17/4/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
  http://vineyardsaker.blogspot.com.br/2014/04/full-text-of-geneva-statement-of-april.html 
  O Guardian publicou[1] a íntegra da Declaração de  Genebra. Eis o que produziram oito horas de negociações:
  A reunião de Genebra sobre a situação na Ucrânia definiu passos concretos  iniciais para desescalar tensões e restaurar a segurança dos cidadãos. 
  
  Todos os lados devem abster-se de qualquer ação violenta, de intimidação ou de  provocação. Os participantes condenam fortemente e rejeitam todas as expressões  de extremismo, racismo e intolerância religiosa, inclusive o antissemitismo. 
  
  Todos os grupos armados ilegais devem ser desarmados; todos os prédios  ilegalmente ocupados devem ser devolvidos aos legítimos proprietários; todas as  ruas ilegalmente ocupadas, praças e outros locais públicos nas cidades e vilas  da Ucrânia devem ser evacuados.
  
  Será garantida anistia a todos os manifestantes e aos que tenham abandonado os  prédios e outros locais públicos e entregaram armas, exceto os declarados  culpados por crimes capitais.
  
  Ficou resolvido que a Missão Especial de Monitoramento da Organização para  Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) deve ter papel central na assistência  às autoridades ucranianas e comunidades locais para a imediata implantação  dessas medidas de desescalada onde sejam necessárias, começando já nos próximos  dias. EUA, Rússia e União Europeia comprometem-se a apoiar essa Missão,  inclusive provendo monitores. 
  
  O anunciado processo constitucional será inclusivo, transparente e aberto.  Incluirá o imediato estabelecimento de amplo diálogo nacional, que inclua todas  as regiões da Ucrânia e partidos políticos, e permita que os cidadãos proponham  e comentem cláusulas e provisões. 
  
  Os participantes destacam a importância da estabilidade econômica e financeira  na Ucrânia e dispõem-se a discutir apoio adicional, à medida que os passos  acima sejam implementados.
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  É tudo. Bom que tenham escrito que é "inicial", porque aí só há truísmos bem  intencionados. Bem poderiam ter escrito algo na linha de "dar uma chance à  paz" ou "somos o mundo, somos as crianças, somos os que constroem um dia mais  luminoso". 
  
  Então, se nada há de substancial aí, qual a grande coisa? Por que demorou  tanto? 
  
  A grande coisa é que Tio Sam teve de aceitar a Rússia como parte, em pés de  igualdade, para resolver toda essa confusão gigantesca.
  
  A grande coisa é que Kiev teve de aceitar o Leste como parte, em pés de  igualdade, para resolver toda essa confusão gigantesca.
  
  Pode parecer óbvio para qualquer pessoa mentalmente sã, mas para imperialistas  casca grossa que acreditam na própria húbris e para bandidos neonazistas que  creram que construiriam o Banderastão deles e eliminariam o leste da Ucrânia de  um modo ou de outro, é concessão muito dura de fazer. Tão dura que farão tudo o  que estiver ao alcance deles para renegar o acordo ao qual hoje se submeteram.
  
  Além do mais, essa "declaração" (não chega a ser sequer um acordo) tem imensa  falha, que já está sendo detectada por muitos olhos: veio assinada por uma "Ucrânia",  como se existisse alguma "Ucrânia".  "Ucrânia", hoje, não passa de ficção. 
  
  As grandes forças em confronto, que realmente contam, são o Setor Direita e os  falantes de russo do leste – nenhuma das quais foi convidada a se manifestar. A  assinatura que se vê na "declaração" é do regime ficcional e ilegítimo dos  oligarcas e de agentes da CIA, que se  apresenta em nome de todos os ucranianos. O problema é que esse regime é  quase tão representativo do povo ucraniano quando o regime de Kerensky, da  Rússia de 1917: o regime só representa ele mesmo.
  
  Quanto ao Setor Direita e os falantes de russo no leste, a nada se comprometem  por esse 'acordo'; e os últimos já o declararam. Quanto ao Setor Direita, o  documento faz referência diretamente a eles, pela palavra "praças", no trecho  que diz que "todas as ruas ilegalmente ocupadas, praças e outros  locais públicos nas cidades e vilas da Ucrânia [devem ser evacuadas].  Eles não vão gostar nem um pouco. 
  
  Claro, a junta pode dar ao 'governo de Maidan' um alvará para reuniões públicas,  e voilà, estarão "legais" (mas, como Maidan  é hoje ameaça maior ao governo de Kiev que qualquer outra, o 'alvará' pode ser medida  muito perigosa). 
  
  Em resumo, é o seguinte: essa "declaração" é apenas "aceitação parcial da  realidade" pelos EUA e seus fantoches em Kiev. Não passa disso.
  
  Foram obrigados a essa concessão por causa do fracasso absoluto da chamada "operação  antiterroristas", a qual, em vez de esmagar o leste, mostrou várias unidades  mudando de lado (a 24ª Brigada Aerotransportada, onde houve a maior parte das  deserções, está, segundo o noticiário, sendo extinta; implica que Kiev está,  basicamente, extinguindo a sua unidade comparativamente mais bem treinada para  combate, em todo o exército ucraniano).
  
  O mais importante a compreender, nesse momento, é que o futuro da Ucrânia não será decidido por esse documento, mas,  exclusivamente, pela correlação de forças em campo. O Império  Anglo-sionista só responde a isso; só responde à força. Com o Império,  acordos e tratados escritos e assinados, promessas e juras não valem nem o  papel em que são escritos. E os russos sabem disso, melhor que todos.
  
  Putin deu aos ucranianos um mês para, no mínimo, recomeçarem a pagar a conta de  luz do mês e negociar um plano para saldar a dívida remanescente; se nada  acontecer, a Rússia adotará regime de exigir pagamento antecipado (previsto em  contrato), pelo qual Kiev só terá energia se pagar antes de receber o  gás comprado.
  
  O efeito dessa medida será equivalente a uma explosão nuclear econômica,  especialmente no contexto da prometida eleição presidencial. E ainda que,  mediante um mix de meias medidas  (empréstimos, reversão do gás recebido, etc.), o ocidente consiga manter acessos  alguns bicos de iluminação pública em Kiev durante o verão, já em setembro a  severidade do racionamento será praticamente apocalíptica.
  
  Quanto aos falantes de russo no leste, ninguém, hoje, tem meios para  desarmá-los ou esmagá-los pela força. E não vejo como essa situação possa ser  alterada em futuro planejável. Ao longo do verão, o leste simplesmente se  organizará melhor e se preparará para qualquer tentativa que Kiev empreenda contra  a população. E a Rússia tem agora o tempo necessário para, sem alarde, dar  assistência financeira, organizacional e até militar, ao Donbass.
  
  O tempo, definitivamente, não corre a favor dos EUA e seu lado; e, com o passar  das semanas, a posição do atual regime de oligarcas enfraquecendo-se cada vez  mais, mais os oligarcas pressionarão com pedidos de mais e mais concessões. Francamente:  nesse ponto, melhor seria que o Setor Direita e os falantes de russo  negociassem cara a cara, diretamente. Sei que parece forçado, e é. Mas esses  dois grupos têm, pelo menos, força e legitimidade (quero dizer: cada um, com o  povo que representa).
  
  Mais uma coisa: alguns de vocês manifestaram preocupação com a missão planejada  aí, de monitores da OSCE. Entendam o seguinte: tudo, até a própria declaração,  é folha de parreira, para dar a impressão de que todos querem desescalar a  violência. E uma coisa posso dizer com certeza: ninguém no mundo conhece melhor  a OSCE que os russos, especialmente Putin – que viu muito bem como esses "observadores"  "observaram" na Chechênia! Resultado disso é que, quando esses ditos "observadores"  aparecerem por lá, no leste da Ucrânia, será como se desembarcassem vestindo camisetas  com "CIA – espião norte-americano", "MI6 – espião britânico", "DGSE – espião  francês" ou "KSI – espião polonês" no peito, ou nos bonés. 
  
  A conclusão é a seguinte: essa declaração é, primeiro e sobretudo, uma  concessão simbólica, que os anglo-sionistas foram obrigados a fazer. Terá  impacto zero em campo. Não se deixem distrair pela informação-zero que a  imprensa-empresa e a blogosfera ocidental estão distribuindo, porque não passa  de flatulência politiqueira. Só um fator decidirá qualquer resultado dessa  crise: a correlação de forças em campo; e ela indica, claramente, sem  ambiguidades, que o "experimento ucraniano" está acabado. Agora, é só questão  de tempo.
  
  [assina] The Saker 
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