A Mão Que Descerra a Cortina

Vazamento de Informações Prejudica Investigações Federais

Por Ivenio Hermes, Marcos Dionisio Medeiros Caldas e Cezar Alves

 

Sobre a revelação de segredos de justiça, as brechas no hermetismo do judiciário, alguns fatos prejudiciais à credibilidade da justiça brasileira, a fragilidade do sistema de investigação.

 

O Estopim da Exposição

O Jornal De Fato divulgou em 5 de junho de 2013 a importante, cívica, pedagógica e corajosa decisão da Juíza Federal Emanuela Mendonça de bloquear os bens do Grupo Líder.

Veja AQUI.

Ela concluiu que nas 32 empresas consideradas integrantes do Grupo Líder, funcionários e familiares concorrem para que o grupo se furte ao cumprimento de suas obrigações legais, já que funcionam como proprietários "formais", "testas de ferro" de Edvaldo Fagundes de Albuquerque.

A magistrada agiu em atendimento ao pedido formulado pela União (Fazenda Nacional), concluiu que todas as 32 empresas e as 29 pessoas integram um mesmo grupo empresarial, sob a gestão de Edvaldo Fagundes de Albuquerque, real proprietário das empresas alcançadas pela indisponibilidade de bens. Os bens de todo grupo foram bloqueados até o montante do débito no valor de R$ 212.517.491,77, referente à execução fiscal ajuizada pela União.

Curioso como a conduta eivada de vícios de empresários amealhadores de riqueza, no país de Cabral, o navegante, é quase sempre proporcional às dívidas acumuladas por sonegação e outros artifícios nada republicanos.

Vários indicadores além de provas fundamentaram o pedido da Fazenda Nacional e a sentença da Juíza Federal:

1-    Desde o início das suas atividades na década de 90, o empresário costuma usar os nomes dos seus empregados para constituir empresas que, de fato, são suas, como por exemplo, a CIEMARSAL – COMERCIO INDÚSTRIA E EXPORTACAO DE SAL LTDA., criada em 1992, tendo como sócios Carla Lígia Leite Barra e Manoel Ivonilton de Paiva, ambos empregados do Posto Líder Ltda., de propriedade de Edvaldo Fagundes, cujos salários tornam inverossímil o investimento feito na salina e a gigantesca movimentação financeira de, por exemplo, R$ 51.749.825,97 no ano de 2004;

2-    Essa empresa CIEMARSAL possui procuração outorgada pelos ditos sócios, que mais nada seriam do que "laranjas", para Edvaldo Fagundes e os seus filhos Edvaldo Fagundes Filho e Ana Catarina Fagundes atuarem com amplos poderes de gestão e movimentação de ativos. Ou seja, liberdade completa para fazer tudo em nome dos laranjas tendo os nomes dos verdadeiros proprietários devidamente protegidos;

3-    Nas demais empresas, a Juíza Federal observou a estranha movimentação financeira da DIAMANTE CRISTAL, contrastando com a sua estrutura (6 empregados em 2011 e apenas 5 em 2012), dedicada à extração de sal, no importe de R$ 24.056.357, 07, no ano de 2011, e R$ 16.441.397,76, no ano de 2012.

Na terra em que chove bala para além do episódio histórico e teatral, pululam, conversas e comentários sobre sinais externos , internos , terrenos e aéreos de riqueza em harmonia com a sonegação e fraude  com utilização de laranjas, acerolas e outras frutas tiladas em gestões nada republicanas.

Com fartas evidências apresentadas pela União e a criteriosa análise da Juíza Federal, a estratégia do grupo empresarial foi exposta e a magistrada aplicou ao caso o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que, nas hipóteses de abuso de forma e gestão fraudulenta de empresas integrantes de um grupo econômico, admite a extensão dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica para os sócios e demais sociedades do grupo, sobretudo quando verificada a existência de unidade gerencial.

 

Sob as Luzes da Ribalta

A atitude da magistrada Emanuela Mendonça Santos Brito em bloquear os R$ 212 milhões de reais de 32 laranjas e de 28 empresas, sendo a maioria de fachada, foi uma das mais corajosas e necessárias da Comarca de Mossoró nos últimos anos e não poderia passar incólume, tendo mesmo o condão de restabelecer a esperança na justiça, no Estado de Direito e na validade do princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei.

Enquanto diante dos holofotes a magistrada era congratulada, sob as luzes da ribalta, uma vez decretado o bloqueio, a juíza enviava cópias para o Ministério Público Federal e para a Polícia Federal investigar o caso criminalmente em Mossoró, abrindo os processos investigativos de número 000.812.29.2013.4.05.8401 e 000.12.03-81.2013.4.05.8401.

Também sob as luzes da ribalta o advogado Eduardo Antonio Dantas Nobre, representante do empresário e bilionário Edvaldo Fagundes de Albuquerque, solicitou a juíza acesso a investigação e a juíza Emanuela não aceitou, levando Eduardo Nobre a direcionar o pedido no dia 20 de agosto ao Desembargador Federal e Corregedor Regional Francisco Barros Dias. Impressiona a engenhosidade. Pena que os resultados não sejam alvissareiros, ao menos, para os interessados na feitura "desse lugar um bom pais", a grande maioria.

Apenas coincidência de que o atual causídico do empresário "vitorioso" e também provedor de asas para certos segmentos, tenha encerrado sua carreira no Ministério Público Federal emitindo parecer favorável a anulação da Operação Satiagraha, anulação auferida em Junho de 2011, quando a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília anulou por três votos a dois, todos os procedimentos praticada no bojo da acima referida operação da  Polícia Federal, levada a cabo por agentes sob direção do Delegado  Protógenes Queiroz, com autorização do juiz Fausto Martin de Sanctis e a condenação do banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa , episódio  que chocou o país pelas imagens contundentes veiculadas pela Rede Globo. Chocou também porque o país ficou a saber que, por vezes, o estado brasileiro precisa se prevenir de operadores seus para se conseguir fazer Justiça contra quem pela força do capital, manipula mídia, instituições e sequestra a Cidadania brasileira. Melhor dizendo, tentar fazer Justiça. Mas, um dia, a aurora do acesso à Justiça brilhará numa manhã de desautorização das trevas.

Seria Edvaldo Fagundes de Albuquerque o Daniel Dantas potiguar?

A mesma tecnologia usada no caso Daniel Dantas e agora no caso Edvaldo Fagundes de Albuquerque poderá ainda trazer muitos dissabores ao país e a coisa pública no Rio Grande do Norte. Convém continuar a olhar as árvores sem esquecer a Floresta e mais mal assombros que estão por vir no porvir.

O acesso às provas já constituídas seria um direito do suspeito, contudo, a liberação do conteúdo de evidências que estariam sendo produzidas através de investigações, escutas telefônicas ou ainda procedimentos preparatórios para os trabalhos de investigação, acarretaria num conflito com o interesse público existente na persecução penal. E mesmo que a juíza fundamentasse e esgrimisse com galhardia seus argumentos nessas assertivas fartamente estribadas em decisões do Supremo Tribunal Federal (Leia o documento), o entendimento do Desembargador foi em determinar expressamente que a juíza autorizasse acesso ao requerente ou a outra pessoa que fosse por ele autorizada (Leia o documento), que no caso foi Jefferson Freire de Lima, ao conteúdo do que estava sendo investigado pela Polícia Federal, ou seja, aos processos investigativos de nº 000.812.29.2013.4.05.8401 e nº 000.12.03-81.2013.4.05.8401, que consequentemente poriam em risco os segredos da investigação.

Na errática história do Acesso à Justiça na América Latina as luzes do pensador mexicano Octávio Paz, continuam cintilantes, desafiadoras para os sadios operadores do Direito: "A Justiça na América Latina é forte para os fracos e fraca contra os fortes".

Possuidor de uma dívida inegociável com a Fazenda Nacional que está na ordem dos 400 milhões de reais, Edvaldo Fagundes de Albuquerque tem a seu favor uma decisão em primeira instância que determina que a juíza Emanuela Mendonça Santos Brito, dê acesso ao conteúdo de uma investigação em andamento, que contém diversos materiais sigilosos. Ficando tudo à disposição de seus advogados.

Ressalta-se que a determinação do Corregedor Federal Francisco Barros Dias proferida em 21 de agosto último, foi oriunda da demanda do advogado Eduardo Antônio Dantas Nobre recebida no dia anterior, e precisou ser cumprida no dia 22 pela juíza Emanuela Mendonça Santos Brito, numa celeridade muito grande para o sistema brasileiro. E esse cumprimento por parte da Magistrada da 8ª Vara Federal do Rio Grande do Norte resultou na exposição de segredos de justiça que prejudicam deveras uma investigação cujos resultados poderiam inaugurar uma nova era de justiça em Mossoró.

Sobre essa exposição, o Ministério Público Federal já pediu para a Corregedoria da Polícia Federal uma investigação para saber como se procedeu esse vazamento, não que seja difícil de entender toda a lógica do fluxo de informações, pois o processo que anteriormente tinha seu curso em segredo de justiça, agora tem sua totalidade exposta a público, inclusive possíveis escutas telefônicas.

 

A Mão Que Descerra a Cortina

A falta de celeridade nos processos investigativos e nas persecuções penais sempre contribuiu para a perda de credibilidade da justiça brasileira, expondo a fragilidade do nosso sistema de investigação que privilegia uns e marginaliza outros de acordo com interesses de membros de classes dominantes.

O episódio relatado poderia até comportar alguns aspectos questionáveis, mas seriam eles suficientes para justificar a conjunção de forças maiores que as da justiça e possam forçar o martelo do juiz? O judiciário não é mais tão hermeticamente protegido às ações externas e a revelação de segredos de justiça estaria condicionada a interesses maiores que não satisfazem o interesse público e à República?

Sendo assim, a quem pertenceria a mão que descerra a cortina?

 

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas. Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.

Cezar Alves, jornalista (Coluna Retratos do Oeste) do Jornal De Fato.

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