou seis dribles em sequência. Era muito mais comum que ele driblasse dois ou três defensores com um único toque. Essa capacidade de entender o espaço do campo e a projeção dos corpos chega ao paroxismo no famoso gol de placa contra o América-RN pelo Brasileirão de 1977, em que o Rei dribla toda a defesa do time potiguar com um giro do tronco, sem encostar na bola.
A partir do segundo semestre de 1977, Reinaldo passou a defender publicamente eleições diretas, a anistia e o fim da ditadura militar. Sob o título “Reinaldo, bom de bola e bom de cuca”, o jornal Movimento, ligado à oposição de esquerda à ditadura, estampava Reinaldo na capa da edição de 06 de março de 1978. Foi o suficiente para que o Almirante Heleno Nunes, Presidente da Confederação Brasileira de Desportos, que em janeiro de 78 havia saudado Reinaldo como a grande revelação da Seleção (http://bit.ly/Zp8Zvw), declarasse que “Reinaldo não possui as condições físicas exigidas por uma competição de alto nível” (http://bit.ly/Zp9xBA). Ficou clara a manobra de Heleno Nunes, que tentava excluir Reinaldo da Seleção Brasileira na Copa de 1978, num momento em que o atacante estava em seu auge.
Pela primeira vez desde Afonsinho, voltava à esfera pública o debate sobre os direitos de os jogadores se posicionarem politicamente. Reinaldo passou a receber centenas de cartas de solidariedade, o próprio jornal Movimento fez outra matéria denunciando a manobra e o técnico Cláudio Coutinho não teve como não bancar a ida do Rei à Copa da Argentina. Entre os militares, o grande medo era que, se Reinaldo marcasse um gol, ele repetisse o gesto Black Panther já conhecido nos gramados brasileiros. A Argentina vivia, naquele momento, uma ditadura militar sanguinária, que terminaria em 1983 com o saldo de mais de 20.000 mortos e desaparecidos. A Copa do Mundo era, naquele ano, seu grande instrumento de propaganda.
Quando ficou claro que não seria possível excluir da Seleção o jogador que havia chegado à absurda marca de 1,55 gol por jogo no Campeonato Brasileiro, o próprio Almirante Heleno Nunes e o diretor da CBD na época, André Richer, chefe da delegação brasileira na Copa, aconselharam-no a evitar o gesto político na comemoração dos gols. Ninguém menos que o ditador Ernesto Geisel em pessoa se dirigiu a Reinaldo no Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul, com a frase "Vai jogar bola. Deixa que a política a gente faz".
Na estreia, Reinaldo marcou o gol do Brasil no empate em 1 x 1 contra a Suécia e não se acovardou. Comemorou o tento com o seu gesto Black Panther, provocando enorme mal estar entre a chefia da delegação. Depois do jogo, Reinaldo recebeu um envelope em espanhol, vindo da Venezuela, com supostas informações sobre a Operação Condor, a colaboração entre as ditaduras sul-americanas para o assassinato e desaparecimento de ativistas de esquerda ou pró-democracia. Depois do empate em 0 x 0 com a Espanha, em que toda a equipe atuou mal, Reinaldo foi substituído por Roberto Dinamite. No auge da carreira, reconhecido nacionalmente como um gênio da camisa 9, Reinaldo era tirado do time e nunca mais voltaria a jogar uma partida de Copa do Mundo pela Seleção Brasileira.
Na próxima semana, conto a história de como Reinaldo foi vítima de homofobia, apesar de ser hétero. Relatarei também algumas das misteriosas circunstâncias que cercaram a sua exclusão da Copa de 1982.
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