Emmanuel Bezerra: Paladino e Paradigma da Liberdade

A Comissão da Verdade do RN, na pessoa de Roberto Monte, tem levado a cabo uma campanha para recuperar documentos, informações e depoimentos sobre os anos de repressão na ditadura militar no estado.
Hoje, Roberto lembrou muito Emmanuel Bezerra, jovem estudante e militante do PCR, morto no DOI-CODI de Pernambuco e cuja osada foi descoberta na cova clandestina de Perus, em São Paulo, no fim dos anos 80.
Entre o material recuperado por Roberto, um texto de meu pai em homenagem a Emmanuel quando seu corpo foi encontrado.

Por Rubens Lemos

O velho Atheneu fervilhava de estudante naquele inicio de tarde de 1968. Fui chegando de baixo do som volumosos de gritos e palavras de ordem. A mais ouvida: "Abaixo a Ditadura". Eu fora convidado pelo estudante JOSÉ SILTON para dar uma palestra em torno da música popular brasileira.

Do alto da escadaria, no saguão de entrada, lá estava ele: EMMANUEL BEZERRA. Com sua cara tipicamente interiorana, o líder da Casa do Estudante falava agitado. As palavras fluíam fáceis e convincentes. EMMANUEL esgrimia palavras como uma espada de fogo - num belo e comovente discurso contra o regime militar que sufocava as liberdades do povo. Chamava/conclamava os colegas para - ao lado do povo organizado - combater a insanidade repressora patrocinada pelos "donos do Brasil".

Policiais (pouco disfarçados) faziam plantão, dentro e fora do Atheneu. Os olhos da Ditadura estavam voltados para aquele jovem nascido em Caiçara.

Não haveria possibilidade de realização do debate para o qual haviam me convidado os secundaristas. A música era outra; A voz de EMMANUEL BEZERRA e, ele próprio, encarnando a resistência contra o arbítrio.

Muitas vezes, mesmo que rapidamente, mantivemos contato. EMMANUEL sempre se mantinha íntegro. Coragem e determinação à flor da pele.

Um dia, a repressão iniciou a caçada sistemática ao jovem líder. Ele, porém, já estava nos becos da clandestinidade. Transformara-se num guerrilheiro. EMMANUEL, O COMBATENTE.

Em 1970, eu também procurado pela Ditadura, vi-me obrigado a correr mundo. Escondido no Rio de Janeiro, pude saber notícias de EMMANUEL: ele passara a ser um dos principais dirigentes do Partido Comunista Revolucionário (PCR). Durante esse período, nunca cheguei a me encontrar com ele.

De volta à penitenciária (Colônia Penal "João Chaves") - em Natal - RN, ainda completamente massacrado pelas torturas sofridas no DOI - CODI, em Recife - PE, eu sabia, apesar de tudo, que EMMANUEL BEZERRA fora assassinado, junto com Manoel Lisboa.

A informação, obtida nos porões do DOI - CODI, era estarrecedora: EMMANUEL BEZERRA havia sido - poucos dias antes da minha chegada àquele organismo de terror - submetido às mais torpes formas de violência contra o ser humano. Todas elas comandadas, segundo a informação pelo então Coronel Cúrcio Neto, codinome Doutro Fernando. Alguns detalhes macabros: EMMANUEL BEZERRA, enfrentando o sadismo dos seus algozes, assumiu uma postura da mais alta dignidade: sabendo de tudo (ou quase tudo), não disse nada, fazendo relembrar a memorável figura de Jean Moulin, herói da Resistência Francesa, conforme André Malraux, em seu livro - documento ‘Anti - Memórias". Ensandecidos, os torturadores (teria sido, segundo me disseram, o próprio "Doutro Fernando"), cortaram a pele de EMMANUEL à base de tesoura. Sem qualquer assistência ou acompanhamento médico, sobreveio a gangrena e, posteriormente, o "tiro de misericórdia" desfechado pelo Coronel Cúrcio Neto.

O que faço, agora, é repassar o que me foi contado dentro do "círculo de ferro" do DOI - CODI, por fonte (preso político) que, não me parece, tenha estado sob qualquer suspeita da esquerda revolucionária.

O fato: o que restou de EMMANUEL foi localizado em cemitério clandestino situado a quase 4 mil kms de Recife - PE. Em princípio me causou, no mínimo, estranheza. "Alguém terá mentido?" A reflexão foi necessária e responsável para o que, hoje, me parece óbvio, em termos de conclusão: EMMANUEL era dirigente de uma Organização com profundas raízes (políticos, sociais e ideológicas) Nordestinas. O grande aparato repressor não poderia facilitar e atuou de forma profissional: translada-se o corpo para uma região, literal e geograficamente distante e distinta (em termos de valores), e ter-se-á eliminado ou embaralhado pistas. Uma questão de segurança, de acordo com a ótica da "comunidade de informação e repressão" então vigente. Infra - estrutura eles sempre tiveram para atingir os objetivos desejados. Até hoje.

De qualquer maneira, o que sabemos (e sentimos) é que EMMANUEL BEZERRA foi assassinado brutalmente por um SISTEMA cruel e desumano.

EMMANUEL BEZERRA morreu como um paladino e paradigma da liberdade do povo brasileiro. Por isso - e para revolta embutida pelos seus assassinos - ele permanece vivo.

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