Bolsa Estupro: Estatuto do Nascituro prevê reconhecimento de paternidade por estuprador

Dr. Rosinha, especial para o Viomundo

Recentemente, participei de uma campanha internacional assinando a petição da “avaaz.org” em favor da alteração do artigo 475 do Código Penal do Marrocos. Esse artigo permite que, no Marrocos, o estuprador deixe de ser processado ou escape de uma pena longa na prisão caso se case com a vítima.

Cerca de dois anos atrás, a marroquina Amina Filali, 16 anos, foi estuprada, espancada e forçada a se casar com seu estuprador. A única forma que ela encontrou para se livrar desta imposição foi o suicídio.

Amina Filali, hoje, é o símbolo da campanha para que o artigo 475 do Código Penal do Marrocos seja alterado.

Enquanto assinava a petição, lembrei-me do PL nº 478, de 2007 (Estatuto do Nascituro), que estabelece um valor mensal em dinheiro para a mulher vítima de estupro que engravidar e optar por não abortar.

Esse é o PL que as mulheres e homens que lutam pelos direitos humanos apelidaram de “Bolsa Estupro”.

O PL estabelece que caso o “pai” não seja encontrado, é o Estado que deve pagar uma bolsa mensal à mulher. Entendo que há semelhança entre o que ocorre no Marrocos e o que querem uma parte dos parlamentares do Brasil.

O Estatuto do Nascituro, se convertido em Lei, tratará a mulher de forma desumana e até cruel, pois prevê a possibilidade de o agressor reconhecer o filho, e nessa situação ele deixaria de ser o criminoso para ser o genitor.

Não bastasse isso, o PL obriga a mulher, que já é vítima do estupro, a conviver com o criminoso. Também nega à mulher o direito de aborto legal já estabelecido em Lei. Essa situação submete a mulher à humilhação cotidiana.

Os defensores da “Bolsa Estupro” alegam que o nascituro concebido em um ato de violência sexual terá: prioridade na assistência pré-natal (balela: todas as mulheres têm direitos iguais perante a Constituição); a mulher terá acompanhamento psicológico (a legislação atual e todos os programas de atendimento das mulheres vítimas de violência já garante esse direito); o filho, fruto desta violência, terá prioridade de adoção (hoje toda e qualquer criança a ser adotada obedece ao mesmo rito legal, não há necessidade de prioridades, uma vez que há o dobro de casais para adotar do que crianças para serem adotadas); a mulher e a criança terão ajuda nas despesas de saúde e educação (ora, o SUS garante todos os direitos para todos e a educação pública, hoje, é de fácil acesso, além de existir o direito às políticas sociais, como por exemplo o bolsa família).

Portanto, são alegações sem fundamento e para enganar os desinformados.

Alegam, ainda, alguns dos defensores da “Bolsa estupro”, que o PL está “garantindo a proteção do Estado às mulheres que querem ter o bebê”. Mais um argumento infundado, pois todas as mulheres vítimas de estupro que desejam manter a gestação são respeitadas e acompanhadas em todo o processo gestacional. O que eles querem (e não dizem) é acabar com o direito à interrupção da gravidez das mulheres que assim desejam. O projeto é uma violência perpetrada contra essas mulheres.

A “bolsa estupro” deixa de criminalizar o criminoso para criminalizar a mulher: “olha, ela é uma aborteira”. Esse vai ser o olhar de parte da sociedade, enquanto o criminoso vai andar pelas ruas recebendo o afago por ter “assumido a paternidade”. Enquanto ela passa a ser chamada criminosamente de “aborteira”, o verdadeiro criminoso passa a ser olhado como um homem de bem.

Sim, isso pode ocorrer, pois o PL estabelece que o estuprador sustente a criança vítima de seu crime. Não só a mulher é vítima: a criança fruto de estupro poderá, no futuro, ao tomar conhecimento de como foi gerado, fruto do crime e não do amor, se sentir vítima.

Como será educado esse filho? Como a mãe conviverá e verá o criminoso como educador?

A “bolsa estupro” vem sendo, de maneira oportunista, para não dar outros adjetivos, proposto por alguns deputados estaduais nas câmaras legislativas dos Estados. Há também vereadores, sem o menor parâmetro constitucional, mas amparados no mesmo oportunismo propondo nas Câmaras de Vereadores.

Não conheço quem defenda o aborto como princípio, mas há algumas circunstâncias da vida, como o estupro, em que algumas mulheres, mesmo sendo contra, necessitam fazê-lo. Psicologicamente, essas mulheres não conseguirão levar dentro de si o fruto de um crime. Pois bem, o Estatuto do Nascituro impõe a essas mulheres esse sofrimento. Nas devidas proporções, é o sofrimento semelhante ao imposto a Amina Filali.

*Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR) e presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. No twitter: @DrRosinha.

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