As eólicas e a propriedade familiar agrária

Por Francisco de Sales Matos

Ao participar das primeiras reuniões acerca da implantação dos denominados parque eólicos em nosso Estado confesso que me empolguei com a ideia e, aliás, continuo um entusiasta dela. Fonte limpa de energia, sustentável, a sua geração, na perspectiva que se apresentava, daria uma segurança ao nosso abastecimento energético. Mas, o que não se contava era com os efeitos colaterais que adviriam, especialmente com as interrupções dos processos produtivos das unidades agrárias de natureza familiar. E não se haveria, a priori, de considerá-los porque os estudos apontavam para a dimensão econômica da novel atividade como capaz de suplantar as perdas econômicas de quaisquer das atividades produtivas alcançadas. Os produtores atingidos seriam agraciados com participações no resultado econômico dos ditos projetos, como uma espécie de royalties, o que lhes renderia bem mais do que lhes então rendia suas unidades produtivas.

Acontece, porém, que nem tudo foram as flores apresentadas e prometidas. Trago aqui o exemplo dos municípios de Lagoa Nova, Tenente Laurentino e Bodó, na Serra de Santana, onde centenas de pequenos agricultores foram atingidos, inclusive um assentamento da reforma agrária e uma comunidade quilombola, e até o presente não receberam nada do que contrataram. Lá estive a convite de um grupo de pequenos produtores rurais e deles ouvi queixas no sentido de que foram ludibriados em sua boa-fé ao celebrarem contratos de arrendamentos de suas terras, sem que lhes fosse esclarecido o teor dos documentos que estavam assinando, nem as consequências obrigacionais deles decorrentes tais como a perda de suas terras, moradias, plantações, roças, legumes, enfim, a sua pequena pecuária, considerando que a realidade minifundiária de suas glebas não lhes permitirá compartilhar suas permanências com as gigantescas torres e linhas de transmissão. 

Mas, o pior estava por vir. Ao acessar alguns dos contratos de arrendamentos celebrados pude constatar a natureza adesiva deles, com cláusulas extremamente abusivas e exorbitantes, inclusive cláusulas assecuratórias de segredo do negócio contratado, tudo num verdadeiro atentado ao princípio maior da dignidade da pessoa humana, o que denota também que os arrendantes subscreveram os ditos pactos sem que tivessem tido assistência de profissional habilitado. Perguntado como estavam se comportando suas representações de classe e políticas – sindicatos e vereadores – diante de tantas injustiças e vulnerabilidade de suas sobrevivências, simplesmente disseram que os primeiros não agiam em nada e os últimos estavam tomados por um silêncio sepulcral como se algo estranho lhes embotasse a consciência, mas que foram muito eficientes na hora de pedir-lhes o voto.

O fato é que de tão grave tal fenômeno social está a merecer a intervenção imediata do Ministério Público, como defende o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do Superior Tribunal de Justiça, para quem o afastamento do órgão ministerial em tais circunstâncias implica em assegurar a continuidade de condutas abusivas, que lesam grande número de pessoas em contratos de adesão, sem qualquer perspectiva de outra ação eficaz. Ademais, não se pode olvidar que não há nos referenciados pactos previsão de indenização compatível com o desmonte das unidades produtivas. E, mais grave, a contraprestação pelo arrendamento das terras é inusitadamente coletiva e insignificante quando partilhada, enquanto os contratos são celebrados individualmente. E, para concluir as perguntas que não querem calar: como ficarão as quase duzentas famílias que serão desalojadas de suas terras e quais as consequências das interrupções dos respectivos processos produtivos? E o assentamento da reforma agrária? E a comunidade quilombola que tem proteção constitucional? Com a palavra as autoridades constituídas da Aneel, dos municípios atingidos, das representações sindicais e dos Ministérios Públicos estadual e Federal, este em face da comunidade quilombola atingida.

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