Projeto forma moradores de rua em elétrica de moto

Na Tribuna do Norte

Vanilson Torres, 42 anos, morou metade da vida nas ruas. Foram 27 anos no mesmo endereço: avenida Deodoro da Fonseca, no chão frio da porta da Catedral Metropolitana. Há seis meses ele se mudou para uma casa, mas ainda se considera um sem-teto. “Ainda sou morador de rua porque quero ajudar os outros a serem reconhecidos”, conta o atual presidente do Movimento Nacional da População de Rua.

Além de Torres, outros cinco moradores receberam hoje o diploma da primeira formação. Eles se formaram como eletricistas de motocicleta, curso oferecido pelo projeto “Amigos da Rua”, da Igreja Betesda, em Candelária.

Esse foi o primeiro curso técnico oferecido pela igreja, mas o projeto completou 11 anos em 2014. Todos os sábados, às 6h, a entidade oferece um café da manhã para sem-tetos. Durante o desjejum, uma oração e pregação da palavra.

O curso durou três meses, com aulas todas as segundas-feiras, e era comandado por duas empresas parceiras. Vanilson Torres ainda não começou a trabalhar na área, pois pretende ajudar as atividades da igreja. “Se me ajudar a arrumar um emprego ou não, é um conhecimento a mais”, acrescenta.

Torres saiu de casa aos 12 anos. Após a morte da manhã, o pai se tornara violento. As surras eram cotidianas. “Pensei que era melhor ir para a rua, e ela não é ruim. A rua oferece muita coisa, fome, cômica, dinheiro, trabalho, droga...temos que aproveitar porque ela é uma escola”, emenda.

Em 2003, o pastor Mardes Silva e a esposa, Marilac Castro, iniciaram o projeto Amigos da Rua. O objetivo não era “evangelizar”, mas oferecer o básico para a população de rua: comida, remédio, documentos. O mínimo necessário para que eles conseguissem sair das ruas.

“Hoje o sentimento é de gratidão à Deus pela oportunidade de poder contribuir e dar oportunidade para essas pessoas”, diz o pastor. “O café da manhã era apenas uma desculpa para que pudéssemos nos aproximar dessas pessoas, ajudar”, completa Marilac. O casal é de Fortaleza (CE), mas mora na capital potiguar desde 1996.

Durante a colação dos formandos, a igreja ficou cheia de antigos participantes do projeto. Pessoas que não receberam qualificação, mas viram na igreja não só o caminho da fé, mas principalmente oportunidade.

Leandro Bezerra, 30 anos, participou do projeto durante cinco anos até, enfim, deixar as drogas. O vício no crack e na bebida começou aos 20. Nunca chegou a roubar nada de casa, mas os pais não o deixavam voltar mais.

“A igreja me ofereceu primeiro a oportunidade de mudar. Ela ajuda, mas é você quem toma a decisão”, afirma. “A fé ajuda a acreditar que não vou mais cair. É só não topar”, diz.

Para ele, o maior ganho dos últimos cinco anos em que está “limpo” foi a credibilidade, a confiança das pessoas. “Você na rua, na sujeira, as pessoas não confiam. Ninguém me vê mais desse jeito. Como na rua eu ia conseguir uma beleza dessas?”, questiona mostrando a tela do celular, com a foto da namorada, Elaine. Mostra também um sorriso largo, de dentes separados.

De acordo com o pastor Mardes Silva, ainda não há uma data para que seja iniciado o novo curso. Entretanto, os cafés da manhã continuam sendo oferecidos todos os sábados, das 6h às 7h30.

Histórias


A história de Clóvis Rodrigues, de apenas 30 anos, é cheia de números: começou a se drogar aos 13 anos, após a separação dos pais. Provou seis tipos diferente de droga, do cigarro ao “pneu” (comprimido). Coleciona 28 internações. Viu 150 colegas de rua morrerem. Na última, no Hospital dos Pescadores, na Ribeira, a anemia era tão forte que ele precisou de 8 bolsas de sangue e 15 de soro. Foi quando caiu a ficha.

“Eu precisava mudar minha vida. Minha família nunca havia me abandonado, mas eu me afastei. Eles estavam cansados”, conta. Há oito anos ele participava dos cafés da igreja, mas há dois meses conseguiu deixar as ruas. Voltou para casa e está em tratamento médico. “A igreja dá o apoio”, aponta.

Já Everaldo da Silva Souza, 40, está distante do vício há quatro anos. A separação da primeira esposa que o havia colocado nas ruas. A droga o consumia desde os 19 anos. Começou a participar do projeto Amigos da Rua e conheceu a esposa, Andréia, também ex-moradora de rua. Se casaram e são pais do pequeno Eduardo, de um ano.

Hoje trabalhando como acabador em uma marmoraria, ele só consegue sorrir ao contar toda a história. E, para ele, só há um responsável pelas mudanças. “Deus é muito bom, não é?”, questiona.

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