Clarín: Por que a crise na Síria estendeu-se  e se aprofundou mais do que em qualquer outro país árabe?
  
  Presidente Bashar al-Assad: Muitos elementos internos e externos contribuíram para a crise, o mais  importante dos quais é a intervenção externa adversa; daí que, porque os  cálculos dos países que intervieram na Síria eram cálculos errados, a crise se  prolongou. Aqueles estados acreditavam que o plano deles teria sucesso em  semanas ou meses, o que não aconteceu. Aconteceu que o povo sírio resistiu e  continuamos resistindo. Estamos defendendo nosso país.
  
  Clarín: O senhor sabe que, segundo  a ONU, essa guerra já fez mais de 70 mil mortos?
  
  Presidente Bashar al-Assad: Seria preciso conhecer as fontes dos  que plantam esses números. Todas as mortes são horríveis, mas muitos dos que  morreram em território sírio são mercenários que vieram para matar sírios. Tampouco  se pode esquecer que há muitos sírios desaparecidos. Qual o número de sírios  mortos e de mercenários estrangeiros mortos? Quantos desaparecidos? Não se  conhece ainda o número exato. E esse número muda muito, porque os terroristas  matam e às vezes enterram suas vítimas em covas coletivas.
  
  Clarín: O senhor descarta que pode  ter havido uso de força excessiva, desproporcional, pelos seus soldados da repressão?
    
  Presidente Bashar al-Assad: Como é que alguém pode saber se a força foi excessiva ou não? Qual é a  fórmula. Nada disso é informação objetiva. Cada um responde conforme o tipo de  terrorismo que o ataca. No início, o terrorismo era local. Em seguida começou o  terrorismo que vinha de fora, e esses terroristas traziam armamento sofisticado.  O que se deve discutir não é o volume de força empregada ou o tipo de armas,  mas o volume do terrorismo que se organizou contra a Síria e que a Síria teve  de combater.
  
  Clarín: No início da crise não teria sido  possível um diálogo que evitasse esse desenlace?
  
  Presidente Bashar al-Assad: As  demandas iniciais eram reformistas, embora essa fosse apenas uma fachada, uma  camuflagem, para dar a um plano, que já havia, um aspecto de reivindicação  reformista. Mas fizemos as reformas. Mudamos a Constituição, leis, o estado de  emergência foi anulado e anunciamos um diálogo com as forças da oposição. E a  cada passo das reformas, aumentava o terrorismo. A pergunta lógica que se tem  de fazer é: que relação há entre os terroristas e os reformistas? 
  
  Clarín: O que o senhor responde?
  
  Presidente Bashar al-Assad: Terrorismo  não pode ser o caminho para reformas. Que relação pode haver entre um terrorista  checheno e as reformas na Síria? Que relação pode haver entre um terrorista  vindo do Iraque, do Líbano ou do Afeganistão e as reformas na Síria. Levantamento  recente nos mostrou que há mercenários de 29 nacionalidades em combate na  Síria. Que relação pode haver entre todos eles e as nossas reformas na Síria? Não  faz sentido algum. Quanto a nós, nós fizemos reformas e agora também temos uma  iniciativa política para o diálogo. A base para qualquer solução política tem  de ser o desejo do povo da Síria. Isso só se pode conhecer nas urnas. Não se  conhece outra forma. E quanto ao terrorismo, ninguém deseja negociar com  terroristas. O terrorismo feriu os EUA e a Europa. E nenhum governo dialogou  com terroristas. O diálogo só é possível entre forças políticas, não com grupos  terroristas, que degola, mata, usa gases venenosos.
  
  Clarín: O senhor denuncia presença  de mercenários estrangeiros na Síria, mas sabe-se que aqui também há  combatentes do Hezbollah e do Irã.
  
  Presidente Bashar al-Assad: Síria tem 23 milhões de habitantes e  não precisa de mais gente para ajudar, venha de onde vier. Para nossa segurança,  temos exército e forças especiais. Não precisamos do Irã e do Hezbollah para nos  defender. Há aqui, sim especialistas do Hezbollah e do Irã, mas não estão em  combate e já estavam aqui antes do início dessa crise.
  
  Clarín: Entre aquelas reformas da Constituição  de que o senhor falou, considera-se garantir irrestrita liberdade de imprensa?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: O senhor talvez não  saiba que, entre várias novas leis já vigentes, há uma nova lei de imprensa.
  
  Clarín: No...
    
  Presidente Bashar al-Assad: Nós  partimos do conceito de que o primeiro passo tem de ser dialogar com as forças  políticas. Desse diálogo viria uma Carta Magna a ser submetida a referendo  popular. Essa Constituição garantirá maiores liberdades em geral. Depois dela e  baseadas nela virão novas leis e é previsível que visem a garantir liberdades  políticas e mediáticas. Mas não se pode falar de liberdade de imprensa, onde  não haja liberdades políticas em geral.
  
  Clarín: Como o senhor avalia a conferência sobre Síria planejada para fins de  setembro, por Rússia e EUA?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Recebemos bem a  reaproximação de Rússia e EUA, e esperamos que o encontro internacional ajude  os sírios. Mas não acreditamos que muitos países ocidentais desejem uma solução  efetiva na Síria. Não acreditamos que muitas das forças que apoiam os  terroristas desejem alguma solução. Apoiamos a gestão que russos e  norte-americanos estão fazendo, mas temos de ser realistas. Na Síria não  funcionará solução unilateral. Precisamos reunir, no mínimo, dois lados claros,  para dialogar.
  
  Clarín: Quem não quer solução?  As forças que se opõem ao seu governo ou as grandes potências?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Na prática, os que se  opõem ao nosso governo estão vinculados a países de fora e não têm capacidade  para tomar decisões próprias. Vivem do que recebem de fora e fazem o que são  mandados fazer pelos países que os sustentam, recebem fundos e fazem o que  aqueles países decidam. São praticamente a mesma coisa e são os que já disseram  que não querem dialogar com o estado sírio. Disseram várias vezes. A última,  foi semana passada.
  
  Clarín: Quando o senhor fala em  diálogo, pensa em dialogar com quem, do outro lado?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Já declaramos que  dialogaremos com qualquer um que queira dialogar, sem exceção. Dialogaremos em  todos os casos e circunstâncias em que esteja respeitada a capacidade livre e  soberana da Síria para decidir. Mas isso não inclui grupos terroristas. Nenhum  estado do mundo jamais dialogou com terroristas. Desde que os grupos armados  deponham armas e sentem-se para dialogar, dialogaremos com todos. Supor que  alguma conferência política conseguirá conter o terrorismo é irrealismo.
  
  Clarín: Que possibilidade há de que o diálogo  inclua essas forças externas, como os EUA, por exemplo, que supostamente  estariam apoiando os terroristas?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Desde o início, sempre  dissemos que dialogamos com qualquer país e com qualquer grupo, desde que não  sejam grupos ou países armados. É nossa única condição. Exceto essa condição, não  há outras. Entre os grupos armados que há na Síria há bandidos condenados,  procurados pela Justiça. E nem esses grupos foram excluídos do diálogo, sob a  única condição que deponham as armas. Entendemos que temos de ouvir todos os  sírios. O povo sírio decidirá quem luta por ele e quem luta contra ele. Nunca dissemos  que só aceitaríamos solução que convenha ao governo. Nunca sequer dissemos o  que o governo supõe que seja melhor para a Síria. Nós realmente entregamos a  solução ao povo sírio.
  
  Clarín: Com relação à conferência internacional  ...
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Para nós, a questão  básica de que deverá tratar qualquer conferência internacional é deter o fluxo  de dinheiro e de armas para a Síria e deter o envio de terroristas que vêm da  Turquia, financiados pelo estado qatari e outros estados do Golfo, como a  Arábia Saudita. Enquanto esses países, que não têm interesse em pôr fim à  violência na Síria, nem têm interesse em encontrar solução política, o  terrorismo continuará.
  
  Clarín: Onde o senhor coloca  Israel nessa crise?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Israel apoia diretamente  e por duas vias os grupos terroristas, dá-lhes apoio logístico e os informa  sobre como e quais locais atacar. Por exemplo, atacaram uma estação do sistema de  defesa antiaérea que detecta qualquer avião que venha de fora, especialmente de  Israel.
  
  Clarín: Caso o diálogo avance, o  senhor prevê um cronograma para que a oposição entregue as armas?
    
  Presidente  Bashar al-Assad: Eles não são uma só  entidade, são grupos e bandos, não são dezenas, mas centenas. São misturados,  cada grupo tem um cabeça local. São milhares. Quem consegue unir milhares de  pessoas? A pergunta é essa. Não se pode falar de cronograma, se se trata também  de um outro lado que não sabemos quem seja. Quando tiverem alguma estrutura  unificada, poderemos responder sobre cronogramas.
  
  Clarín: O senhor estaria  disposto a dar um passo atrás, para uma solução definitiva? O senhor está  disposto a renunciar?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Minha permanência ou  não depende do povo sírio. Não é decisão que caiba a mim, se ficou ou se parto.  Cabe ao povo sírio. Se quiserem, fica-se, se não quiserem que se fique,  parte-se. Depende da Constituição e das urnas. Nas eleições de 2014, o povo  decidirá.
  
  Clarín: Foi sugerida a  alternativa de que o senhor se demita, como condição para o fim do conflito.
    
  Presidente  Bashar al-Assad: Sou presidente eleito e  só o povo decidirá sobre minha permanência. Não se admite que alguém diga que o  presidente da Síria tem de sair porque os EUA desejam que saia, ou porque os  terroristas dizem que seria condição imposta por eles. É inadmissível.
  
  Clarín: Barack Obama deu sinais de que não  considera intervir no seu país. Mas o chanceler norte-americano, John Kerry, disse  que qualquer avanço teria de incluir sua saída do cargo.
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Não tenho conhecimento  de que Kerry ou outro receberam mandato do povo sírio para falar em nome do  povo sírio sobre quem fica ou quem sai. Já disse que qualquer decisão sobre  reformas na Síria ou ação política são decisões sírias, e não se permite que  EUA nem qualquer outro estado intervenha nessas decisões. Somos Estado  independente, não aceitamos que outros definam o que teríamos de fazer, nem os  EUA nem ninguém. Os sírios votarão nos candidatos que se apresentarem e todos  podem vencer ou perder. Será decidido pelo povo sírio. Não é possível ir àquela  conferência supondo que ali se decidirá algo que o povo sírio ainda não decidiu.  
  
  E há outro aspecto: o país está em crise e, com o barco em meio a uma tormenta,  renunciar é fugir. O presidente não pode fugir, como o capitão de um navio. Tem  o dever de devolver o barco ao ponto onde tem de estar e então as coisas  poderão ser decididas. Não sou pessoa que fuja à responsabilidade.
  
  Clarín: França, Grã-Bretanha e o próprio  Kerry denunciaram que o exército usou armas químicas, gás sarín, contra  população civil... 
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Não precisamos perder  nosso tempo com essas declarações. Armas químicas são armas de destruição  massiva. Dizem que nós as teríamos usados em áreas residenciais. Se uma bomba  nuclear fosse lançada sobre uma cidade e houvesse dez ou vinte mortos, alguém  acreditaria? Se se tivessem usado armas químicas em zona residenciais, haveria  milhares, dezenas de milhares de mortos em minutos. Todos sabem disso. Quem  poderia ocultar tal coisa? 
  
  Clarín: Então, a que o senhor  atribui essa denúncia? 
  
  Presidente  Bashar al-Assad: O tema das armas  químicas entrou em circulação quando terroristas as utilizaram em Aleppo, em Khan  al-Assal, há cerca de dois meses. Recolhemos as provas, o míssil usado e as  substâncias químicas. Analisamos tudo e enviamos carta ao Conselho de Segurança  para que enviassem missão de investigação. EUA, França e Grã-Bretanha viram-se  em situação embaraçosa e disseram que queriam enviar missão para investigar a  existência de armas químicas em outras áreas, onde alegam que teriam sido  usadas. Fizeram isso, para não investigar o ponto onde se produziu o fato real,  que já comprovamos. Um membro dessa comissão, Carla del Ponte, disse que os  terroristas eram os responsáveis. Mas nem a ONU prestou atenção ao que ela  declarou.
  
  Clarín: O senhor acredita que a  denúncia poderia abrir caminho para uma intervenção militar na Síria?
    
  Presidente  Bashar al-Assad: Se for usado como  pretexto para guerra contra a Síria, sim, é provável. Ninguém esqueceu o que  aconteceu no Iraque. Onde estavam as armas de destruição em massa de Saddam  Hussein? O ocidente mente e falsifica, para produzir guerras, é costumeiro. Mas  nenhuma guerra contra a Síria será fácil, não será um passeio. Mas, não, não se  pode descartar a possibilidade de que iniciem uma guerra contra a Síria.
  
  Clarín: Em que o senhor se baseia?
    
  Presidente  Bashar al-Assad: Já aconteceu, de parte  de Israel, já houve ataques. É possibilidade presente, especialmente depois que  conseguimos golpear os grupos terroristas em muitas zonas da Síria. Então  outros países, que você citou encomendaram ataques a Israel, contra a Síria,  para elevar a moral dos grupos terroristas. Nós supomos que, em algum momento,  se produzirá algum tipo de tentativa de intervenção, mesmo que seja limitada.
  
  Clarín: O senhor disse que  controlam a situação, mas enquanto falamos ouvem-se estrondos de artilharia na  periferia da cidade.
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Eu não disse que  controlamos a situação, porque a palavra "controlar" ou "não controlar" não se  usa quando se está em guerra com exército estrangeiro. A situação é totalmente  diferente. Os terroristas entram em zonas dispersas e fogem de um ponto para  outro. Há vastas zonas nas quais se movimentam e nenhum exército do mundo  conseguiria estar em todos os pontos.
  
  Clarín: O senhor realmente  acredita que os EUA cooperam com Qatar ou Arábia Saudita, para pôr no poder na Síria um regime ultra islâmico  wahabista?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: O ocidente não se  preocupa com governos, sejam quais forem, desde que lhes sejam leais. Querem  aqui um governo servil que faça o que eles mandem, seja que governo for. Mas o  que se vê no Afeganistão comprova que nem sempre dá certo. Esses países  apoiaram os Talibã e pagaram por isso um preço altíssimo. O perigo de tudo isso  é que os estados wahabitas querem difundir o pensamento extremista. Na Síria  temos um Islã moderado e resistiremos contra o projeto de destruir a Síria, por  todos os meios.
  
  Clarín: Nas eleições  presidenciais de 2014 haverá observadores internacionais e a imprensa terá livre acesso  para cobrir o evento?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Para ser sincero, não  sei. O tema dos observadores internacionais ainda terá de ser decidido, porque  parte da população síria não tolera a ideia de monitoramento, que não se faz em  outros países do mundo, e implica uma questão de soberania nacional. E não  confiamos no ocidente para essa tarefa. Se aceitarmos a presença de  observadores, serão de países amigos, como Rússia ou China, por exemplo.
  
  Clarín: China?
    
  Presidente  Bashar al-Assad:  ... [por que não?!]
  
  Clarín: Na entrevista que o senhor concedeu ao Clarín em Buenos Aires, o senhor  disse com firmeza que rechaçava a ideia de negar o Holocausto. Ainda mantém  essa posição?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Perdoe-me, mas por que  falar de Holocausto e não falar do que acontece na Palestina? Ou do 1,5 milhão  de iraquianos assassinados? O Holocausto é tema histórico, que exige visão  ampla e não pode ser usado como assunto político. Não sou historiador para  determinar a verdade desse tema. As questões históricas variam conforme quem  escreva a história. Por isso a história às vezes é falseada.
  
  Clarín: Desculpe, mas há alguma autocrítica  que o senhor se faça a si mesmo?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Não há sentido algum em  autocríticas antes de as coisas estarem feitas, com sucesso ou sem. Se se  assiste a um filme, é tolice criticar antes da última cena. Quando o quadro  estiver completo, então saberei o que criticar e o que não criticar.
  
  Clarín: Finalmente, o senhor tem alguma  informação sobre o paradeiro dos jornalistas James Foley, norteamericano  desaparecido aqui há seis meses, e do italiano Domenico Quirico, do italiano La Stampa, perdido há cerca de um mês  aproximadamente?
  
  Presidente  Bashar al-Assad: Alguns jornalistas  entraram ilegalmente na Síria, pelas áreas onde os terroristas estão ativos.  Houve casos em que nossos soldados conseguiram libertar alguns jornalistas que  haviam sido sequestrados por terroristas. Seja como for, sempre que temos  informação sobre jornalistas, mesmo que tenham entrado clandestinamente em  território sírio, nós transmitimos a informação ao país dele. Até o presente,  não há qualquer informação sobre os dois jornalistas que o senhor citou.
  
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19/9/2013  (enviado especial a Damasco, Marcelo Cantelmi)
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
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